quinta-feira, 17 de junho de 2010

[Plano B]

Sentei. Contrariando as recomendações médicas de que deveria deitar, sentei. Naquele mesmo banco daquela praça no Centro da cidade, em frente àquele cinema, onde tantas vezes já havia sentado. Aí eu me pergunto a) o que eu tinha que sentar?, b) fazia uma manhã linda, o sol me aquecia, por que não sentar? e c) de onde vem este meu gosto pelo masoquismo?

Como de costume, muitos tipos passavam por lá e outros tantos sentaram do meu lado. Isto me leva às seguintes questões: a) tenho realmente um tipo de ímã programado para atrair gente esquisita?, b) se sim, não poderia ser uma gente esquisita b.e.m esquisita mesmo, a ponto de me causar um pavor instantâneo que me fizesse sair correndo? e c) se sim, se é r.e.a.l.m.e.n.t.e uma gente esquisita que me faria sair correndo, por que eu não saio correndo, só para variar um pouco?

O fato é que eu chorava. Copiosamente. Descontroladamente. Agora - e só agora - me pergunto se precisava mesmo chorar porque a) minha barra de chocolate tinha caído no chão e vi um menino pegá-la e devorá-la alguns metros adiante?, b) enquanto via o menino comer meu chocolate, vendedores ambulantes cantavam uma música que emocionou até meu útero? e c) havia lembrado que a moça do salão não conseguiu me encaixar na única tarde livre que possuo nesta semana?

Uma mulher sentou-se do meu lado e foi logo fazendo a solícita, explicando didaticamente que não vale a pena, tudo vai passar, que sou tão linda e que por falar em linda, será que não queria dar um pulinho ali, logo ali, com ela? Entre soluços e lágrimas lhe disse que estava enganada, que os motivos do choro eram meu chocolate, um menino e meu cabelo.

Fui meio ríspida, confesso. A mulher calou-se, mas permaneceu sentada. Após ter esgotado as lágrimas, peguei minhas coisas e, antes de levantar, virei na sua direção. Ela chorava. Imediatamente pensei que a) olha o ímã em ação!, b) gente bem esquisita m.e.s.m.o, hein, Universo? e c) está na hora de sair correndo, é agora, saia correndo, [P]!

Antes que eu dissesse qualquer coisa, ela pediu para que não me preocupasse, que arranjaria outra pessoa para ir, etc e tal. Fui, né? Toda trabalhada na misericórdia, lá fui eu. Acho que sua intenção era me confundir a ponto de nunca mais conseguir chegar naquele lugar porque, colega, eu realmente não saberia chegar lá outra vez, tantas foram as ruas por onde entramos e saímos. Por fim, um casarão. Bonito, o casarão. Lá dentro, uma senhora bem conservada parecia estar à nossa espera. Conforme os minutos iam passando, várias indagações se perpetuavam na minha mente, do tipo a) se elas querem meu fígado, aham, vão se dar mal, porque ultimamente, né?, b) não sei o caminho de volta, sou burra? e c) por qual porta eu entrei mesmo?

Elas me explicaram que eu só faria o que quisesse, que os clientes são de altíssimo nível e podres de ricos, que nem precisaria trabalhar mais se algum deles se encantasse pelas minhas curvas, que tudo é altamente discreto, que a porcentagem se discutiria depois mas que, de imediato, as gorjetas seriam só minhas, que era uma chance única na minha vida, que bastava deixar algum tipo de contato e que aquele era o cartão da instituição.

O que esta experiência antropológica acrescentou à minha vida? Simples, muito simples: as certezas de que a) me chama que eu vou, b) de fome não morrerei e c) está na hora de um tarja preta básico, me corrija se eu estiver enganada.

domingo, 13 de junho de 2010

[1.8.0]

Meu mais recente hobby é andar a 180 km/h pelas rodovias da vida, em sucessivas tentativas de lamber os postes de beira de estradas.

[Sem comentários. Porque quem controla freio e velocímetro sou eu. Porque ninguém pode me impedir. Porque sou eu, só eu, sozinha, só. Porque quem vai dançar em cima de mesas no fogo do inferno será eu. Então, sem comentários. Porque quero evitar a fadiga, enfim]

segunda-feira, 7 de junho de 2010

[Coisas]

Uma menina de dezessete anos falou, certa vez, que sua mãe estava vendendo coisas e me perguntou se eu gostaria de ganhar uma coisa. Expliquei a ela que, fofa, na atual conjuntura da minha vida, aceito q.u.a.l.q.u.e.r coisa de bom grado, desde que me seja dada bem longe dos períodos de avaliações porque, né?, aceitar suborno seria o fundo do poço.

