terça-feira, 29 de dezembro de 2009

[2010]

Enfia sua língua na minha boca e arranca de dentro de mim todas as resoluções de Ano Novo molhadas de saliva que vamos usar juntos, depois de secá-las no meio do calor das nossas pernas.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

[Desembrulhada]

Eu tenho uma vizinha.

[Eu sei, você também tem, né?]

Minha vizinha é enorme. Enorme de grande, imensa, gigantesca. Para os lados e para cima. Não é o tipo de mulher que chama a atenção da maioria dos homens, a não ser pelo seu tamanho descomunal. Não é o tipo de mulher que suscita a vontade de comer num homem. Pelo menos não na maioria desta raça.

[Não, eu não sou hipócrita. Sou realista. Você não?]

O que sempre passou pela minha cabeça é como aquela mulher não inicia uma dieta para ontem, como não teme ter um treco a qualquer momento e deixar um filho órfão, como não pensa que pode ficar doente, como não procura algum tipo de tratamento, como isso, como aquilo - ou seja, minhas indagações sempre tiveram um fundo de busca por uma vida saudavelzinha. Achava graça das indagações de cunho filosófico-espiritual das minhas amigas, que não entendiam a equação atração-namoro-casamento-filho que explicaria o que o meu vizinho [cabe aqui um colchete para explicar como é meu vizinho? não? obrigada] viu na minha vizinha.

E por que minha vizinha num post? Porque durante este ano eu ouvi muita coisa. Coisas que me deixaram confusa, de coração partido, irritada, derretida ou, simplesmente, não me deixaram nada, porque não dei a devida importância. Não estou me referindo apenas a coisas que amigas verdadeiras falam para levantar nossa auto estima quando precisamos e que, geralmente, vêm acompanhadas de puxões de orelhas, mas também de coisas que partiram de pessoas que não tinham a menor obrigação de tentarem me fazer sorrir quando as lágrimas saltavam descontroladamente, quando eu precisava desencostar da parede, encarar quarenta e seis seres humanos e dissertar sobre a arte renascentista.

Minha vizinha, aparentemente, é bem feliz do jeito que é. Pelo menos ela participa de uma comunidade do Orkut intitulada "sou gordinha e sou feliz", ou algo parecido. É mentira, sabe? Ela não é gordinha, mas e daí? Feliz talvez seja mesmo. Fico me perguntando até que ponto não estou aproveitando o que tenho para ser feliz. Até que ponto estou boicotando a mim mesma, talvez justamente por ter medo de ser feliz.

Assim sendo, deixo registrado aqui que, de hoje em diante, serei atriz pornô.

















[Tá. É mentira]

No final de 2008, pedi a Noel apenas um presente:


Creio que naquele momento os anjos disseram amém, de modo que fui acometida por surtos de falta de juízo o ano inteiro. E foi muito bom. Dessa vez, quero apenas aprender a usar o que tenho de bom a meu favor. Porque, no final das contas, só quero ser feliz, como todo mundo. Ainda que não saiba o que fazer quando me colocam a felicidade nas mãos. Parece que queima. Parece que escorre. Parece que não é para mim, não é o meu número, fica larga - eu não sou gordinha, sabe? - e me escapa. Então, Noel, capricha mais uma vez, ok? Pode vir desembrulhada. Quero pegar minha felicidade e já sair usando, entende?

[Mas se tudo falhar, atriz pornô é uma possibilidade. Se eu posso ser apenas um par de pernas abertas, uns olhos que dizem o que querem, um cabelo bom para ser puxado e uma boca que solta gemidos, vou continuar gastando meu cérebro para que, não é mesmo, minha gente?]

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

[Escreve-Que-Eu-Te-Leio]

Momento "eu-leitora-que-caio-de-para-quedas-num-blog-de-família-à-procura-de-todas-as-respostas-para-minhas-dúvidas-sexuais":

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deixo ele de pau duro e vou embora
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Colega, eu também já fiz isso. Algumas vezes, para ser mais exata. Sempre que voltava, lá estava ele, de pau duro ainda, à minha espera. Porém, as coisas chegam a um ponto fatídico em que nem você mesma aguenta mais ficar só na expectativa, dá um chute nas suas incertezas, cede aos encantos de um membro ereto e, pasme!, acaba descobrindo que aquilo sim, é o que se chama de química, se é que me entende. Depois disso, só lhe resta torcer para que seus ímpetos sexuais não transbordem pelas beiradas do seu sorriso, pelo canto dos olhos, pelas pontas do seu cabelo e agradecer por aquele pau duro, aquela química, física, astronomia e todas as ciências e supostas coincidências que fizeram com que duas pessoas se encontrassem por aí e acabassem em lençóis, chuveiro, mesas e afins.

Entretanto, não querendo ser dura - pois, se já temos um pau duro, para que mais dureza, não é verdade? - preciso tecer algumas considerações, amiga. Se você deixa o cidadão de pau duro e vai embora, precisa tomar consciência de que outra mulher poderá, como devo dizer... poderá aproveitar o ensejo e fazer uso do pau duro em seu próprio proveito. Como bem sabemos, seres humanos são egoístas e não dispensam certas facilidades, ainda que seja um pau devidamente duro por antecipação. Além do mais, estamos aí desfilando nossa beleza numa sociedade machista e, por causa disso, há o risco do sujeito deixar-se dispor pela tal mulher como ela bem entender. Afinal de contas, o que os amiguinhos do maternal diriam se soubessem que ele não mostrou a devida competência no manejo do seu pau, não é verdade?

Gata, não é porque deu certo comigo e ficaram à minha espera que acontecerá igualzinho com você. Siga aonde vão meus pés, mas não arrisque um pau duro se não for devidamente descompensada, entendeu? Você é descompensada? A.c.o.r.d.a, pessoa.

[Sem mais para o momento, espero ter ajudado, embora não estejam abertas inscrições para consultas de cunho sexual aqui neste blog de família]

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

[Engasgar]

[Ah, porra, eu engasguei mais uma vez! Tinha prometido morder minha língua assim que você viesse com aquele papinho de oi-tudo-bem-quanto-tempo-o-que-tem-feito e foi só me distrair com seu par de tênis para engasgar outra vez com as frases que venho ensaiando para lhe dizer desde que nasci de novo, desde que você me estendeu a mão naquela noite fria, achando que eu não passava de uma bêbada sentada no meio fio debaixo de um temporal. Engasguei com a saliva que estava guardando para cuspir ali, do seu lado, sobre os pedacinhos de fotografias rasgadas de orelhas, coxas e vaginas das vagabundas com as quais se deitou em todas aquelas vezes que te larguei com o pau duro para dançar, sozinha, em cima de uma mesa. Sempre gostei de te ver do alto, ao som de coros celestes, onde nunca me alcançarias, a não ser que eu descesse os degraus e me misturasse à nicotina e aos perfumes baratos que te rodeavam. Estava tudo tão bem planejado e você estragou tudo no instante em que abaixou a cabeça sem saber o que dizer. Fizesse qualquer coisa, menos mirar o chão que piso à procura de respostas escondidas em papéis de bala, porque desse jeito sinto vontade de me doar. Tropecei no asfalto enquanto caminhava na sua direção para tentar te salvar de mim mesma. Escorreguei no suor que queimava minhas tripas e minha carne encostada naquele muro imundo onde só as putas se esfregam. E engasguei com você, no escuro, quente e grosso, em mim]

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

[Um Dia Em Minha Vida]

Toda uma energia do tipo Murphy-se-excita-com-meu-sofrimento rondando meu ser por aqui, pessoas.

Minha última façanha foi conseguir me trancar no banheiro feminino do trabalho e não conseguir sair de lá. E como consegui ficar presa estando com a chave em minhas mãos, você pergunta. Não sei, não sei, mas estou desconfiada que Murphy mantinha o dedo no buraco da fechadura, de modo a dificultar o trabalho da chave. Creio que seja isso, ainda estou refletindo.

O fato é que nos segundos iniciais consegui manter a calma, de modo que apenas quase quebrei a chave lá dentro. Nos minutos seguintes, porém, uma falta de ar foi tomando conta de minha pessoa cada vez que eu olhava para os lados e só via paredes-sabonete-paredes-espelho-paredes-arranjo-de-flores-paredes-e-paredes. Ah, sim! Há um pequeno buraco na parte superior de uma das paredes, algo que deve fazer o papel de janela no recinto e pelo qual eu sairia lépida, faceira e amarrotada, não fossem aqueles tijolos furadinhos charmosos impedindo minha passagem.

Já disse que não posso com lugares fechados-escuros-lotados-e-afins? Sempre exijo uma dublê aos Roteiristas da Televisa que escrevem os capítulos da minha vidinha quando as cenas exigem clausura em lugares assim. Aparentemente eu era uma menina normal que não tinha medo do escuro e nem do bicho papão, até uma noite em que, já adormecida, faltou luz e fiquei enlouquecida procurando a porta do meu quarto, depois de ter perdido o senso de direção dentro daquele cômodo que abrigava minhas noites de insônia.

[Não que eu tivesse senso de direção ou qualquer outro senso que fosse mas, veja bem, foi uma sensação horrorosa o suficiente para me marcar pelo resto da vida]

Eu já disse também que tento manter o controle nos ambientes de trabalho? É que, né?, ninguém precisa saber o quão descompensada sou. Tanto esforço em vão, depois que não me contive e comecei a gritar. Primeiro, mandando Murphy parar de palhaçada. Depois, chamando educadamente alguma boa alma. Por fim, berrando socorro mesmo. Incrível como seres humanos brotaram das profundezas da terra quando ouviram meu pedido de socorro.

[Acho que era a sonoplastia de qualidade encomendada pelos Roteiristas da Televisa, sabe?]

Tive que estragar o chaveiro guti guti de estrelinhas para passar a chave pelo vão que nem sabia que existia entre a porta e o chão. Tive que controlar minha respiração porque, olha, já estava vendo oxigênio mandar tchauzinho de longe. Tive que esperar arrombarem a porta. E tive que encarar Dona Sicrana, que exclamou um ah, mas então é você? tão logo me viu, completando que eu devia estar querendo aparecer, fazendo aquele escândalo todo para que algum colega me salvasse, que queria era estar presa com algum deles lá dentro, que eu era metida, que meu cabelo estava horrível, que meu signo é um dos piores e que ela é muito, muito mais ela.

[Meiga, sempre meiga, mal amada e mal comida, esta coadjuvante que me arranjaram]

I.n.j.u.s.t.a. Achei bastante injusta a acusação de exibicionismo, viu, Murphy? Aquele era o dia mais insosso no trabalho, poxa...

