terça-feira, 28 de abril de 2009

["Eu Ando Pelo Mundo Prestando Atenção Em Cores Que Eu Não Sei O Nome..."]

... cores de Almodóvar, cores de Frida Kahlo, cores... de placas, de céu, de desenhos nas nuvens, de ondas, de areia, de pensamentos esparramados ao vento, e como uma segunda pele, um calo, uma casca, uma cápsula protetora...



[Arraial do Cabo/Abril de 2009]

segunda-feira, 20 de abril de 2009

[Cansaço*]

... e era uma manhã de abril e o sol aquecia meus pensamentos misturados aos papéis em desordem sobre a mesa de mármore frio quando eles foram chegando, um a um, numa sanha adolescente visível nos gestos bruscos à procura do lugar ideal, o mais próximo dos anjos, o mais próximo de mim, o que lhes permitisse sentir o perfume que eu estava usando, o mesmo de todas as vezes em que nos encontramos, e foi então que começou o meu suplício para tentar convencer a todos que não, eu não tenho como agradar a gregos, troianos, macedônios e etruscos, a não ser pelo perfume que carrego entre meus seios, nos pulsos e na minha nuca mas, você sabe, sou tão arredia que, no máximo, deixo um rastro de mim no ar e, quando piscam os olhos, já me desfiz em cacos outra vez, de modo que, se tínhamos prazos para serem cumpridos, datas já previamente estabelecidas, eu não poderia abrir mão de uma semana de provas em função de alguém em especial e satisfazer a todos naquela mesa, não que não sejam especiais, quem não é especial sou eu, concorda?, não? enfim, de qualquer forma, olha, nesta semana serão as provas, não posso jogar uma feira supermegaincrivelmentemultidisciplinar por entre estes cinco dias, pois as crianças vão surtar e, meu bem, eu sei como é um surto digno, porque todos os meus surtos assim o são e, além do mais, todos careciam de argumentos mais convincentes capazes de me fazer repensar o que já tinha sido estabelecido de comum acordo numa das tantas outras reuniões que mais parecem sessões de terapia coletiva, já que uma delas, sentada pertinho de mim, diz que está sem cabeça e pede ajuda porque não sabe mais o que fazer com o pênis inútil do namorado de anos e com quem até pensa em se casar, mas e o pênis inútil, não é, [P]? e então eu respondo que, amiga, não vejo como eu possa te ajudar, se nem ao menos disponho de um pênis, seja ele inútil ou não, de maneira que passemos ao próximo problema, academicamente falando, e a outra, do meu lado direito, fala em tom bem baixinho que na semana de provas terá que se ausentar porque estará ovulando e, você sabe, [P], quero muito engravidar, esta semana será decisiva e blábláblá, sendo interrompida pela próxima da fila que me pergunta se eu acho que a barriga dela diminuiu e assim, falando sinceramente, digo que não, que está a mesma coisa e ela ameaça chorar, só retomando o controle dos próprios nervos quando um deles começa a rir bem alto por estar muito contente com seu time do coração e, meu deus do céu, como é difícil fazê-lo parar de insistir porque, olha, não vou sair com você mesmo, é completamente pessoal, você me dá asco e falo isso sorrindo debochadamente porque eu sei que ele não sabe o que é asco, e assim, de repente, não mais do que de repente, todos estão discutindo sobre seus problemas pessoais, tentando justificar suas faltas, seus atrasos e suas devidas incompetências para mim, para os outros, para si mesmos, numa espécie de barbárie coletiva e eu, logo eu, que não tenho muita fé no ser humano, que não tenho paciência para lidar com gente, que tenho apenas um ímpeto guardado dentro de mim e que aflora nos meus momentos de transe altamente necessários à minha sobrevivência, saio de mansinho e ninguém percebe minha ausência e só se dão conta que estou ali para resolver coisas sérias quando volto da cozinha com uma faca na mão direita e um papel na mão esquerda, coloco ambos sobre a mesa e explico que a faca é para aquela dar um corte na barriga que não está legal ainda não, e que o papel contém um endereço de sex shop onde aquela outra poderá adquirir um vibrador que resolverá o problema do pênis inútil do namorado com quem ainda pensa em se casar, ou quem sabe, a faca para cortar o pênis inútil e o vibrador para ajudar na semana da ovulação daquela outra que precisa ser fecundada justamente num período de avaliações, talvez para que o bebê já nasça com trauma de escola, vai saber, e então todos param me olhando porque, não é mesmo?, como eu, com esta suposta carinha de anjo conheço o endereço de um sex shop, meu deus o mundo está perdido, se até você, [P]! e eu respondo que desconheço os poderes de um vibrador, mas que vi lá umas calcinhas ínfimasminúsculasquaseinvisíveis que são, vejam só, comestíveis, assim, para você comer a calcinha me olhando nos olhos enquanto me come, na foda dos nossos sonhos, compreende? e depois de todas estas teses sobre problemas existenciais dos meus colegas de trabalho percebo que, ai meus deus como é difícil, só partindo para medidas extremas é que conseguirei fazê-los entender que não, são muitas pessoas, muitos pedidos, gregos, troianos, macedônios e etruscos para serem agradados, de modo que, escutem bem, prestem atenção no que vou dizer, acima de mim, só a Direção e, pelo que dá para notar, falta à Direção toda esta malemolência, e eu uso malemolência para não ser grossa com vocês, percebem?, para lidar com seres que se recusam a entender o óbvio e é por isso que a própria Direção confiou a mim a tarefa de presidir estas reuniões que parecem coisa do demônio, só falando assim, e, portanto, que fique bem claro que quem manda aqui, nesta reunião, sou eu e, assim sendo, sintam-se informados que a semana de provas será mantida nos dias abcd, que a tal feira será realizada no mês tal, algum problema para você? não? que ótimo, foi exatamente o que pensei, que vou precisar daqueles relatórios para semana que vem, sem falta, e que blábláblá, e tenho dito! e, de verdade, eu sinto muito, mas um dia descobri que certas coisas precisam ser resolvidas na ignorância porque, olha, como as pessoas me cansam de vez em quando...


