terça-feira, 29 de novembro de 2011

["Todas Elas Juntas Num Só Ser"]

Tínhamos programado uma festa de despedida com toda a turma, antes que a galera começasse a debandar depois da entrega dos resultados. Despedida da turma - no seu último ano - entre si e minha despedida deles. Na verdade, a ideia da festa surgiu lá nos idos de agosto e ficou adormecida por meses, até que fui informada - apenas isto, apenas informada - sobre dia e hora de sua realização há pouco tempo.

Não pensei muito nas consequências de uma festa particular, somente nossa, porque se tratava de gente com quem convivi por pelo menos três anos, gente madura, gente sensata, gente bacana, gente bem humorada, gente entendedora de limites, enfim, de gente que está com um pé na universidade e, poxa, eu também queria uma despedida para guardar de recordação.

Tudo transcorria muito bem, até que uma mocinha começou a relembrar certos momentos que passamos juntos. Buscou do fundo do seu útero uma ocasião em que, logo no começo do ano, conversamos sobre nossos medos, nossos sonhos, nossos desafios, nossas preferências. Para minha surpresa, ela pegou uma folha e saiu perguntando a todos - sentados ao meu redor - se estavam lembrados das respostas que haviam dado no quesito "uma música". Todos acertaram, lógico. Indignada e me sentindo excluída do negócio, questionei se não tinham esquecido de mim, pois eu havia participado da dinâmica junto com eles. Eles riram. Veja só: eles não só riram, como duvidaram que eu fosse capaz de lembrar minha própria resposta! Audácia, é o nome disso. Eu? Esta pessoa dona de uma memória desgraçadamente congestionada de coisas que gostaria de esquecer? Não lembrar de uma resposta dada em fevereiro? 

- Vamos, [P], não precisa ficar constrangida, nós vamos te ajudar a lembrar - disse um menino, enquanto um violão surgia do nada - para mim foi do além, sim - e todos se colocavam no que parecia ser uma posição ensaiada, na minha frente. 

E aí, cara, eu chorei. Chorei antes que eles abrissem a boca e começassem a cantar. Chorei porque em fevereiro eu havia dito que, se um dia alguém cantasse aquela música para mim, eu teria um orgasmo sentimental. Chorei porque decoraram. Chorei porque haviam ensaiado. Chorei pensando no tempo que levaram para se reunirem. Chorei pensando em quantos beijos deixaram de dar porque estavam ensaiando uma canção para mim. Chorei porque a manhã estava linda e meu coração é de manteiga. Chorei porque, meu deus do céu, muitos estavam chorando também. Chorei porque, na verdade, eu queria ter mais chances de poder chorar junto com eles, mas aquela era a última, eu sabia. Chorei porque eram todos juntos, em mim. Aqui, do lado esquerdo.


[Depois de tanto chorar - enquanto todos aguardavam aquele momento em que muito mal eu conseguiria soluçar um brigada, pessoas -, o que fiz foi quebrar o protocolo, abrir minha boca e dizer puta que pariu, gente, isso não se faz, tá?]

sábado, 19 de novembro de 2011

[Das Feridas]

Numa certa ocasião eu citei uma frase e me pediram para que a repetisse, pois queriam anotar para a vida. A frase é: "não há nada tão ruim que não possa ficar pior." Desde então, quando reclamam de alguma coisa, imediatamente pergunto do que estão reclamando, explicando que sim, eu ainda posso piorar. E muito. Todos me entendem. Não pioro mais nada. E vida que se segue.

Uma vez, me feriram.

ferir v.t.d. 1. Fazer ferida(s) em. 2. Cortar, fender. 3. Tocar, tanger. 4. Ofender. 5. Causar impressão em (olhos, orelhas). 6. Prejudicar ou contrariar (interesses, princípios, etc.). 7. Atritar: ferir a  pedra. 8. Produzir ferimento(s) em si mesmo. 9. Melindrar-se.

Na vez seguinte, me dilaceraram.

dilacerar v.t.d. 1. Rasgar em pedaços. 2. Afligir muito, torturar. 3. Ferir-se; espedaçar-se. di.la.ce.ra.ção sf.; di.la.ce.ran.te adj2g.

Há uma frase que, faz um tempo, anotei para a vida. A frase é: "não há nada tão ruim que não possa ficar pior." Desde então, não costumo reclamar demais - estou me referindo a determinados tipos de situações, é óbvio - porque sei que sim, podem piorar. E muito. Ninguém, porém, me entende. Vão piorando a porra toda. E vida que se segue.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

[Como Conseguir Coligados Em Cinco Atos]

Cena 1:

Depois de uma encenação digna de Oscar - e de um Diazepam porque, né?, a pessoa consegue se divertir mesmo quando está fingindo ser sociável -, todos os presentes fazem questão de cumprimentar as organizadoras do evento. 

[Aliás, precisando de uma pessoa que invente brincadeiras libidinosas que te farão querer cavar um buraco no cimento para esconder a cara vermelha, estamos aí]

Cena 2:

A noiva - não aguento mais escrever essa palavra; por que esta senhora não casou ainda, não é verdade? -, inclusive, fez questão de me agradecer pessoalmente. Tudo bem, o esforço pelas empadas valeu a pena de nada, fofa. Depois, fez questão de se desculpar pelos acontecimentos passados que fizeram com que nos distanciássemos cada vez mais, de modo que ela se tornou só mais uma pessoa com quem troco boa tarde, por educação. Disse que hoje em dia podíamos ser amigas e... opa, não não não, minha senhora, aí não, né? Não poderíamos ser amigas por um motivo muito simples: nunca quis, não quero e nunca vou querer você como amiga, porque a sua pessoa não serve para integrar meu círculo de amizade.