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HEXA

06/12/2009

[MENGÃO DO MEU CORAÇÃO]

sábado, 28 de novembro de 2009

[Dos Embaraços]

Certa vez, Madrinha me presenteou com uma calcinha super-hiper-mega-master-gigante que trazia escrito wonderland. Agora, foi a vez de outra pessoa manifestar seu apreço pela minha pessoa.

Tamanho do apreço:

Luvas e tudo! Estou tendo um pouco de dificuldade para identificar onde começa e onde termina determinados pedaços da peça. Isto sem falar do receio de experimentar só para ver como fica - porque não caber deve ser a real intenção da coisa. Imaginemos que, de repente, um caboclo felino tome conta de todo o meu ser e eu saia pelas ruas arranhando meus semelhantes, não é verdade?

O que passa pela cabeça de uma pessoa que vê tal peça de roupa numa vitrine e compra para me dar de presente?

( ) Humm, isto deve caber na [P]!
( ) Será que isto cabe na [P]?
( ) Vou comprar para humilhar, porque isto não deve ficar bem na [P]!
( ) Hummmmmm, se isto não couber na [P]...

[Embaraçoso, é o termo ideal. Embaraçoso, eu sei]

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

[Esperança]

[Esperança é uma puta de quinta categoria vestida com roupas costuradas de retalhos dos meus sonhos. Uma vaca oferecida colada na minha sombra à espera de um tropeço meu nas ruas de paralelepípedos. Esperança tem inveja da minha meia calça desfiada e do meu rímel borrado que dão a sensação de noites bem aproveitadas em meio a línguas, membros suados e esquecimento. Esperança é barata demais e se oferece em postes onde me esfrego, ele me esfrega, nós nos esfregamos, deixando grudadas marcas de unhas e gozo. Esperança se alimenta dos restos que deixo pelo caminho. De tão faminta, me compadeço dela e a deixo ficar. É quando ela começa a me corroer como se fosse um verme invisível, sugando meus desejos para si e me devolvendo este vazio que uso como acessório no cabelo. Esperança me cega com seu falso brilho e eu invento óculos que não escondem as letras que deixo escorrer. Esperança me fode inteira como se eu fosse uma virgem idiota que se apaixonaria pelo seu algoz. E ela consegue. Esperança me mantém de quatro enquanto vejo mar azul e não me atrevo a molhar os pés, enquanto ouço sinfonias inacabadas e permaneço rouca demais para gritar meu refrão. Esperança me amordaça e me amarra até fazer sangrar meus punhos, talvez desejando que eu agradeça por tê-la tão perto de mim. Esperança é uma vadia insensível que não consegue entender que assim que conseguir me desamarrar, vou tomar o seu lugar. Ao invés de ser qualquer coisa entre amiga e desconhecida, faz questão de me manter cativa, e isso só aumenta meu desejo de ser minha própria Esperança, ocupar seus postes e enterrá-la no sótão das minhas lembranças, misturada aos amores que não me servem mais e de onde nunca mais sairá para aproximar-se de mim]

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

[Sugestão]

Sinto que preciso compartilhar uma coisa com o mundo.

Perguntei a uma coordenadora por que, ao invés de gastar seu tempo útil implicando com minha pessoa, ela não ia tentar ter um orgasmo de verdade, com um pau de verdade, fazendo sexo de verdade.

Pronto. Agora me sinto bem melhor.

Podemos continuar.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

[Pai de V.]

Pai de V. foi chamado graças ao número alarmante de faltas que o filho ostenta na reta final do campeonato. Para que todo o processo seja entendido, preciso dizer logo que V. é o alvo de onze entre dez meninas da sua classe. Pois bem. Mãe de V. só deu o ar da sua graça uma única vez. Nas outras, enviava representantes que não necessariamente a representavam, haja visto que nem pertenciam à família e, portanto, não sabiam nada sobre V. Então tiveram a idéia [descabida, ultrajante] de convocar o pai da criatura.

Pai de V. apareceu e não se intimidou com o fato de estar numa posição de destaque numa mesa rodeada de pessoas que questionavam faltas e atrasos do seu filho. Pai de V., muito bem articulado verbalmente, expôs argumentos que justificavam os atrasos da criatura, ao mesmo tempo em que pedia para chamar o menino, pois se conseguia justificar os atrasos, queria explicações sobre as faltas. Pai de V. disse que tomou para si a responsabilidade de ficar com V. e o irmão porque, veja só, Mãe de V., muito liberal, não impunha limites aos meninos. Não sei quem teve a idéia [descabida, ultrajante] de chamá-lo, mas notei que uma comoção [coletiva-feminina-uterina] tomou conta do ambiente tão logo Pai de V. apareceu e a coisa só foi crescendo conforme ele falava da importância de manter os meninos consigo, pois consegue estar de olho no que fazem e com quem andam, conforme ele explicava que Mãe de V. fazia questão de colocar os irmãos contra ele e, principalmente, conforme Pai de V. ia se sentindo mais à vontade para, por exemplo, pôr as mãos [descabidas, ultrajantes] sobre a mesa.

Tão pueris quanto menininhas afoitas diante de um brinquedo [descabido, ultrajante], o mulherio fez chegar até mim um bilhetinho escrito às pressas, em tortas linhas e tremidas letras, no qual li um putaquepariu, [P], que pai é esse? que, obviamente, me fez rir fora de contexto e parecer a doida mais varrida da sala. Eu não sei se você sabe, mas invariavelmente sou a doida mais varrida do meu bando. E também não sei se já sabe, mas sou a consultora sentimental oficial no meu trabalho. Assim, não que eu tenha dado um jeito na minha própria vida sentimental, mas as pessoas marcam consultas, me param nos corredores, dizem que vão cometer uma loucura e aprovar os reprováveis e lá vou eu explicar que não é desse jeito, que isso, que aquilo, que tal roupa não é apropriada, que talvez sem calcinha seja mais conveniente, que nada de parecer um bicho pegajoso-grudento-sufocante, etc etc etc, de modo que respondi um deve ter mulher, é gay ou não é deste plano no bilhetinho furtivamente enviado por baixo da mesa.

Então Pai de V. ia se preparando para sair quando foi questionado sobre sua relação com a mãe dos meninos. Creio que ele próprio tenha percebido a comoção [coletiva-feminina-uterina] que provocara ao pronunciar a palavra mágica ex e dizer que a dita cuja fica enfurecida quando se refere a ele, falando para V. que não o quer com o umbigo encostado num balcão tal qual o pai, ao que ele responde que, graças ao seu umbigo, ela fez faculdade e tem hoje uma profissão. Foi exatamente neste momento que alguém fez uma referência ao umbigo do homem e eu engasguei com a Coca Zero, ou com o pedaço de bolo de banana, ou com o umbigo, ou com tudo junto, de modo que Pai de V. se comoveu com o desespero [coletivo-feminino-uterino] das que queriam me fuzilar por acharem que a coisa evoluiria até chegar à extrema necessidade de uma respiração boca a boca.

O panorama atual segue aquela regra [descabida, ultrajante] de mulher-loba-da-mulher, onde o instinto individual berra mais alto, a ponto de ter feito V. me parar no corredor para dizer que já não sabe mais o que fazer para agradar às outras, já que elas vivem o ameaçando com a velha história de chamar seu responsável [o descabido, o ultrajante, a.q.u.e.l.e mesmo]. Tento confortá-lo, alegando que seu comportamento é outro, suas faltas estão sendo supridas e seus atrasos desapareceram, de modo que não há uma justificativa [coletiva-feminina-uterina] para que seu responsável seja chamado. A não ser que eu engasgue novamente, completo.

[Eu devia vender idéias - descabidas, ultrajantes - a granel e parar com esta coisa de levar a vida honestamente...]

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

[Sem Olhar Para Trás]

I

- Aposto que você não sabe o que fazer agora - o tom dela era desafiador. Esperava uma reação brusca. Não, não esperava. Ela desejava uma reação brusca; afinal, há muito gostaria que alguém esfregasse suas costas numa parede até fazê-la sangrar.
- Faço o que você quiser que eu faça - ele respondeu, olhando o piso velho.
- Não tenho mais paciência para isso. Vou contar até dois antes de me levantar e sair por aquela porta para nunca mais voltar - ela vociferou, enquanto puxava a cortina para deixar o sol entrar.
- Três.
- O que?
- É até três que se conta - ele sorria, patético.

Ela pegou a bolsa, jogou as chaves em algum canto do cômodo bagunçado e abriu a porta. A claridade a cegou.

II

Ele não sabe o que fazer com as mãos. De qualquer jeito, tropeçando, corre atrás da sombra e tenta apalpá-la. Só os tolos querem tocar sombras, almas e poesia, ela pensava, adivinhando o gesto desesperado do homem atrás de si. De qualquer jeito, sem saber para onde olhar, surpreende-se quando ela para de repente, vira-se e o empurra até o sofá mais próximo.

- Deixa eu soprar trovoadas no seu ouvido? - perguntou, sedutora.

Ele devia aproveitar aquele momento para vomitar indecências no seu ouvido. Era a hora de agarrá-la pela nuca até que se ajoelhasse em penitência. Por todas as noites que ela o fizera chorar. Por cada canção desafinada que ouviu em pensamento. Por cada ferida em brasa que ela provocara. Por todas as vezes que. Assim, sem mais nem menos, de tantos ques existentes, de tanta fúria engasgada. Não importava que ela parecesse indefesa. Era isso que passava pela sua cabeça, enquanto ela esperava uma resposta, despindo-o aos poucos, em morte lenta, com os olhos faiscantes. Ah, como ela odiava essa mania que ele tinha de considerá-la indefesa! Não importava que ele parecesse perdido, ela já não podia mais esperar. Guiou a mão inocente até preenchê-la com o seu cabelo solto, com sua volúpia e com todas as cartas idiotas de amor que nunca seriam enviadas. Ele devia aproveitar aquele momento para pedir perdão por todas. Por todas e ainda as que estariam por vir. Por aquele pau duro latejando à espera daquela língua. Por não ser forte o bastante para juntar letra com letra, mão com cintura, boca com boca e, assim, do jeito que ela queria, se desculpar. Não que ela soubesse exatamente o que queria, mas sabia o que não queria mais. Não queria mais deixá-lo esperando. Não queria perder a chance de se tornar inesquecível. Abriu o zíper e despiu-o às pressas. Língua, espasmos. Desejo, desculpas. Acho que se eu não tirar os olhos dele vou ser sua última assombração para sempre, ela brincou, em pensamento.

