quinta-feira, 29 de outubro de 2009

[Mea Culpa]

Chamei Cachaça para conversar inúmeras vezes. É sério, eu perdi a conta de quantas vezes batemos altos papos, travamos veementes diálogos, trocamos idéias... e nada. Cachaça sempre me ouvia quieto, nunca foi do tipo de revidar ou questionar meus modos, meus métodos, meu palavreado. Mudar, entretanto, não fazia parte dos seus planos. Como paciência tem limites - e paciência em si já é algo BEM limitado na minha pessoa -, chamei Mãe de Cachaça para conversar.

Mãe de Cachaça e eu tivemos uma conversa franca, aberta, honesta. Um tipo de conversa que não se pode ter com qualquer ser humano, se é que me entendem. A certa altura do diálogo - que, diga-se de passagem, tomou TODO o meu horário de intervalo, de modo que não sabia se assoviava, chupava cana, comia uma barra de chocolate, olhava o relógio ou plantava bananeira -, Mãe de Cachaça chegou no ponto central da razão de ser de tudo aquilo. Sabe? Da razão de Cachaça ser como é. Da razão das minhas queixas. Da razão dela ter sido chamada com toda aquela urgência pela minha fofa pessoa. A razão - não me diga que você não sabia? - de todas as catástrofes que assolam a humanidade desde que o gênero homo resolveu, assim, do nada, que ia evoluir, enfim.

- A senhora vai me desculpar, Dona [P], mas querer que meu filho se saia bem não só com a senhora, mas com os seus colegas também, quando ninguém se dispõe a dar todas as avaliações com consulta é exigir demais. Desse jeito ele e os colegas nunca vão conseguir, essa é a verdade.

Eu queria dizer que era mentira, minha senhora, que muitos não conseguiriam nem com consulta, que a vida não vem com um manual para consultarmos quando bem entendemos, que blábláblá mas, né? Após a exposição de tão torto raciocínio, guardei minha culpa - mais uma! - na bolsa e evitei a fadiga, numa boa.

[Depois eu comento, nos bastidores, que estive pessoalmente com a Dona Vodka, Mãe de Cachaça, e me chamam de venenosa...]

sábado, 24 de outubro de 2009

[Dona Sicrana]

Suponhamos que fui a pauta principal de uma das recentes reuniões do plano astral. Suponhamos que os participantes da tal reunião - Roteiristas da Televisa que escrevem as cenas estapafúrdias da minha vida, escolhem personagens à minha revelia e não me mostram o roteiro com antecedência, além de um Universo cujas intenções até agora não conseguimos desvendar - decidiram que era chegada a hora de eu conhecer Dona Sicrana.

Suponhamos que Dona Sicrana tenha chegado aparentemente do nada num dos meus ambientes de trabalho e que, desde então, ninguém sabe ao certo o que ela faz por lá. Alguma função fantasia, dizem as más línguas. Suponhamos que tenham dado a Dona Sicrana a opção da escolha, a utilização do seu livre arbítrio, a possibilidade de decidir com qual criatura, dentre todas as criaturas mortais disponíveis, gostaria de conviver. Minha dúvida é: por que ela não escolheu você? Por que raios ela levantou a mão ininterruptamente, quando perguntaram: [P], quem vai querer conviver com a [P], vamos lá, quem, quem? Consigo até ver Dona Sicrana berrando escolhe eu, eu quero, me escolhe, eu quero ir!

Suponhamos que eu esteja me comportando dignamente, que tenho andado disponível para ouvir conversas de senhorinhas carentes em pontos de ônibus, que estou contribuindo para a preservação das canetas vermelhas de um processo acelerado de extinção, que tenho contado até sete antes de sair despejando meu juízo de valor ou minhas supostas verdades absolutas, que venho me esforçando para aprender a contar até oito e que tenho evitado provocar qualquer tipo de combustão nos meus semelhantes.

Suponhamos também que, por não ter sido consultada sobre minha vontade de NÃO querer conviver quase diariamente com uma mulher mal amada, mal comida e em eterno mau humor, criei uma antipatia especial por ela, principalmente porque Dona Sicrana parece um arame farpado disfarçado em roupas do século retrasado que sente prazer em passar seu tempo me olhando, prestando atenção no que faço, apontando o que deixei de fazer - que, na sua opinião, seria de vital importância para a continuidade do movimento de rotação da Terra - e soltando farpas venenosas em minha direção.