*levemente inspirado em Caio Fernando Abreu

terça-feira, 14 de abril de 2009

[Momento Descontrole]

Surtei bonito na frente do chefe hoje. Eu me descontrolei como nunca havia me descontrolado antes. Acho que é o ritmo das marés e o posicionamento de algum astro no meu mapa astral que estão fazendo isso comigo. Por que, né? Não tenho motivos para perder o controle no meio do expediente, quando trinta e nove cabeças aguardam numa sala por um pronunciamento ou qualquer circular que informe que o surto passou e que poderei voltar em breve às minhas atividades rotineiras. Creio que as más línguas estão começando a achar que faço de propósito, já que o chefe se compadece diante do meu estado lastimável e sugere que adiante meus tempos e siga rumo ao meu lar que, segundo ele, é o caminho da salvação em momentos como aquele. Mas olha, não mesmo, obrigada, tá? Prefiro, pelo contrário, passar mais tempo trabalhando e ocupando minha mente, abalando as estruturas maciças das paredes que me ouvem e surtanto no meio do povo.

Até porque quando ligo o computador e coloco músicas para tocar, depois de ter atravessado o caminho da salvação em forma de Ponte engarrafada e chegado com as pontas dos dedos sujas e lambuzadas de todo o chocolate que engoli no trajeto, a primeira coisa que toca é "The Long and Winding Road". Então é chegada a hora de gritar um "não, essa não, essa não, por favor, eu não vou suportar" mesmo estando sozinha e sabendo que ninguém vai compartilhar aquele momento comigo, quando me dou conta, aos prantos, que as coisas podem estar uma merda, mas ainda existem as músicas. Algo de bom no meio das lágrimas, enfim.

[Não sei o que seria de mim sem meus surtos emocionantes]

quarta-feira, 8 de abril de 2009

[Precoce]

Afilhado de Blogueira iniciou recentemente a sua vida escolar. Sua mãe foi chamada na escola porque ele havia, veja só, mostrado seus pertences íntimos para uma coleguinha. Em sua defesa, Afilhado explicou que ela tinha pedido para ver. Então eu fui convocada a opinar porque, segundo consta, o papel de uma madrinha é de vital importância na vida pessoal, escolar, profissional e sexual daquele cuja cabeça ela inclina na pia bastimal num domingo ensolarado. Afilhado brincava inocentemente enquanto sua mãe contava a história com riqueza de detalhes e desespero desnecessário.

- Desnecessário porque não foi com você, [P]! Imaginou a minha cara diante da diretora? E para você é tudo muito fácil, não é? Ai meu Deus do céu, onde foi que errei? Ele só tem três anos e meio! Já imaginou isto com quinze?
- Você vai ser uma avó jovem e enxuta, não te parece atraente?
- [P]! Não acredito!
- Relaxa...
- O que você faria?