III

- O que está fazendo? - ele perguntou, ainda sôfrego, ainda suado, ainda insaciado, ainda devedor, ainda tudo.
- Vou embora.

Você não pode fazer isso comigo, ela leu na expressão daquele rosto que a mirava. Era só o que lhe faltava, é claro que ela podia fazer tudo o que queria! Podia roubar estrelas, desfalcar tempestades, moder travesseiros e se jogar da ponte. Não importava mais todo aquele desejo. Ela queria que ele a pegasse, rasgasse suas verdades, fizesse ferver seu sexo molhado e conseguisse encaixar seus corpos do jeito que nunca havia conseguido combinar palavras, atos e omissões. Era tarde, embora o sol ainda brilhasse. Era tarde, ainda que ela quisesse ficar.

- Não pode fazer isso comigo - ele repetiu, sem se mover, com a certeza absurda dos que não esperam por surpresas.
- Olhe para você. Eu não caibo no seu colo. Não caibo em você. Não tenho mais espaço nem mesmo em mim.
- O que você quer que eu faça? - ele parecia começar a se preocupar.
- Quero que me pegue pelo cabelo, me coma com a janela aberta, decore cada pinta que encontrar pelo meu corpo e me faça entender o que me recuso a ouvir. Quero ver a luz iluminando teus olhos e que teus gemidos contidos explodam até o outro lado da rua. Quero que engasgue com nossa saliva e que marque meu corpo com suas digitais. Quero olhar cada um dos seus fantasmas escorrendo pelo ralo do banheiro só para ter a certeza de que somos, enfim, só nós dois.
- Você é louca...
- Foi o que pensei.

IV

Bateu a porta com força. Ele ainda pensou em gritar seu nome, dizer que ela havia esquecido seu perfume no seu corpo, sua inicial nas suas entranhas, seus dedos entrelaçados nas suas mãos, enquanto a via atravessar a rua correndo, pela última vez, deixando para trás as certezas absurdas num apartamento cheio de um vazio deles dois.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

[Errante]




[Espero que você saiba o que estou fazendo enroscando minhas pernas ao redor da sua alma e te sufocando entre minhas coxas]

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

[Mea Culpa]

Chamei Cachaça para conversar inúmeras vezes. É sério, eu perdi a conta de quantas vezes batemos altos papos, travamos veementes diálogos, trocamos idéias... e nada. Cachaça sempre me ouvia quieto, nunca foi do tipo de revidar ou questionar meus modos, meus métodos, meu palavreado. Mudar, entretanto, não fazia parte dos seus planos. Como paciência tem limites - e paciência em si já é algo BEM limitado na minha pessoa -, chamei Mãe de Cachaça para conversar.

Mãe de Cachaça e eu tivemos uma conversa franca, aberta, honesta. Um tipo de conversa que não se pode ter com qualquer ser humano, se é que me entendem. A certa altura do diálogo - que, diga-se de passagem, tomou TODO o meu horário de intervalo, de modo que não sabia se assoviava, chupava cana, comia uma barra de chocolate, olhava o relógio ou plantava bananeira -, Mãe de Cachaça chegou no ponto central da razão de ser de tudo aquilo. Sabe? Da razão de Cachaça ser como é. Da razão das minhas queixas. Da razão dela ter sido chamada com toda aquela urgência pela minha fofa pessoa. A razão - não me diga que você não sabia? - de todas as catástrofes que assolam a humanidade desde que o gênero homo resolveu, assim, do nada, que ia evoluir, enfim.

- A senhora vai me desculpar, Dona [P], mas querer que meu filho se saia bem não só com a senhora, mas com os seus colegas também, quando ninguém se dispõe a dar todas as avaliações com consulta é exigir demais. Desse jeito ele e os colegas nunca vão conseguir, essa é a verdade.

Eu queria dizer que era mentira, minha senhora, que muitos não conseguiriam nem com consulta, que a vida não vem com um manual para consultarmos quando bem entendemos, que blábláblá mas, né? Após a exposição de tão torto raciocínio, guardei minha culpa - mais uma! - na bolsa e evitei a fadiga, numa boa.

[Depois eu comento, nos bastidores, que estive pessoalmente com a Dona Vodka, Mãe de Cachaça, e me chamam de venenosa...]

sábado, 24 de outubro de 2009

[Dona Sicrana]

Suponhamos que fui a pauta principal de uma das recentes reuniões do plano astral. Suponhamos que os participantes da tal reunião - Roteiristas da Televisa que escrevem as cenas estapafúrdias da minha vida, escolhem personagens à minha revelia e não me mostram o roteiro com antecedência, além de um Universo cujas intenções até agora não conseguimos desvendar - decidiram que era chegada a hora de eu conhecer Dona Sicrana.

Suponhamos que Dona Sicrana tenha chegado aparentemente do nada num dos meus ambientes de trabalho e que, desde então, ninguém sabe ao certo o que ela faz por lá. Alguma função fantasia, dizem as más línguas. Suponhamos que tenham dado a Dona Sicrana a opção da escolha, a utilização do seu livre arbítrio, a possibilidade de decidir com qual criatura, dentre todas as criaturas mortais disponíveis, gostaria de conviver. Minha dúvida é: por que ela não escolheu você? Por que raios ela levantou a mão ininterruptamente, quando perguntaram: [P], quem vai querer conviver com a [P], vamos lá, quem, quem? Consigo até ver Dona Sicrana berrando escolhe eu, eu quero, me escolhe, eu quero ir!

Suponhamos que eu esteja me comportando dignamente, que tenho andado disponível para ouvir conversas de senhorinhas carentes em pontos de ônibus, que estou contribuindo para a preservação das canetas vermelhas de um processo acelerado de extinção, que tenho contado até sete antes de sair despejando meu juízo de valor ou minhas supostas verdades absolutas, que venho me esforçando para aprender a contar até oito e que tenho evitado provocar qualquer tipo de combustão nos meus semelhantes.

Suponhamos também que, por não ter sido consultada sobre minha vontade de NÃO querer conviver quase diariamente com uma mulher mal amada, mal comida e em eterno mau humor, criei uma antipatia especial por ela, principalmente porque Dona Sicrana parece um arame farpado disfarçado em roupas do século retrasado que sente prazer em passar seu tempo me olhando, prestando atenção no que faço, apontando o que deixei de fazer - que, na sua opinião, seria de vital importância para a continuidade do movimento de rotação da Terra - e soltando farpas venenosas em minha direção.

Suponhamos que a última de Dona Sicrana tenha sido a seguinte: em horário de intervalo, entro na sala já cheia, vou pegar um copo d'água e, quando passo perto dela e de outra aprendiz de feiticeira, escuto Dona Sicrana dizendo...

- Ah, não sei, não... eu acho que toda aquela delicadeza e aquele jeitinho meigo dela esconde outras coisas. Aquilo não deve prestar. Pelo pouco tempo que a conheço, acho que a [P] deve saber fazer um canguru-perneta-triplo-carpado com louvor enquanto grita vai, vai, vai...

Suponhamos que, levando em consideração que a delicadeza e o jeitinho meigo até existam - assim como outras coisas escondidas -, seria desejo do plano astral que eu tivesse uma reação apática diante do relatado? Ou um desprezo pelas palavras de Dona Sicrana? Talvez um simples desvio do veneno que escorria pelo chão da sala? Não vou nem entrar no mérito do tal canguru-perneta-triplo-carpado, já que tenho vários questionamentos sobre o seu funcionamento. Isso dói? Deixa hematomas? Corre-se o risco de cair da cama, da mesa, do sofá ou de escorregar debaixo do chuveiro? A satisfação é garantida? Não sei, não sei, minha gente.

Suponhamos que eu tenha feito um minuto de silêncio em homenagem à fertilidade da mente desta mulher e que, logo em seguida, tenha me aproximado e dito no seu ouvido, com minha voz mais sexy, o seguinte:

- Cuidado, Dona Sicrana! Não conte nada disso ao seu marido! Acho que seria um pouco chato se ele comesse alguém que não deve conseguir sequer virar cambalhotas pensando nos meus dotes artísticos, não?

E então? Tenho salvação? Terei uma segunda chance para mostrar que não consegui desta vez, mas que posso, sim, ser fofa?

[Suponhamos que eu esteja ficando tensa só de imaginar qual será a revanche do plano astral após esta minha demonstração explícita de maus modos...]

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

[Amor]

[Amor arrancou minha blusa com voracidade antes de morder meus mamilos só para me ver com os olhos revirados de desejo enquanto cravava uma faca afiada em meu peito. Amor senta-se na minha frente com o rosto apoiado nas mãos para ver melhor a minha alma escorrendo em vermelho pelo chão. Acostumado a me ver de quatro diante de si, Amor pensa que só sei engatinhar. Amor acha graça da minha agonia e se alimenta do meu desespero até se fartar, sem saber que vou revirar seu estômago daqui a alguns instantes. Amor vai engasgar. Amor vai se afogar em vômitos. Amor vai me estender a mão. Amor vai pedir socorro. Estarei ocupada. Levantando. Sacudindo a poeira dos meus sonhos. Amor não sabe, mas eu sei morrer de mentira. E sei matar o Amor. De verdade]

terça-feira, 13 de outubro de 2009

[Semelhantes]

Não adianta, o "inferno astral" é meu e ninguém tira isso de mim. Não importa que a rua esteja cheia de pedestres, indo e vindo apressadamente. O negócio é comigo, sabe? Serei eu a escolhida pelo sujeito que anda de bicicleta para ser atropelada. Tudo bem que talvez estivesse mesmo distraída, mas tinha que ser eu, tenho certeza.

Ele reclamou que eu estava na calçada. Veja bem: estava andando na calçada, ao invés de pegar carona na vassoura da namorada dele. Reclamou que não consegui desviar da bicicleta porque o vento esvoaçava meu cabelo, o que atrapalhou minha visão. E eu gastando dinheiro para cuidar do cabelo, quando bastaria frequentar o mesmo salão que a namorada dele deve frequentar. Reclamou também que esperava uma reação mais intensa da minha parte. Espertamente, deduzi ser aquilo tudo uma espécie de teste do Universo para com aquela doida varrida que andou escrevendo num post deste blog que saberia se comportar de maneira mais fofa com relação aos seus semelhantes.

Acontece, Universo, que devemos avaliar a quais tipos de semelhantes você vai me expor, compreende?