Suponhamos que a última de Dona Sicrana tenha sido a seguinte: em horário de intervalo, entro na sala já cheia, vou pegar um copo d'água e, quando passo perto dela e de outra aprendiz de feiticeira, escuto Dona Sicrana dizendo...

- Ah, não sei, não... eu acho que toda aquela delicadeza e aquele jeitinho meigo dela esconde outras coisas. Aquilo não deve prestar. Pelo pouco tempo que a conheço, acho que a [P] deve saber fazer um canguru-perneta-triplo-carpado com louvor enquanto grita vai, vai, vai...

Suponhamos que, levando em consideração que a delicadeza e o jeitinho meigo até existam - assim como outras coisas escondidas -, seria desejo do plano astral que eu tivesse uma reação apática diante do relatado? Ou um desprezo pelas palavras de Dona Sicrana? Talvez um simples desvio do veneno que escorria pelo chão da sala? Não vou nem entrar no mérito do tal canguru-perneta-triplo-carpado, já que tenho vários questionamentos sobre o seu funcionamento. Isso dói? Deixa hematomas? Corre-se o risco de cair da cama, da mesa, do sofá ou de escorregar debaixo do chuveiro? A satisfação é garantida? Não sei, não sei, minha gente.

Suponhamos que eu tenha feito um minuto de silêncio em homenagem à fertilidade da mente desta mulher e que, logo em seguida, tenha me aproximado e dito no seu ouvido, com minha voz mais sexy, o seguinte:

- Cuidado, Dona Sicrana! Não conte nada disso ao seu marido! Acho que seria um pouco chato se ele comesse alguém que não deve conseguir sequer virar cambalhotas pensando nos meus dotes artísticos, não?

E então? Tenho salvação? Terei uma segunda chance para mostrar que não consegui desta vez, mas que posso, sim, ser fofa?

[Suponhamos que eu esteja ficando tensa só de imaginar qual será a revanche do plano astral após esta minha demonstração explícita de maus modos...]

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

[Amor]

[Amor arrancou minha blusa com voracidade antes de morder meus mamilos só para me ver com os olhos revirados de desejo enquanto cravava uma faca afiada em meu peito. Amor senta-se na minha frente com o rosto apoiado nas mãos para ver melhor a minha alma escorrendo em vermelho pelo chão. Acostumado a me ver de quatro diante de si, Amor pensa que só sei engatinhar. Amor acha graça da minha agonia e se alimenta do meu desespero até se fartar, sem saber que vou revirar seu estômago daqui a alguns instantes. Amor vai engasgar. Amor vai se afogar em vômitos. Amor vai me estender a mão. Amor vai pedir socorro. Estarei ocupada. Levantando. Sacudindo a poeira dos meus sonhos. Amor não sabe, mas eu sei morrer de mentira. E sei matar o Amor. De verdade]

terça-feira, 13 de outubro de 2009

[Semelhantes]

Não adianta, o "inferno astral" é meu e ninguém tira isso de mim. Não importa que a rua esteja cheia de pedestres, indo e vindo apressadamente. O negócio é comigo, sabe? Serei eu a escolhida pelo sujeito que anda de bicicleta para ser atropelada. Tudo bem que talvez estivesse mesmo distraída, mas tinha que ser eu, tenho certeza.

Ele reclamou que eu estava na calçada. Veja bem: estava andando na calçada, ao invés de pegar carona na vassoura da namorada dele. Reclamou que não consegui desviar da bicicleta porque o vento esvoaçava meu cabelo, o que atrapalhou minha visão. E eu gastando dinheiro para cuidar do cabelo, quando bastaria frequentar o mesmo salão que a namorada dele deve frequentar. Reclamou também que esperava uma reação mais intensa da minha parte. Espertamente, deduzi ser aquilo tudo uma espécie de teste do Universo para com aquela doida varrida que andou escrevendo num post deste blog que saberia se comportar de maneira mais fofa com relação aos seus semelhantes.