[Pausa para uma consideração muito importante: nunca me pergunte qualquer coisa, se já tiver o que deseja escutar em mente e se não for forte o suficiente para ouvir algo diferente do que imaginou que eu fosse soltar pela minha boca, ok? É preciso ser forte, gente, se for pedir minha opinião]

- É para dizer?
- É.
- Ah, nas minhas atuais circunstâncias, guardadas as devidas proporções de tamanho, idade, fase da vida, conjuntura, etc e tal, eu...
- O que???
- Não sei. Sentaria?
- [P]!!!
- Tá. Deitaria?
- [P]!!! A mãe da tal coleguinha estava lá, uma total estranha dizendo que meu filho havia mostrado o seu negocinho para a filhinha inocente dela... Fiquei desnorteada.
- Ah, mas então a coisa realmente é muito mais grave do que eu supunha!
- E eu não estou tentando dizer isso a você, mulher?
- Quem ela pensa que é para fazer comparações inapropriadas sobre os pertences de Afilhado? Eu teria dito que de negocinhos ela deve entender, já que negocinho só pode ser o que o marido dela traz no meio das pernas.
- [P], você é um caso perdido, sabia?
- Que nada, eu sou um achado! Se eu pudesse, me pegava, me agarrava, me jogava na parede, me chamava de lagartixa e ia morar numa cabana comigo mesma.
- Se algo assim se repetir, vou avisar que você vai lá resolver. É muito mais descolada do que eu. Até porque ele se parece tanto, tanto com você, em certas atitudes...

[Não, não tenho nada a ver com o rompante de Afilhado. Realmente percebo algumas coisas em comum, independentemente de não sermos parentes de fato. Os quase quatro anos que ele tem, por exemplo, deve ser a idade mental que consigo alcançar nos meus picos de surto. A facilidade com que ele mostrou os pertences íntimos a uma coleguinha só porque, ao que parece, ela tinha pedido, deve ser o equivalente à minha destreza incontrolável para subir em mesas onde quer que elas estejam e, possuída por terrível furor, começar a dançar uma música que pode perfeitamente estar tocando apenas dentro da minha cabeça. Sorte dele ter tão pouca idade, pois eu não tenho mais jeito, não...]

sexta-feira, 3 de abril de 2009

[Olhos De Maresia - II]

As pessoas não percebem que não quero falar sobre. Não que eu não tenha mais nada para falar, pelo contrário. Poderia passar horas, talvez um dia inteiro - se eu tivesse um dia inteiro para poder pensar só em mim e no que me diz respeito -, falando sobre. Só que não, entende? Porque ninguém se dá conta que dizer que vou adoecer se continuar desse jeito não ajuda muito. Citar o valor nutritivo dos alimentos que tenho deixado de comer não vai fazer com que meu apetite ressuscite. Estranhar minha expressão, alegando que pareço tristinha e, por causa disso, me oferecer o resto do dia de folga não vai fazer outra coisa, a não ser me dar mais tempo para pensar sobre. Eu me rebelo contra as ordens vindas do alto e escolho me afogar no trabalho até as onze da noite. Recuso companhias para andar por caminhos desertos e fujo sem que se dêem conta, só para não correr o risco de ter alguém do meu lado atrapalhando minhas pegadas no deserto que existe dentro de mim. A impressão que tenho é que, embora minhas palavras não tenham se esgotado para mim, elas se esgotaram para o resto do mundo. Então é por isso que não vou falar sobre. Estou na fase de sentir raiva de mim mesma, a ponto de morder meus lábios e ranger os dentes para a imagem que vejo refletida nos espelhos. Não quero contar nada que não seja trivialidade inútil ou qualquer hábito estranho que carrego comigo. Quero poder transformar meus atos simples, dando-lhes a dimensão que agora tem a minha dor. Não espero mais ser entendida e, por isso mesmo, posso falar daquele dia em que entrei numa loja para comprar somente alguns lápis e saí com lápis, calcinhas, uma camisa do meu time de futebol e uma web cam, sem receio de não ser compreendida. Não preciso de coerências, se posso me poupar do desgaste que é ser a mulher que todos esperam que eu seja. Todos esperam demais de mim. Um conselho, uma postura, uma opinião, um telefonema. Quando leio coisas como "os telefones me algemam e você sabe disso", com as letras em forma de navalha picotando minha consciência, sinto por não poder conter um pranto invisível que encharca por dentro e não encontra mais por onde escapar. Mas quem vai me ouvir ou dizer que vai passar e que tudo ficará bem? Quem vai me convencer de que todo este pesar prestes a escapulir pelos meus olhos de maresia vai encontrar um par de mãos disposto a ampará-los? Não é hora de pedir, é o momento em que ainda espero que me dêem. Um motivo qualquer, qualquer um, que me faça pensar que devo continuar com tudo. Um só.









Nenhum. Foi o que imaginei...