Se for um semelhante de vinte e quatro anos, minha resposta é NÃO.

Se for um semelhante destrambelhado que não sabe guiar uma bicicleta, também NÃO.

Se for um semelhante que insiste em me levar ao hospital, alegando que talvez um médico ache necessário tomar algum tipo de vacina, mesmo depois de me ver repetir mil vezes que, colega, sou a rainha das vacinas, já perdi a conta de quantas doses empurrei para dentro nos últimos tempos e estou super protegida, também NÃO.

Se for um semelhante inconsequente que me coloca sentada no meio fio e pede para um e.s.t.r.a.n.h.o tomar conta de mim enquanto vai buscar seu carro para me levar na marra, NÃO.

Se for um semelhante que briga com o e.s.t.r.a.n.h.o que tentou - sim, sejamos sinceros, ele bem que tentou, mas era eu lá, né? se liga, Universo - tomar conta de mim inutilmente, pois me levantei meio descompensada, dei tchau e recomecei meu processo de volta para a casa, é NÃO.

Se for um semelhante que aparece realmente dirigindo um carro do meu lado, insistente, teimoso, que vai me ouvir dizer que, na verdade, a culpada fui eu, a distraída era eu, mas que está tudo bem, não sinto nada, nem me arranhei, vai passar, tudo passa, essa dorzinha enjoada vai embora na próxima estação e vai sorrir meio tímido, respondendo que está achando que sou maluca, mas pareço ser interessante, numa perturbação explícita que traz à tona Joel e Clementine, também NÃO.

Se for um semelhante que acredita na minha encenação de que estou totalmente zen, que não importam o cabelo embaraçado, o pedaço rasgado da saia ou alguns trabalhos perdidos numa vala, pois estas coisas mundanas não significam nada diante da minha busca pelo nirvana, NÃO.

Se, por último - mas não menos importante -, o semelhante NÃO tiver a namorada que eu supunha existir e se arriscar a pedir meu MSN, é NÃO, DE JEITO NENHUM, DE MANEIRA ALGUMA.

Combinado, Universo?

[Você sabe, mais do que ninguém, que freio nos impulsos é algo que não trabalhamos. Pare de palhaçada. E tenho dito]

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

[Dos Atropelos]

Fui atropelada.

Ainda estou em profundo estado de choque.

[Francamente, Universo. Francamente, viu?]

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

[Mudanças]

Estou prestes a entrar no meu "inferno astral". Ao que tudo indica, não devo ter sido uma boa menina nos últimos meses. Não roubei, não matei - nem mesmo baratas -, não dei notas vermelhas em vão, não desejei o homem da próxima, não cobicei feiura ou gordurinhas alheias. Assim sendo, só posso fundamentar minhas queixas apelando para a proximidade do tal "inferno astral" que, diga-se de passagem, parece que será o mais infernal dos últimos tempos.

Acontecimentos sinistros estão me fazendo crer que o negócio é obedecer. "Acontecimentos sinistros" do naipe de ciganas querendo ler minha mão em pleno Centro da cidade; amiga marcando uma consulta para mim numa cartomante que é tiro e queda; Genitor insinuando que preciso ir numa rezadeira; minhas calças preferidas não cabendo mais em mim. Tudo muito, muito sinistro.

Então, ó, Universo, pode parar de conspirar, viu? De agora em diante serei a personificação da candura; um poço de calmaria e autocontrole; guardarei meu deboche, meu sarcasmo, minha ironia e minha habitual aversão a seres vivos para mim mesma. Sou até capaz de me arriscar a dizer, inclusive, que serei aquele tipo de pessoa que se joga numa poça de lama para que passem por cima dela, para que a pisoteiem, para que lhes digam o que bem entenderem - e o que é mais importante! -, sem reagir a nada.

[Não ria, Universo, este é um momento muito solene na minha vida. Faça-me o favor, ok?]

Enquanto não encontramos uma situação que me faça agir com tanto desapego, vamos modificando as coisas mais agressivas e diretas, que tal? Reparou, Universo? Desenhinho, doçura, cores calmas, tudo muito singelo, delicado... a minha cara, não é não? Repare, Universo, repare...

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

[Problemas]

Eu tenho esse problema de ser simpática quando não quero ser. De parecer gentil quando, na verdade, estou destilando veneno em porções desmedidas, beibe. Eu tenho esse problema de te deixar de pau duro quando passeio com minha língua pelos meus lábios ou quando olho na sua direção buscando, porém, alcançar a vitrine que se esconde atrás de você. Vestidos também são excitantes, sabia? Você sabe, cara, desse meu problema de triturar os palavrões para que eles saiam escorrendo como gozo, te deixando salivar. Saliva por saliva, posso lamber meu travesseiro. Ah, não me olhe desse jeito, vai. Eu também tenho esse problema de tropeçar em coraçõezinhos estrategicamente colocados no meu caminho, de chutar sem perceber - de vez em quando percebendo, é verdade - as frases gentis que me escrevem, de escapulir pelas diagonais, pela beirada da cama, pelo buraco da fechadura, mas também não é para tanto, não precisa me olhar desse jeito, porra, como se não houvesse amanhã. Tenho esse problema grave de estremecer quando suas mãos agarram minha cintura e de tentar alcançar as estrelas quando estou em cima de você. Em compensação, não sei o que fazer com o jeitoquedeusmedeu, jeito que às vezes muito me agrada e te agrada e agrada a gregos, troianos e macedônios, mas que em certos momentos me transborda e me escapa. Eu tenho esse problema de não gostar de gente e esse outro problema de atrair gente. Tenho estes e mais tantos outros problemas. A cada dia que passa descubro algo novo. Você acredita, beibe, que mandei uma pessoa pro inferno? Então, eu tenho esse problema de tentar minimizar as coisas - está certo que furacões, trovoadas e tempestades não podem ser minimizadas, mas vá lá, eu tento - e, quando penso que substituir vá se foder por vá pro inferno vai causar menos dor no coração alheio, as pessoas me surpreendem com um desolamento de dar dó. Tudo porque mandei pro inferno. Não tenho o direito de mandar alguém pro inferno, me diz? Eu tenho esse problema de ter todos os direitos do mundo porque... porque... ora, porque.... porque sim. Você discorda, beibe? Eu tenho esse problema de querer as coisas da minha maneira, de discordar de tudo e de me expor do avesso quando, na verdade, acabo cedendo aos calafrios. Porra, basta um calafrio. Tenho esse problema de ser uma serva dos calafrios ou da penugem arrepiada, mesmo quando sopro vendavais nas nossas mudanças de estação. Eu sou um problema, notou? Talvez você seja a solução, uma vez me disseram. Quem me disse? Esqueceu? Em todo o caso, no meio de tantos problemas, está vendo aquela porta ali, à esquerda? É a saída que te leva para longe desta personificação de problemas que eu sou. Mas é melhor ir sem olhar para trás. Afinal, eu também tenho esse problema de atrair problemas, você sabe.

sábado, 19 de setembro de 2009

[Apresentando]

Então a história começou assim:

Fui dar minha contribuição para o enriquecimento da moça gentil que cuida do meu cabelo bom. Cheguei de surpresa e, quando ela perguntou o que estava fazendo lá, se ia ser hidratação ou algo parecido, exclamei um que nada, hoje eu vim cortar, amiga; mete a tesoura nisso tudo e depois me mostra como ficou que, evidentemente, virou motivo de risos no recinto.

Queriam saber o que estava acontecendo comigo por que, ora bolas, desde quando virei fã de tesouras, certo? Perguntaram se era problema no trabalho; se alguém estava doente, excetuando a minha pessoa transtornada, claro; se algum cara era o responsável por aquilo; se eu tinha passado a usar drogas pesadas ou se queria mudar o visual para me prostituir com um novo corte de cabelo.

[Não, ninguém perguntou se era só uma vontade de mudar que havia aparecido do nada, não]

A moça gentil se recusou. Peguei a tesoura e disse que eu mesma ia fazer um estrago na frente dela, que seriam fios, sangue e lágrimas por tudo quanto era lugar. Ela não se moveu, mas começou a tecer argumentos contra aquela idéia agressiva da minha parte que, com certeza, me levaria ao arrependimento tão logo chegasse em casa e me olhasse no espelho outra vez.

Sua pobreza de argumentos a princípio me deixou consternada, depois aflita e, por fim, bastante irritada, a ponto de me fazer desistir de querer uma tesoura por perto e, ainda por cima - o que é bastante peculiar a esta que vos escreve -, me convencer disso utilizando meu próprio argumento. Brilhante, diga-se de passagem:

- Deixa isso pra lá, entendeu? Continue seu trabalho e faça de conta que nem me viu hoje. Não há condições mesmo de cometer uma loucura dessas! Onde é que já se viu? Como é que vão puxar meu cabelo do jeito que gostam enquanto estiverem me comendo de quatro se eu acabar com ele, não é verdade?

Pois é.

Um espetáculo de argumento, eu disse.

Salão lotado, sim.

Oi, esta sou eu.

Fim.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

[Mensagem II]

[Se você, pessoa de bem, honesta, trabalhadora, daquelas que preza por línguas inteligíveis e que não maltratam a visão, caiu sem querer neste blog - quem sabe à procura de alguma simpatia para os pés -, um aviso: existe alguém que, pela segunda vez, resolveu escrever um e-mail para mim]

de xxxxxxxxxxxx
para segundaintencao@gmail.com
data 09 de setembro de 2009 13:29
assunto ñ sei diser oi
enviado por gmail.com

P, q bom q gostou do mail q te mandei. axo q posso dizer q nasseu uma amizade ou qq koiza assim entre a gente, prq vc naum respondeu mais fez post. se vc diz q naum é fiquição td bem, vô acredita nisso prq amigos acreditão nos amigos.

keria saber qual o seu signo, P.

abrs.

***

Oi?

OI?

*respira*

1) Em primeiro lugar, caro vegetal - porque eu já perdi a esperança de estar lidando com um ser humano -, você não só não sabe dizer oi como também não sabe dizer nenhuma outra coisa, ok?

2) Não gosto de receber spam, mas recebo do mesmo jeito. Entendeu? Não, né?

3) Você sabe qual é minha cor preferida? Meu artista? Meu escritor? Você sabe qual é a posição sexual que mais gosto? E o meu prato preferido, sabe qual é? Você sabe como eu durmo? Qual meu palavrão predileto? Se fico presa num engarrafamento, você sabe qual é a primeira coisa que eu faço? Sabe que tipo de reação tenho quando recebo e-mails como os seus? Essas e outras coisas bobas que fazem com que um amigo reconheça o outro ainda que seja à distância ou com um simples olhar, você sabe do que se trata? Você entende a minha língua, vegetal?