Cena 3:

As pessoas acham graça e pensam que continuo encenando, dizendo ui, que espirituosa, ai, como ela é engraçada, óun, só a [P] mesmo. Ameaço pegar uma caneta e desenhar a linha tênue que divide minha faceta atriz da faceta descompensada que não consegue manter a boca fechada e sai vomitando o que pensa, sem se importar se vai manchar o tapete vermelho do recinto, entende? Em vez disso, para evitar a fadiga, junto meus pertences e vou embora.

Cena 4:

No dia seguinte, quando encontro as amigas que incorporaram as organizadoras de eventos, chás e vexames juntamente com esta que vos escreve, fico sabendo que aquelas santas pessoas que se divertiram às custas de nossa magnífica vocação para provocar constrangimentos, andam espalhando que tudo não passou de uma tática para chegarmos ao posto mais alto que podemos alcançar: a Direção. Na verdade, toda aquela encenação por causa dos comes e bebes brincadeira não teria passado de um articulado plano de campanha para conseguirmos chegar onde, de fato, queremos. Ou seja.

Cena 5:

Gente, como assim? Olha para a minha cara e vê bem se quero muitomuitomuito ser Diretora - é o que respondo. Constato que as pessoas continuam achando que estou encenando e fingindo ser dona de uma falsa modéstia. Mais incrível ainda é receber nas minhas mãos uma lista nominal daqueles que votariam com certeza numa chapa composta por três mulheres que nada mais fizeram do que animar um bando de mal amadas, mal comidas e mal humoradas. Assim. Não ganhei o Oscar, mas muitos coligados. Não sei o que fazer com coligados. Não que eu soubesse o que faria com uma estatueta. Enfim.

Não sei se cabe dizer que, quando Diretor jogou um cargo de Coordenadora para 2012 no meu colo, enaltecendo minhas qualidades natas do naipe de questionar, discordar, brigar e mandar - não deixando espaço para que nenhuma outra pessoa ousasse dizer peraí, eu queria ser Coordenadora também -, eu aceitei. Direção, não. Coordenação, tudo bem. Não consigo coordenar meus movimentos quando quero esganar alguém, nem tampouco consigo coordenar minhas lagriminhas para que elas se escondam num canto, à espera do momento ideal para rolarem rosto abaixo, mas tudo bem.

[Será que meu plano é começar coordenando e terminar dirigindo? Não sei, preciso ter uma conversinha séria comigo mesma - ainda que toda trabalhada na bipolaridade, claro]

terça-feira, 8 de novembro de 2011

[Como Comprar A [P] Em Cinco Atos]

Cena 1:

Antes de ir trabalhar, comento com a moça que trabalha na minha casa: "Sabe que hoje não estou num dos meus melhores dias? Não estou de bom humor para participar de nenhum tipo de Chá. Nem de Panela, nem de Lingerie, nem de erva cidreira. É até provável que eu diga que não tive tempo de comprar nada para aquela mulherzinha. É isso. Talvez eu pegue o que comprei e dê para outra pessoa."

Cena 2:

Chegando no trabalho, percebo que um carro parecido com o da tal mulher de quarenta anos que irá trocar alianças em breve está indo para o estacionamento, logo na minha frente. Dou uma olhada na placa - sim, eu sei de cor algumas placas aí - e constato que minha esperança de comemorar a ausência da criatura no seu próprio Chá foi por água abaixo.

Cena 3:

Faço uma ligação, ainda dentro do meu carro, que me dá tempo suficiente para criar aquela distância de segurança entre nós duas, de modo que a vejo estacionar longe, bem longe de mim.

Cena 4:

Olho o relógio e percebo que tenho mesmo que ir. Ao avistar o carro da noiva, noto que as portas estão abertas e ela, um tanto quanto enrolada com algo que, a princípio, não identifiquei. Quando me aproximo, porém, um oásis em forma de Coca Zero, salgadinhos, bolo e empadinhas surge na minha frente.

Cena 5:

Imediatamente meu sentido aguçado de caridade me faz perguntar se ela quer ajuda. A pessoa me entrega a vasilha onde estão as suculentas empadas. Veja bem: eu poderia dar uma discreta meia volta, tomar o rumo do meu carro e me entupir de empadinhas. Poderia, também, deixar a vasilha cair - sem querer, claro. Não fiz nada disso. Pelo contrário: ajudei a organizar a brincadeira, usei meu próprio batom para pintar a criatura a cada erro que cometia - ah, vai, não sou santa, né? fiz questão de pintá-la - e ocupei um dos postos de mais animada do Chá da dita cuja. Que desprendimento, o meu. Que demonstração explícita de amor ao próximo. Que exemplo de superação, da minha parte. Que empadas deliciosas, gente.

[Uma plaquinha, consegue ver? Nela está escrito "Vendida Por Algumas Empadas". É o que estou segurando, de frente para o público, antes que as cortinas se fechem e eu receba meus merecidos aplausos]