Acontece, Universo, que devemos avaliar a quais tipos de semelhantes você vai me expor, compreende?

Se for um semelhante de vinte e quatro anos, minha resposta é NÃO.

Se for um semelhante destrambelhado que não sabe guiar uma bicicleta, também NÃO.

Se for um semelhante que insiste em me levar ao hospital, alegando que talvez um médico ache necessário tomar algum tipo de vacina, mesmo depois de me ver repetir mil vezes que, colega, sou a rainha das vacinas, já perdi a conta de quantas doses empurrei para dentro nos últimos tempos e estou super protegida, também NÃO.

Se for um semelhante inconsequente que me coloca sentada no meio fio e pede para um e.s.t.r.a.n.h.o tomar conta de mim enquanto vai buscar seu carro para me levar na marra, NÃO.

Se for um semelhante que briga com o e.s.t.r.a.n.h.o que tentou - sim, sejamos sinceros, ele bem que tentou, mas era eu lá, né? se liga, Universo - tomar conta de mim inutilmente, pois me levantei meio descompensada, dei tchau e recomecei meu processo de volta para a casa, é NÃO.

Se for um semelhante que aparece realmente dirigindo um carro do meu lado, insistente, teimoso, que vai me ouvir dizer que, na verdade, a culpada fui eu, a distraída era eu, mas que está tudo bem, não sinto nada, nem me arranhei, vai passar, tudo passa, essa dorzinha enjoada vai embora na próxima estação e vai sorrir meio tímido, respondendo que está achando que sou maluca, mas pareço ser interessante, numa perturbação explícita que traz à tona Joel e Clementine, também NÃO.

Se for um semelhante que acredita na minha encenação de que estou totalmente zen, que não importam o cabelo embaraçado, o pedaço rasgado da saia ou alguns trabalhos perdidos numa vala, pois estas coisas mundanas não significam nada diante da minha busca pelo nirvana, NÃO.

Se, por último - mas não menos importante -, o semelhante NÃO tiver a namorada que eu supunha existir e se arriscar a pedir meu MSN, é NÃO, DE JEITO NENHUM, DE MANEIRA ALGUMA.

Combinado, Universo?

[Você sabe, mais do que ninguém, que freio nos impulsos é algo que não trabalhamos. Pare de palhaçada. E tenho dito]

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

[Dos Atropelos]

Fui atropelada.

Ainda estou em profundo estado de choque.

[Francamente, Universo. Francamente, viu?]

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

[Mudanças]

Estou prestes a entrar no meu "inferno astral". Ao que tudo indica, não devo ter sido uma boa menina nos últimos meses. Não roubei, não matei - nem mesmo baratas -, não dei notas vermelhas em vão, não desejei o homem da próxima, não cobicei feiura ou gordurinhas alheias. Assim sendo, só posso fundamentar minhas queixas apelando para a proximidade do tal "inferno astral" que, diga-se de passagem, parece que será o mais infernal dos últimos tempos.

Acontecimentos sinistros estão me fazendo crer que o negócio é obedecer. "Acontecimentos sinistros" do naipe de ciganas querendo ler minha mão em pleno Centro da cidade; amiga marcando uma consulta para mim numa cartomante que é tiro e queda; Genitor insinuando que preciso ir numa rezadeira; minhas calças preferidas não cabendo mais em mim. Tudo muito, muito sinistro.

Então, ó, Universo, pode parar de conspirar, viu? De agora em diante serei a personificação da candura; um poço de calmaria e autocontrole; guardarei meu deboche, meu sarcasmo, minha ironia e minha habitual aversão a seres vivos para mim mesma. Sou até capaz de me arriscar a dizer, inclusive, que serei aquele tipo de pessoa que se joga numa poça de lama para que passem por cima dela, para que a pisoteiem, para que lhes digam o que bem entenderem - e o que é mais importante! -, sem reagir a nada.

[Não ria, Universo, este é um momento muito solene na minha vida. Faça-me o favor, ok?]

Enquanto não encontramos uma situação que me faça agir com tanto desapego, vamos modificando as coisas mais agressivas e diretas, que tal? Reparou, Universo? Desenhinho, doçura, cores calmas, tudo muito singelo, delicado... a minha cara, não é não? Repare, Universo, repare...