4) Poderia dizer que não respondo a um e-mail por falta de tempo. Às vezes me falta o tempo mesmo. Noutras vezes, prefiro escrever um post sobre o conteúdo para que funcione como um alerta do tipo nãotenteseaproximardemimnuncamaisnasuavida. Com os seres humanos funciona...

5) Vô acredita? Jura? E pai, mãe, irmão e agregados também?

6) Sobre o meu signo, é imperdoável que você, como vegetal amigo, não saiba qual é, tá?

"O nativo de Escorpião é vingativo. Ao saber da infidelidade do parceiro, finge desinteresse. Mas na verdade, planeja revidar de uma forma mais eficiente, pois é bastante frio para armar uma situação parecida. Não acredite se ela lhe disser que tudo são águas passadas. Tem o beijo mais erótico e quente. Primeiro envolve a pessoa em sua magia, mistério e romantismo, depois dá o bote. A sensualidade é marca registrada em seus beijos.

A mulher de Escorpião tem uma beleza profunda, misteriosa. É atraente, orgulhosa e totalmente confiante. Esta perigosa mulher fatal pode ocultar o seu poder sob um sorriso trêmulo, modos gentis e a mais angelical das vozes. Ela é capaz de odiar amargamente e de amar com um total abandono. Tem uma certa intimidade que você jamais tocará, uma parte de sua mente e alma que pertence somente a ela e onde ninguém entra. Ela não é falsa; na maior parte das vezes é brutalmente sincera, mas haverá sempre aqueles pensamentos e sentimentos especiais que jamais confiará a você ou a quem quer que seja. O natural interesse dela pelo sexo oposto pode dar-lhe tanta razão para ter ciúmes dela quanto ela de você. Talvez ela seja um pouco perigosa, mas é inegavelmente excitante.

Personalidade: Indivíduo inteligente, criativo, persistente e que provoca um certo mistério a seu respeito. É, também, arredio, desconfiado e rancoroso; no entanto, sua marca fundamental é a coragem, mesmo que desconheça o equilíbrio e a moderação.

Virtudes: Criatividade através de reconstrução; dedicação e lealdade nas relações de amizade.

Defeitos: Egoísmo; tentativa de anular os outros; destrutividade total.

Ambiente: É adequado o mar, pois a água é um elemento da natureza para ser dominado. Montanhas também, desde que sejam íngremes e desafiadoras.

Atividades: Este nativo tem necessidade de desvendar coisas secretas, explorar o desconhecido e sondar o mistério. Competição não intimida o indivíduo deste signo, pois ele só se realiza quando consegue dominar os outros."

[Numa boa, vegetal: se eu fosse você, sairia correndo]

terça-feira, 8 de setembro de 2009

[A [P]rendada]

Lavo almas, passo emoções, cozinho destemperos, arrumo confusões, varro indesejáveis, ensino boas maneiras, uso meus neurônios, danço em cima de mesas, sento sobre, finjo santidade se necessário, trago a pessoa amada em poucos dias, encarno a depravada em ocasiões especiais, pinto sentimentos, costuro corações e bordo sonhos por encomenda.

[Não sei como não existe uma fila, sabe? Não dá para entender...]

terça-feira, 1 de setembro de 2009

[Despedidas]

Vem, anda. É agora que você aparece com as mãos nos bolsos e os lábios entreabertos quase deixando cair no chão de terra batida o estampido de um eu avisei com gosto de pólvora e vodka. Eu poderia tentar segurar as letras de um alfabeto incompleto e empurrá-las de volta para o céu da sua boca. Sim, eu poderia. Como naquela tarde em que você esperava alguma conjunção astral favorável para compor a música da sua vida e eu, distraída, tropecei nos degraus invisíveis do seu tórax nu e me deixei cair para dentro de você, lembra? Poderia sair engatinhando, catando minhas coisas, minha saliva, meus pensamentos, mas não, deixei tudo esparramado sobre você só para ter um motivo idiota que fosse para nos falarmos na fase seguinte da lua. E de fase em fase, depois de tantas mordidas em fronhas encharcadas de lágrimas, depois de tantos arranhões em discos repetidos, depois de tantos soluços sufocados no calor do meu sexo, é chegada a sua hora de me olhar na porra dos olhos e exclamar qualquer coisa que lhe dê a doce ilusão de que eu perco. Só que me perdi faz tempo. Eu me perdi em meio aos meus vômitos debaixo do chuveiro enquanto tentava acertar o ritmo da nossa canção, do mesmo jeito que meus desejos se perdiam com a água que levava tudo para o ralo: a minha voz rouca em meio ao barulho de buzinas e o meu tom seco em revide à sua impaciência, tudo, tudo para o ralo. Joguei para o fundo do meu armário de recordações todos os meus destemperos que, agora vejo, atrapalhavam suas pegadas e, mesmo não sendo o tipo de homem que gostasse de andar em linha reta, talvez você quisesse, uma vez que fosse, não precisar desviar dos meus lábios prostrados no meio do seu caminho. Seus desvios sempre terminavam em mim, aqui, bem dentro de mim. Então vem, anda. Estou esperando com a mesma calcinha que você queria guardar para si, com o mesmo perfume na minha nuca, com a mesma fome de quem come verbos intransitivos e escreve com batom vermelho metáforas no espelho embaçado do banheiro. Vem e não demora. Eu me ofereço à navalha que fez questão de afiar com seu melhor desdém só para te dar o gosto de se despejar em mim antes que eu desligue o telefone. E me desligue. Para sempre.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

[365]

Siga Aonde Vão Meus Pés completa, hoje, um ano de pegadas, surtos, desabafos, entrelinhas, venenos e boas intenções.

Reparamos - eu e meu cabelo universalmente tido como bom, eu e minha língua comprovadamente multiuso, eu e meus neurônios aparentemente em condições normais de temperatura e pressão, eu e meus botões desabotoados propositalmente - que meus pés estavam dormentes por estarem há tanto tempo na mesma posição.

Chegou a hora de um cruzar e descruzar de pernas...

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

["A Gente Não Quer Só Comida..."]

- Tia [P], você come?
- Como.
- Tudo?
- Aham.
- E quem você come todo?
- Quem? Não seria o que eu como?
- Não, tia [P]. Queria saber quem você come mesmo.
- ...
- Então você não é de nada.
- ...
- Diz que come mas não come ninguém.
- ...
- Peraí. Se não come, então você pode ser a comida???
- ...
- Mas se você é a comida, quem te come, tia [P]?
- De onde você tirou essas coisas?
- Escutei meu irmão falando que ia comer uma garota, só que a garota é muito feia, eu já vi a coitada. Então eu estava pensando que se você não estivesse comendo ninguém no momento e nem estivesse sendo comida, talvez meu irmão pudesse te comer.
- ...
- Depois que comesse a garota feia, tia [P].
- ...
- Já escutei meu irmão dizendo que você é sobremesa fina para ser comida primeiro com talheres e depois lambendo os beiços.
- ...
- E sobremesa a gente come depois do prato principal, né? Tomara que ele não tenha indigestão antes de chegar em você.
- ...
- Você gosta mesmo de talheres, tia [P]? Se precisar mesmo dos talheres, eu vou avisar, porque ele é desligado, você sabe.
- ...
- Tia [P], fala alguma coisa.
- ...
- Tia [P], por que ficou muda?

*Tia [P] pensando*

.

.

.

*Tia [P] pensando. Ainda. Tia [P] pensa demais, quase sempre. Coisa lastimável.

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.

.

*Tia [P] fazendo esforço para sair do estado de choque*

.

.

.

- Olha, algo me diz que faltam talher, beiço e talento para lidar com especiarias ao seu irmão, tá? E agora é a hora em que você some da minha frente, querida...

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

[Wonderland]

Ver meus parentes confabulando sobre minha idade é uma das coisas que mais me dão prazer nesta vida. Chocolate. Língua. Sorvete de morango. Divagações dos meus parentes sobre minha idade. Smooth. Cinco coisas que deixam a [P] em estado de graça, anote aí.

- Com quantos anos a [P] deve estar agora? - meu tio pergunta, como se não nos víssemos desde nossas últimas encarnações.
- Ah, ela deve estar com vinte e cinco, vinte e seis - responde minha madrinha.

[Veja bem: minha m.a.d.r.i.n.h.a não sabe a minha real idade, coisa mais meiga]

- Não, não... A [P] foi dama de honra do nosso casamento com quatro anos, não foi? Não temos quase isso de casados? - rebate meu tio.
- É mesmo!
- Então ela deve ter uns vinte e um, vinte e dois...

E é neste momento que eu apareço, interrompo a conversa e digo que está ótimo, que concordo com eles, só posso ter isso mesmo, nada mais nada menos e que fechamos em vinte e dois numa boa.

Como recompensa por ser uma boa menina e não questionar a minha verdadeira idade, Madrinha abre sua bolsa, diz que esteve num lugar onde se vendem roupas íntimas de qualidade a preços baixos e que, ora, havia lembrado de mim. Pensei comigo mesma se devia abrir o presente na frente de todos, porque não sou muito ortodoxa com relação a certas coisas e se de repente ela tivesse notado o meu gosto para coisas não muito ortodoxas, não é verdade?

Depois da insistência, abri, confundi a peça com um short e respondi que era tão... tão... tão... grande, para espanto geral dos que viam a imagem de mocinha pudica se desmanchar antes da partida de futebol que os homens da família tanto haviam se esmerado em organizar. Eu me senti mal, né? Estraguei o espírito animado de todos antes mesmo do jogo começar. Como os homens da família que até então me desenhavam envolta em nuvenzinhas celestiais trajando um vestidinho de motivos florais iriam se concentrar e correr atrás da bola direito, não? Tentei consertar dizendo que ainda bem que tem aquele wonderland escrito na calcinha, porque se não fosse aquilo eu não teria como usar, mas aquele wonderland é t.u.d.o., que sempre desejei sair com uma calcinha onde se lê wonderland, que isso deve dar uma sensação descomunal de prazer àquele que for deslizar suas mãos pela minhas pernas e dar de cara com um wonderland cobrindo minhas partes íntimas e blabláblá.

