terça-feira, 16 de junho de 2009

[Dona C.]

Dona C. é a típica senhora simpática que me ajuda nos afazeres domésticos e faz o que pode e o que não deve para me encher de mimos, alegando que sou a filha que ela não teve. Até bem pouco tempo atrás dizia que, se não sou filha de verdade, bem que poderia me atrever a ser a nora-que-ela-tanto-pede-aos-céus. Dona C. pariu três filhos, todos maiores de idade, todos com pós-graduações, empregos estáveis, vidas relativamente estruturadas e livres de qualquer tipo de vício, amém, como ela costuma dizer.

Uma vez Dona C. queria me mostrar uma foto recente que os três tiraram juntos. Mas eu sou esperta, né? Deus-me-livre de ver uma foto de qualquer um dos filhos de Dona C. Vai que não estou preparada, não é mesmo? Inventei desculpas plausíveis e argumentos imbatíveis, de modo que ela guardou a foto na bolsa diante da minha resistência. Expliquei que o mais novo é novo demais, que o mais velho é, bem, velho demais e que o do meio é do meio demais - imbatíveis, como podemos ver - e que, por causa disso, não valia a pena vê-los nem em foto, mesmo com a alegação de que nem o mais novo titubearia ao ter que resolver entre uma debilóide de dezessete anos e eu.

[Sim, eu divido certas coisas profundas da minha alma com Dona C.]

"Não estou preparada para lidar com os homens da vossa estirpe, Dona C.; eu não saberia onde enfiar as mãos ou o que fazer com minha língua", expliquei. Ela tentou retrucar, alegando que mãos combinam com zíper e que língua combina com zíper também e eu não me atreveria a tentar entender o raciocínio da Dona C., é óbvio. Além disso, parece que o mais novo tem a cabeça que o mais velho devia ter, que o mais velho tem a aparência que o mais novo queria ter e que o do meio deve ter o pênis que os irmãos adorariam possuir, segundo o pensamento dela.

[Discrição, esta palavra desconhecida do vocabulário de Dona C.]

Outro dia ela estava na sala e eu cheguei, assim, como direi... alterada da rua. Bem alterada, para ser mais exata. Problemas mal resolvidos por causa de incompetência alheia, basicamente. E eu tinha que trabalhar mais ainda, não é? Claro, porque chego do trabalho e o que me espera é mais trabalho. Não é assim com você, não? Que estranho... Enfim, eis que no meio de uma papelada qualquer encontro um recado malcriado que me deixa mais descompensada ainda. Daí explodo, sabe? Mais forte do que eu. Bora explodir junto comigo? Explodi em forma de três palavrões berrados seguidamente numa entonação atropelada e cheia de emoção enquanto rasgava não só o tal papel com o recado, mas outras coisas que não deviam ser rasgadas e que só percebi depois, evidentemente.

[Desequilíbrio: coadjuvante que contracena comigo nas cenas mais dramáticas que a Televisa me obriga a vivenciar]

Só depois dos estilhaços espalhados pelo chão é que me lembro de Dona C. que, a esta altura, é uma estátua simpática diante dos meus olhos. Não sabia se olhava para o chão, ia para o banho, assumia minha perturbação de cara lavada, comprava o seu silêncio com uma de minhas calcinhas que ela tanto elogia, ou tomava o rumo da rua, como se nada tivesse acontecido. Foi quando ela respondeu meus pensamentos sem que eu tivesse formulado a pergunta e disse "imagine se um ser humano como a senhora não teria estes momentos de provas na vida, dona [P]! Mesmo POSSUÍDA, a senhora continua fina, um primor. Tenho certeza que meus filhos precisam é de uma mulher assim, do tipo que INCORPORA A LOUCA e vira a mesa num restaurante lotado, sem descer do salto".

[Agora me diz: tem como não amar uma mulher assim? Alguém manda esta criatura parar, viu?]

5 comentários:

  1. Que legal ter alguém como Dona C tão perto! Deve dar uma sogra agradável...Abre o zíper e conta pra gente como foi!

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  2. Eu tinha uma dessas na minha casa. Ela tinha ciúme da bala que Dona Mariana, vizinha da frente, distribuía com grande gentileza.
    Mas... Pelo jeito o melhor partido entre os três filhos é a mãe!

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  3. [P], saudades do´cê, menina! Por onde anda? Amei Dona C.!
    beijos da janela

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  4. Adorei o texto
    Engraçado mas sem
    O ar "clichêsao" sabe?!
    Nao que eu nao goste
    Mas quando me deparo com
    Diferencias como esse fico
    Contete em termianr a leitura
    -' Meus Parabens!!

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  5. Vou te contar viu dona P.
    Ser uma mulher assim não é mole não...
    Mas como a sabedoria do meu velho pai, que Deus o tenha, me dizia:

    A mulher que desce do salto só sabe abrir as pernas.

    E tenho dito.

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[Suas Pegadas]