Então eu ganhei uma coisa de presente:

Abri apenas uma ponta da sacola onde a coisa estava e, ao ver do que se tratava, expliquei que ia terminar de ver em casa, se não se incomodava, ali não era o local mais adequado, mil desculpas e tal. Ela respondeu que tudo bem, mas que quem não precisava se incomodar era eu, pois todos já tinham visto várias das coisas que a mãe dela vende. Inclusive, a que me foi dada de presente foi escolhida por votação popular, num dos intervalos de aula, pela trupe masculina da sala.

[Pois bem, pois bem. Todo um esforço carnal-espiritual-e-filosófico para manutenção da ordem e dos bons costumes naquele ambiente destruído em poucos segundos, com um coro gritando, ao fundo, experimenta]

terça-feira, 1 de junho de 2010

[Neruda]

Neruda, gente.

Neruda andava meio esquisito. Estava se comportando diferente, me desobedecendo e dando uns pinotes irreconhecíveis. Não era o Neruda por quem me apaixonei há alguns meses e que fez com que eu não pensasse muito sobre o fato de me tornar uma quase falida. Genitor dizia que eu estava maluca e que não ia bancar o maluco também, levando Neruda em oficinas de velhos amigos. Você quer que eu diga o que? Qualquer um vai sentar, dirigir e me dizer que não há nada de errado com ele, que isso é coisa da sua imaginação - ele me dizia. E, assim, confio cegamente em Genitor, no quesito automobilístico da coisa.

Mas era Neruda, gente. Neruda.

Resolvi refazer meus dias, andar para trás, reencontrar feridas expostas, encarar outra vez acontecimentos dolorosos, tudo pelo bem de Neruda. Havia alguma coisa, em algum momento algo de bem sério havia ocorrido. Se não era um mal estar envolvendo motor ou parte elétrica, Neruda devia estar padecendo de alguma coisa do naipe sentimental. Sou ótima para pressentir essas nuances humanas.

[Sensível, sensível, tsc. E sim, Neruda é humano para mim, evidente!]

Tinha chegado à conclusão que a coisa vinha de longe. Na regressão pós-Neruda-em-minha-vida, percebi que aquele comportamento havia começado desde que ele passou a frequentar o lava a jato dos meninos que sempre fizeram um serviço de primeira.

Mr. Catra, pessoas. Mr. Catra.

[Não sabem o que isto significa? Não estão perdendo nada, juro]

O fato é que os meninos sempre fizeram um serviço de qualidade ao som de Mr. Catra. Neruda não resistiu e, creio, estava tentando o suicídio. O problema era que todas as tentativas aconteciam enquanto eu estava dirigindo, o que me fez pensar que morreríamos de desgosto auditivo unidos pelo cinto de segurança.

[É neste momento que todos devem pensar que troquei de serviço imediatamente, vai]

Não troquei. Pensei - sim, lá estava eu, pensando - que poderia dar um jeito sem ter que tomar medidas drásticas; afinal, conheço os meninos há tempos e blábláblá. Gravei Para Elisa, de Beethoven e, quando voltei lá com Neruda, expliquei que era para capricharem, mas ouvindo aquela - e só esta, usem o repeat, meninos, o repeat, se liguem - música.

Não adiantou. Estranhei o fato de não ter adiantado, porque eu e Neruda sempre ouvíamos Para Elisa juntos. Numa manhã atípica, cheguei adiantada e resolvi esperar pelo serviço. Os meninos fizeram tudo direitinho, pegaram a cadeira mais podre de chique pra chefia sentar, conforme me disseram, colocaram a música para tocar e foram trabalhar.

Chorei, gente. Lágrimas e lágrimas desciam descontroladamente pelo meu rosto enquanto Neruda era lavado.

[Sim, eu chorava quando ouvia Beethoven sentada em Neruda, mas era esporádico. Como é que não passou pela minha cabeça que poderia acontecer de não conseguir me controlar na frente de um bando de homens é uma questão a ser debatida em fóruns sobre mulheres descompensadas]

Neruda passa muito bem, desde então. Tive que incluir sua limpeza na minha própria agenda e, sempre que vejo este dia se aproximar, separo os lenços: meninos colocam a música, eu me sento, Neruda vai ficando reluzente e meu rosto, vermelho.


[A pergunta não é nem se sou normal, vejam bem. Eu já nem sei mais o que dizer sobre mim mesma, compreendam...]