[É excelente a aptidão que manifesto ao tentar consertar minhas próprias confusões, reparemos bem]

Eles entenderam. Todos entenderam. Todos menos eu, que me pergunto como, céus, como faço parte desta família? Mas meu tio ficou feliz por ser bom em Matemática, Madrinha ficou feliz porque elogiei a calcinha wonderland, eu fiquei feliz por mais uma encenação de êxito na minha vida, as vendedoras ficam felizes por ganharem comissão sobre os vestidos que meus vinte e dois anos me permitem usar e os meninos ficam felizes por me verem rindo das suas abordagens estapafúrdias. Um mundo feliz ao meu redor, no final das contas...

terça-feira, 4 de agosto de 2009

[Escândalo]

Escandalizei geral.

Quando todos esperavam que eu berrasse imprompérios a esmo, xingasse ao extremo, quebrasse o vidro de alguma janela com uma mão raivosa, pisasse na pata de algum gato distraído só pelo prazer de ganhar cinco doses de vacina, adotasse a clausura e a escuridão do meu eu intrínseco como meu mais novo lar, gastasse o dinheiro que tenho e que não tenho com roupas feitas somente para mim e cujas etiquetas trazem escrito o meu lindo nome, bebesse baldes de álcool sozinha ou acompanhada, escrevesse tratados extensos sobre como os homens são ou deixam de ser, sobre como eles agem ou deixam de agir, sobre como eles desejam e batem cabeça tentando fazer da forma que julgam ser a mais correta, sobre como eles te pegam, te jogam na parede ou sobre uma cama, te chamam de lagartixa e fazem de você uma lagartixa às vezes feliz, às vezes infeliz...

Eu vou lá e escandalizo bonito.

Entro numa loja grande, me perco no meio das possibilidades diante dos meus olhos, escolho algumas coisas e saio de lá com toalhas, linhas, rendas, fitas, revistas e mostro a todos, extasiada, o tipo de letra que escolhi e as cores das linhas que usarei para bordar meu nome naquele pedaço de pano que vai secar meu corpo nu, em breve. Dá até vontade de mostrar. A toalha, não meu corpo nu. Quase tenho um orgasmo de satisfação, precisa ver!

Agora passo o tempo extra de férias que ganhei me dedicando totalmente ao meu ócio produtivo, em poses cândidas e pensamentos absortos. Virei praticamente uma pintura de mulher inocente e seu bordadinho singelo, realize a cena.

As pessoas não me entendem. Acham que há alguma coisa errada comigo, que tudo bem que sou prendada e tal, mas que não é assim, está errado, onde estão as reações desconexas em cadeia, os rompantes e as atitudes que me fazem ser tão eu? Bando de insensíveis, viu?

segunda-feira, 27 de julho de 2009

[Lenda]

Reza a lenda que as três estavam apenas pensando em tomar um porre de Coca Zero enquanto conversariam sobre suas respectivas fossas num lugar qualquer que não exista o pensamento em você lugar que não lembrasse nenhum dos três respectivos causadores das tais fossas. Aparentemente um garçom pessimamente intencionado colocou algum ingrediente do capeta nos copos, talvez pensando na vã tentativa de ver uma, ou duas, ou as três, subindo em cima das mesas ao som de uma música qualquer enquanto dissertavam sobre suas relações, né? Tolinho, tsc! Se era para discutir fossas, fossas seriam discutidas em meio a retoques de batons, quase choros e revelações bombásticas, nada mais do que isso. A não ser o tal ingrediente do capeta nos copos, claro.

Ainda segundo a lenda, as três resolveram tomar um táxi, após terem combinado que uma ficaria pelo caminho e as outras duas iriam juntas para o mesmo destino. União é tudo nessas horas, pessoas. Quando foi informado sobre o destino final, o taxista disse que teriam que explicá-lo como chegar até lá porque ele não saberia fazer aquilo sozinho. De acordo com a misteriosa lenda, foi então que uma delas se irritou profundamente e começou a interagir com a pobre criatura - coisa que, inclusive, ela nem sequer sabe fazer direito, muito menos fragilizada por uma fossa. Começou falando que onde já se viu aquilo, imagine se ela poderia se dar ao luxo de dizer, no trabalho, que teriam que ajudá-la, pois não ia saber fazer tudo sozinha? Não, não poderia. Então quem aquele sujeito pensava que era para obrigá-las a pensar, depois do tanto que já haviam pensado juntas, e se tinham escolhido um táxi justamente para evitarem toda aquela tensão que é estar num ônibus vigiando o local onde se deve descer? Que era um absurdo quase tão grande quanto o ato que desencadeou sua fossa aquele ser não ter notado o seu estado lastimável e, provavelmente, o seu batom borrado, o esmalte descascado, o fio puxado da sua meia-calça, preocupando-se em ir logo dizendo que não sabia fazer seu trabalho direito. Ameaçou contar sua história, o tempo que antecedeu a pouca luz e os sussurros velados, assim como os altos e baixos da mais sinuosa espera da sua vida. Por fim, terminou seu monólogo com um mas que porra, né? se eu soubesse como chegar ao meu destino sozinha não estaria dividindo o ar que eu respiro com um ser humano insensível como o senhor!

E foi aí que ele chegou às lágrimas. Sinceramente, ela não lembra das lágrimas. Estava tão empenhada em interagir com a criatura que só conseguia olhar para o seu próprio umbigo, mas lembra bem que as lágrimas não eram suas, pois estas secaram, você entende? Então pode ser que ele realmente tenha chorado, conforme diz a lenda.

[Adivinha qual das três foi a mulher que atiçou a veia sensível de um taxista numa noite gelada de inverno?]

[P], arrancando lágrimas de trabalhadores honestos desde milnovecentosealgumacoisa.

[Juro que não queria, tá? Maldita Coca Zero...]

sexta-feira, 24 de julho de 2009

[...]

Despedaçaram minha auto-estima e fizeram com que os cacos do que um dia eu fui caminhassem lentamente para a lata de lixo mais próxima. Não sei mais quem sou, o que sou, por onde andam meus pés, do que sou capaz e nem mesmo se sou capaz de algo.

Escrever, inclusive, está entre as cinco mais que, hoje, eu menos sei fazer.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

[Mensagem]

de xxxxxxxxxxxx
para segundaintencao@gmail.com
data 13 de julho de 2009 20:45
assunto seus textos
enviado por gmail.com

P, tava tentando saber como começar o mail pra vc, prq o q kero dizer é muito simples. eu axo q as coisas q vc escreve nos seus textos é pura invensão, tudo coisas da sua kbeça, ñ é posivel q acontesa de verdade.

leio seu blog à tempo e me amarro no seu jeito de escrever, mais axo que ñ pasa de fiquição. seder, responde meu mail, só pra ver se vc é real msm.

abrs.

***

O que é isso, não, pessoas? Será que é agora que devo me sentir famosa, hein, Roteiristas da Televisa? Já estou começando a receber e-mail que me leva a crer na existência de um público cativo, e não só isso - esta parte não é engraçada, preciso confessar -, mas aparentemente minhas maluquices encontram eco entre criaturas que escrevem, dentre outras coisas, invensão.

Cara pessoa que não me permitiu qualquer tipo de identificação no seu singelo e-mail, fiquei tentada a responder-lhe, indicando uma colega de trabalho que poderia dar um jeito nessa língua estranha que supostamente você acha que seja o Português. Sabe como é esta minha mania de boa samaritana, de querer ajudar ao próximo e blábláblá, não sabe? Claro que sabe, se você me lê há tanto tempo, sabe dessas e outras coisas. Porém, talvez você tenha razão. Sou qualquer coisa que às vezes acorda com o cabelo revoltado, que inventa subordinados e respostas que nunca existiram de fato e que não deve ter mais nada para fazer na vida além de passar o tempo imaginando histórias que só acontecem na própria cabeça.

Adiantaria se eu escrevesse que a tal mocinha do post anterior, num exame crítico de consciência, exclamou um credo, isso de matar a professora foi meio pesado, né? quando recebeu a avaliação e viu que eu havia dado certo naquela questão? Sabe como sou, não sabe, criatura? Assino embaixo quando pegam pesado comigo. Concordo quando dizem que a culpa é sempre minha. Agradeço por me mostrarem meus sucessivos erros. Sorrio quando a dor está me torturando, sempre pensando no próximo. Por isso, mesmo sabendo que corro o risco de ser alvo dos hormônios adolescentes, dei certo. Era a opinião dela, fazer o que? Não acredita nisso também? Então te dedico mais este delírio da minha fértil imaginação, ok? Eu não sou real, não, pessoas. Ponto para quem escreve fiquição.

Estou pensando em algo do tipo "Por que eu deveria conhecer a [P] e passar algumas horas com ela?", que tal? A resposta mais criativa, seja sob efeito alcoólico ou não, poderia receber um e-mail autografado, olha para isso!

[Todos poderiam participar. Todos menos você, ser humano do e-mail confuso. É que, sabe, não quero sequer cogitar a possibilidade de lhe causar algum incômodo, caso me visse chegando próximo a você, numa comprovação explícita de que até eu, ora, até alguém como eu pode realmente existir. Nada pessoal, tá?]

sexta-feira, 10 de julho de 2009

[Aviso]

[Então já sabem, né? Se eu sumir repentinamente, não pensem bobagens. Não fui abduzida, não fiquei milionária, não virei atriz pornô e não decidi viajar pelo mundo dançando em cima das mesas. Fui vítima do instinto agressivo de uma subordinada de treze anos, que até ontem me enganava direitinho, com um rostinho angelical, beijinhos na hora da saída e cartinhas cheias de declarações de amor...]

quinta-feira, 2 de julho de 2009

[Dos Desapegos]

Genitor vendeu meu possante.

[Isso aí. Genitor vendeu o M.E.U possante]

Há muito tempo atrás comentei que estava pensando em trocar de carro e ele pareceu nem sequer ter me ouvido. Ao que tudo indica, estava esperando para ver o tamanho do estrago que eu seria capaz de fazer no veículo depois de uma batida com um caminhão para poder avaliar a relação custo-benefício da coisa toda. E daí que eu poderia ter rolado precipício abaixo, embaraçado todo o meu cabelo, rasgado a minha roupa e perdido litros de sangue, não é verdade? Só detalhes. Após virar uma empobrecida durante dois meses por conta de todo o conserto do carro, suspirei aliviada ao ouvir Genitor dizer que ficou perfeito, ninguém diria que você bateu daquele jeito, minha filha, a não ser eu, claro. Claro, claro. Genitor respira e transpira conhecimentos sobre automóveis. E modéstia também, notou? Não estou reclamando, veja bem. Até porque o fato dele conhecer meio mundo no ramo foi decisivo para que eu não falisse de vez. Acontece que, agora entendo, tudo devia fazer parte do seu plano mirabolante para vender Ernesto Gabriel.

[Ernesto Gabriel, o possante da P.]

Sabe o que é pior? Genitor vendeu por um preço que, sinceramente, não posso reclamar. Acho que se ele quisesse vender minha alma - já que, aparentemente, o que ele gosta mesmo é de vender m.i.n.h.a.s coisas -, encontraria comprador. Você compraria minha alma, não compraria? Enfim. Agora ele está empolgado e me perturba sem tréguas, querendo saber modelo, cor e ano de minha preferência. Alguém precisa dar uma ocupação para Genitor urgentemente, para que ele abandone essa idéia de que vou substituir Ernesto Gabriel assim, de uma hora para outra, e que vou ficar bem. Preciso de um tempo, preciso vivenciar a minha perda, preciso de preparação para encarar o fato de que outras pessoas vão sentar, deitar e procriar no meu possante. Eu preciso disso.

[Necessito esclarecer que passo horas abraçada a Ernesto Gabriel, dia e noite, noite e dia? Preciso me aprofundar no fato de que já pensei em dormir dentro do veículo na derradeira noite em que habitaremos o mesmo lugar pela última vez? E que falo o tempo todo sobre a difícil arte de se desapegar no meio do expediente? Não? Obrigada]

domingo, 28 de junho de 2009

[Lá Vem A Noiva...]

Quando me comunicaram que um bando de adolescentes estava disposto a se organizar em prol de uma festa julina, com o objetivo de arrecadar fundos para a formatura no final do ano, achei muita graça. Quando os próprios adolescentes me procuraram para perguntar se, assim como outros colegas, eu aceitaria participar do evento, achei mais graça ainda, por perceber que o grupo de hormônios ululantes estava m.e.s.m.o se vendo em condições de organizar uma festa, independente de qual fosse. Não era uma questão de duvidar que adolescentes consigam se organizar de maneira eficaz. Era questão de duvidar que os m.e.u.s adolescentes, aqueles com os quais convivo quase diariamente, fossem capazes disso. Mas então achei graça e, num acesso de bondade extrema, disse que seria o máximo participar da festa julina a ser organizada por eles, que me dedicaria com todo o meu fervor aos ensaios e daria tudo de mim na tarefa de encarnar a parte masculina já que, desde que me conheço como ser humano, sempre me escalavam para ser a noiva da história. Discursei emocionada sobre meu trauma por ter encarnado os mesmos papéis a vida inteira enquanto meninos e meninas diziam apenas que isso a gente vê depois, tá ligada? vamo pôr aí o nome da [P] antes que ela desista, mano.

Faz alguns dias que os organizadores vieram me procurar para falar sobre o começo dos ensaios. Aproveitei para perguntar quem seria o sujeito que encarnaria o meu par feminino no evento. Foi então - e somente então - que tomei conhecimento de uma pesquisa de opinião efetuada em todo o estabelecimento de ensino para saber, dentre outras coisas, quem seria a mais votada para ser a noiva. Eles me mostraram uns papéis que derrotaram minha teoria sobre a incapacidade do m.e.u grupo de adolescentes de se organizar eficazmente. Uns papéis que traziam gráficos, porcentagens e outras coisas malignas que não me davam chances de questionamentos. Vendo que mais uma vez o meu plano de encarnar o padre que fosse, sabe?, já tinha sido devidamente frustrado mas que, ao mesmo tempo, havia dado minha palavra de que participaria do evento, amarrei minha melhor cara de insatisfeita e ia me preparando para ir embora, quando vieram atrás de mim.

- Calmaê, [P], onde cê vai? Não pegou ainda o modelo da sua roupa.

[Sim, claro! Onde estava com a cabeça? Ainda havia um modelo de roupa???]

Uns recortes de revistas, onde o que variava era a cor, mas o modelo era igual. De acordo com a tal pesquisa de opinião, a noiva moderninha vai vestida de espartilho, cinta-liga, meia-calça e, não duvido nada, imaginam que qualquer coisa bem pequena fazendo o papel de uma calcinha.

- O que significa isso?
- Pode escolher a cor, não se preocupa, falou?
- Vocês perderam o medo da reprovação?
- A gente supera o zero, sacou? É uma chance única!
- E eu poderia saber o porquê de eu ter que usar isso?
- É pra facilitar os trâmites burocráticos da lua-de-mel, tá ligada?

["Trâmites burocráticos"? Se eu lesse isso numa avaliação choraria compulsivamente, tamanho seria meu espanto. Mas, né? Eles preferem me surpreender, claro. E eu reclamando que antigamente encarnava sempre uma noiva tradicional. E vestida]

terça-feira, 23 de junho de 2009

[Piedade]

Então fui na festa de um aninho da filha de Afilhado. Coisa mais linda. O Afilhado. E a filha também, lógico. Estou numa fase da vida em que tudo parece ter prazo de validade. Com as festas infantis não é diferente, o que significa que depois de uma hora de músicas e guloseimas todo o meu ser implora por algo mais adulto no ambiente, ou então para que eu tome o rumo de casa. Mas era a filha de Afilhado e me senti obrigada a ir. Uma obrigação minha comigo mesma; afinal, fui a pessoa que preparou a primeira mamadeira que ele tomou na vida, foi das minhas mãos que ele ganhou a primeira chupeta e fui a primeira a pegá-lo no colo quando chorava, tirando-o do berço pouco depois de ter chegado da maternidade. Afilhado foi o boneco vivo das minhas brincadeiras de casinha quando eu tinha oito anos de idade durante um mês, período em que ficou afastado da minha tia por motivos de força maior. Lembro como se fosse hoje daquela trouxinha minúscula sendo carregada pela mãe e, pouco depois, uma correria sem fim porque alguma coisa estava errada com ela. Foi assim que pararam um carro no meio da rua, entramos apressadamente e, embora eu não entendesse muito bem o que estava acontecendo, sabia que tinha que segurar Afilhado bem firme. Segura ele direito, não afasta seu corpo do dele, alguém disse. Eu segurava Afilhado enquanto seguravam minha tia que, por sua vez, segurava sua barriga com uma operação se abrindo. Altas emoções para os meus oito anos de idade.

Quando tudo se acalmou e minha tia voltou para casa, confessei que, ao mesmo tempo em que preparava as mamadeiras, colocava na mão uma colher razoavelmente cheia de leite em pó e comia extasiada o alimento de alguma solitária que talvez fizesse moradia dentro de mim. Também confessei que dava banho nele escondido, já que não confiavam na minha capacidade de logística para segurar um recém-nascido num braço só enquanto ensaboava todas as suas dobrinhas. Mesmo assim, acharam que eu merecia alguma coisa, de modo que não batizei, mas consagrei meu boneco vivo e ensinei-o a me chamar de dinda, não imaginando que quando alcançasse um metro e oitenta e cinco de altura ele continuaria a fazer isso comigo, claro.

Na noite da festa da filha de Afilhado fazia frio. No planeta onde vivo, quando está frio, é comum as pessoas de bom senso utilizarem qualquer tipo de agasalho, mas o mesmo não deve acontecer na galáxia onde vivem os familiares da esposa de Afilhado. Aliás, ela é um caso à parte: muito parecida comigo no quesito não estou nem aí para o que pensem sobre meu jeito, minhas atitudes, o que falo, o que penso, a cor do meu esmalte ou minhas posições sexuais preferidas. Tão parecida que percebi logo que não poderíamos ser amigas, como sou da esposa de Primo Pastor. Não podemos ocupar o mesmo espaço. Não dá, é inviável, e isto ficou claro quando ela me viu copiando um trecho de um livro que tinha acabado de ler e me direcionou um certo ar esnobe depois de perguntar de quem eram as palavras e eu ter respondido que eram do Caio. Se eu falo Caio, suponho que você saiba a qual Caio estou me referindo. Esposa de Afilhado riu, perguntou em que mundo eu vivia por estar lendo um desconhecido ao invés de ouvir Mc Sapão. Onde Afilhado encontrou esta sua esposa é um dos mistérios da humanidade, na minha humilde opinião.

Enquanto eu me encolhia cada vez mais no meu mundo paralelo, ela e suas amigas, primas, irmãs, tias, sobrinhas e agregadas desfilavam pelo salão exibindo seus corpos em pedaços de pano de um palmo que fingiam ser saias. Carnes expostas, sabe? Quando começaram a servir coisas alcoólicas eu pensei comigo mesma que só faltava um funk para a desgraça ser completa. Quem mandou pensar, não é verdade? Tinha esquecido da força do meu pensamento. Já sabe, se quiser que eu mentalize o homem dos seus sonhos ou o emprego da sua vida é só dizer, ok? Comentei que se colocassem a aniversariante para dançar eu ia juntar minhas jujubas, meus brigadeiros, levantar e ir embora. Colocaram a menina para dançar no meio do povo. Juntei meus doces, levantei e Afilhado lembrou que, ora, eu ainda não tinha sido filmada junto deles e nem posado para fotos. Eu sei, não precisava ir. Podia alegar dor de cabeça ou maquiagem borrada mas, puxa, era Afilhado, o das mamadeiras, dos choros, da chupeta, dos sorrisos, do par de olhos azuizinhos me olhando enquanto eu cantava cantigas de ninar. Todo um apelo sentimental estampado naquele sujeito segurando a menina pela mão.

Quando a sessão de caras e bocas terminou e eu voltava para o meu mundo, uma delas veio em minha direção e falou um monte de coisas bonitas, em nome de todas elas, assim disse. Perguntou quem eu achava que era para levantar do meu canto e ir aparecendo mais do que todas, e que se fosse por causa do meu figurino, era para eu ficar sabendo que vestido, meia-calça e botas é coisa de mulher antipática que gosta de aparecer. Acrescentou que elas poderiam ter quem quisessem e que duvidavam que eu soubesse dançar como elas. Concluiu dizendo que devo ser mais insuportável ainda porque meu cabelo é bom. Estava vendo a hora de ser desafiada a dançar na frente de todo mundo e entrar em desespero porque provavelmente não iam arrumar mesa apropriada e nem minha trilha sonora preferida, quando Afilhado se aproximou e perguntou o que estava acontecendo. Respondi que não era nada, que aquela mocinha queria ouvir de mim algumas palavras e que eu tinha pensado nas seguintes:

"Então sonhou que deslizava suavemente, como se usasse patins, sobre uma superfície dourada e luminosa. Não sabia ao certo se um dos anéis de Saturno ou uma das luas de Júpiter. Talvez Titã."

Falei cada palavra pausadamente enquanto olhava no fundo dos seus olhos vermelhos. Adivinhei uma indagação do tipo mas que porra é essa que a antipática disse? e me antecipei ao som estridente da sua voz, explicando que era Caio. Pergunte a ela - e apontei para a esposa tresloucada de Afilhado -, talvez ela tenha descoberto de quem se trata. Virei as costas. Caio se orgulharia.

Esperei o apagar das luzes e o parabéns pra você, juntei meu casaco, meus doces, joguei meu cabelo bom para o outro lado e saí antes que a Terceira Guerra Mundial explodisse. Porque, sabe, nenhuma maçã do amor valeria tamanho sacrifício da minha parte...

terça-feira, 16 de junho de 2009

[Dona C.]

Dona C. é a típica senhora simpática que me ajuda nos afazeres domésticos e faz o que pode e o que não deve para me encher de mimos, alegando que sou a filha que ela não teve. Até bem pouco tempo atrás dizia que, se não sou filha de verdade, bem que poderia me atrever a ser a nora-que-ela-tanto-pede-aos-céus. Dona C. pariu três filhos, todos maiores de idade, todos com pós-graduações, empregos estáveis, vidas relativamente estruturadas e livres de qualquer tipo de vício, amém, como ela costuma dizer.

Uma vez Dona C. queria me mostrar uma foto recente que os três tiraram juntos. Mas eu sou esperta, né? Deus-me-livre de ver uma foto de qualquer um dos filhos de Dona C. Vai que não estou preparada, não é mesmo? Inventei desculpas plausíveis e argumentos imbatíveis, de modo que ela guardou a foto na bolsa diante da minha resistência. Expliquei que o mais novo é novo demais, que o mais velho é, bem, velho demais e que o do meio é do meio demais - imbatíveis, como podemos ver - e que, por causa disso, não valia a pena vê-los nem em foto, mesmo com a alegação de que nem o mais novo titubearia ao ter que resolver entre uma debilóide de dezessete anos e eu.

[Sim, eu divido certas coisas profundas da minha alma com Dona C.]

"Não estou preparada para lidar com os homens da vossa estirpe, Dona C.; eu não saberia onde enfiar as mãos ou o que fazer com minha língua", expliquei. Ela tentou retrucar, alegando que mãos combinam com zíper e que língua combina com zíper também e eu não me atreveria a tentar entender o raciocínio da Dona C., é óbvio. Além disso, parece que o mais novo tem a cabeça que o mais velho devia ter, que o mais velho tem a aparência que o mais novo queria ter e que o do meio deve ter o pênis que os irmãos adorariam possuir, segundo o pensamento dela.

[Discrição, esta palavra desconhecida do vocabulário de Dona C.]

Outro dia ela estava na sala e eu cheguei, assim, como direi... alterada da rua. Bem alterada, para ser mais exata. Problemas mal resolvidos por causa de incompetência alheia, basicamente. E eu tinha que trabalhar mais ainda, não é? Claro, porque chego do trabalho e o que me espera é mais trabalho. Não é assim com você, não? Que estranho... Enfim, eis que no meio de uma papelada qualquer encontro um recado malcriado que me deixa mais descompensada ainda. Daí explodo, sabe? Mais forte do que eu. Bora explodir junto comigo? Explodi em forma de três palavrões berrados seguidamente numa entonação atropelada e cheia de emoção enquanto rasgava não só o tal papel com o recado, mas outras coisas que não deviam ser rasgadas e que só percebi depois, evidentemente.

[Desequilíbrio: coadjuvante que contracena comigo nas cenas mais dramáticas que a Televisa me obriga a vivenciar]

Só depois dos estilhaços espalhados pelo chão é que me lembro de Dona C. que, a esta altura, é uma estátua simpática diante dos meus olhos. Não sabia se olhava para o chão, ia para o banho, assumia minha perturbação de cara lavada, comprava o seu silêncio com uma de minhas calcinhas que ela tanto elogia, ou tomava o rumo da rua, como se nada tivesse acontecido. Foi quando ela respondeu meus pensamentos sem que eu tivesse formulado a pergunta e disse "imagine se um ser humano como a senhora não teria estes momentos de provas na vida, dona [P]! Mesmo POSSUÍDA, a senhora continua fina, um primor. Tenho certeza que meus filhos precisam é de uma mulher assim, do tipo que INCORPORA A LOUCA e vira a mesa num restaurante lotado, sem descer do salto".

[Agora me diz: tem como não amar uma mulher assim? Alguém manda esta criatura parar, viu?]

sábado, 6 de junho de 2009

[Perdida]

Perdi uma aposta aí. Coisa séria. Sobre as possibilidades de pagamento, posso escolher entre:

(A) Deixar escapar assim, sem querer querendo, o endereço do blog para o pessoal do trabalho - o que significaria perder o emprego e uma parte considerável do dinheiro que mantém as portas dos meus armários quase explodindo de felicidade por não conseguirem arranjar mais espaço para roupas, bolsas e calçados.

(B) Mostrar meu rosto numa postagem, já que não sou um delírio febril ou um surto de imaginação fértil, e possuo um rosto. Ah, e também não sou homem, só para constar.

(C) Liberar o videozinho caseiro comprometedor que venho produzindo às escondidas, porque nem mesmo minha própria alma suportaria o baque de me ver tão à vontade ao som de Smooth.

(D) N.D.A. Simplesmente cruzar os braços e não pagar aposta perdida coisa nenhuma, passando a ser apontada como aquela que não tem palavra, que não honra seus compromissos, que não é confiável e que não deve existir mesmo, no final das contas.

Detesto perder, ainda que seja uma aposta que tenha começado como brincadeira. Pelo menos posso rasurar este post à vontade, ou fingir que ele nem existiu e que nem tornei pública a minha inocência ao apostar no que não devia...

terça-feira, 2 de junho de 2009

[Adrenalina]

Das coisas que me fazem crer que o meu trabalho é adrenalina pura:

A.
É o típico príncipe encantado, fisicamente falando. Ah, aquele cabelo loiro, ah, aqueles olhos azuis da cor do mar, ah, aquela boca imunda... A. se sente O cara, mas toda a sua realeza desce ao nível do pântano e ele mostra o verdadeiro sapo de dezessete anos que é escondido debaixo da capa dourada quando abre a boca para reclamar que sempre é expulso injustamente, que Diretor pega muito no pé dele e que um colega, de Matemática, é outro viadinho que adora tirar ele de sala à toa. Assim, nestes termos. Mundo injusto, o dos contos de fadas em que A. vive e onde acha que pode fazer e acontecer. Pobre A., pobrezinho.

D.
Ele tem uma banda, vinte e dois anos de uma quase total timidez, toca guitarra e é dono de uma educação que destoa gritantemente dos demais. Ultimamente, por precisar de uma quantia considerável para comprar um amplificador, anda dizendo que está vendendo até o corpo. Numa escala feita por ele mesmo, o valor do seu corpo variaria de acordo com a parceira. Eu, por exemplo, pagaria o valor simbólico de um real, só para não me sentir ofendida por ter usufruído dos seus préstimos gratuitamente. Um primor, D., não fosse o fato de estar interessado na moçoila que vem com letreiro em neón sobre sua verdadeira vocação nesta encarnação e que não lhe dá a mínima porque, ora, ele é certinho demais. Eu também achava, eu também achava. Até a hora em que os olhos verdes dele brilharam quando insinuou que me amarrar em algum lugar seria uma maneira interessante de ir juntando o dinheiro para comprar o amplificador, de um real em um real.

M.
Vinte e poucos anos, dez deles passados em seguidas repetências, mãe de dois filhos, marido presidiário. Numa ocasião, em meio a um monte de oficinas sobre drogas e doenças sexualmente transmissíveis, M. deu um show. Explicou como se faz o crack, com informações pormenorizadas sobre a porcentagem de cada item necessário na fabricação da droga, inclusive. Também nos forneceu dados sobre outras drogas, indicou os lugares mais acessíveis e menos perigosos para conseguirmos o que quer que desejássemos, citou preços, horários apropriados e terminou sua explanação reclamando de uma visita que fez a um museu, quando precisou ser revistada. Sorria enquanto explicava que, se ela quisesse, esconderia o que fosse e ninguém ia saber, pois suas visitas ao presídio estimularam sua esperteza. A contradição nisso tudo é que M. é ótima, participa, é educada, não cria atritos e não ofende ninguém. Ela vai conseguindo boas notas até agosto, setembro, quando desaparece para só dar o ar da graça no ano seguinte. Parece que precisa estar matriculada, por questão de segurança. O emprego dela exige isto. Sabe quando M. vai nos deixar em paz? É, nunquinha.

F.
Exala Testosterona por todos os seus poros. Sua última façanha, até então mantida em sigilo pela Direção, foi engravidar uma ficante com quem saía esporadicamente. Até aí tudo bem; afinal, tão comum engravidar uma qualquer com quem você transou depois de uma bebedeira qualquer numa noite qualquer, não é mesmo? Tão inteligente, tão perspicaz, isso é tão, tão... Testosterona, não? Daí que em certa ocasião F. estava me esperando na rua. Perguntou se eu já estava sabendo o que ele tinha feito e se estava feliz com isso. O que a gente responde numa hora dessas, né? Mas o mais legal foi ter ouvido que a culpa era minha, claro. E que ele tinha escolhido a rua porque lá eu não ia poder fazer uso de nenhuma expulsão. Muito digno, muito mesmo. Acrescentou que só transou com uma estranha sem qualquer tipo de prevenção porque não ia conseguir trepar com a intocável da [P] mesmo e, antes de virar as costas, encerrou o monólogo com um se eu fosse você, morreria de culpa.

Assim, numa boa, eu precisava mesmo de mais uma culpa no meu currículo. Eu já me sentia culpada pelas expulsões, pelo alto preço de um amplificador, pela falta de noção do ridículo que a moçoila com letreiro em neón faz questão de exibir, pelo preço oscilante das drogas, puxa. Agora também me sinto culpada por uma foda qualquer cujo fruto virá ao mundo em seis meses. Só estou com dúvida sobre como prosseguir daqui por diante: continuo carregando todas as culpas do mundo ou saio dando? Dando menos expulsões, dinheiro para quem precisar, noções de etiqueta e comportamento para as perdidinhas?

[Não posso trabalhar à distância, não? É adrenalina demais para o meu gosto...]