segunda-feira, 29 de março de 2010

[Borboletas No Estômago]

Ela tinha uma coleção de 347 borboletas no seu estômago que voavam desbaratinadamente, dia e noite, noite e dia. Não sabia quando aquela aglomeração começou a se formar, se tinha sido enquanto lia palavras bonitas e gargalhava às escondidas ou quando deram o primeiro beijo debaixo de uma chuva que borrara seus planos de ser invencível na arte de não aprender a se deixar amar. Ele não lhe dizia as palavras que ela gostaria de ouvir. Às vezes ele nem mesmo lhe dizia as palavras. E isso não importava; afinal, ela tinha uma coleção de 325 borboletas no seu estômago que voavam desbaratinadamente e que podiam muito bem procurar alguma palavra perdida por entre seus órgãos vitais. Ele não dizia qual era sua banda ou sua música favoritas, a não ser, claro, que alguma moral edificante estivesse escondida por entre letras e acordes. Ele gostava disso. Disso, você sabe, de não dizer o que queria dizer. Ela também gostava das entrelinhas, essa coisa de se esparramar por entre os espaços que separam duas palavras, assim como em odeio vocês, entende? Só que tinha horas em que tudo o que ela queria era que houvesse um tiro direto, ainda que fosse para dizer que nunca na sua vida iria ouvir Chico, nem para agradá-la. Não que isso importasse; afinal, ela tinha uma coleção de 296 borboletas no seu estômago que voavam desbaratinadamente enquanto ouviam Cotidiano e que podiam muito bem continuar ensaiando passos de dança sozinhas. Ele não lhe contava sobre suas experiências em vidas passadas ou no último fim de semana, nem tampouco falava sobre sua vontade de alcançar as estrelas. Mas isso também não importava; afinal, ela tinha uma coleção de 251 borboletas no seu estômago que voavam desbaratinadamente e que podiam perfeitamente atingir o céu da sua boca em questão de segundos. Ele não gostava de falar quando estavam juntos. Preferia escutá-la contar histórias. Pedia sempre para que ela contasse histórias, porque ela sabia fazê-lo rir. E assim os dias passavam. Ele ria. Com ela. Dela. Ela ria junto, não lhe custava nada sorrir de vez em quando. Inclusive, ela tinha uma coleção de 133 borboletas no seu estômago que voavam desbaratinadamente, perdiam a direção, esbarravam-se umas nas outras enquanto ela sorria e que também perdiam o rumo na época em que só chorava e, assim sendo, não seria difícil para suas borboletas fazerem um certo alvoroço, só para dar-lhe aquela falsa sensação de que se está feliz. Ele não precisava falar muito, na verdade. Parece que fizeram um pacto desde a primeira vez. Combinaram de se falar em silêncio, sem gastar sílabas, apenas com o olhar. Então, ele a olhava como nenhum outro jamais fizera e ela sentia o que talvez palavra nenhuma fosse definir. Ele tirava sua roupa para poder escrever melhor com o olhar o poema que fizera para ela e a canção que gostava de ouvir nos momentos de solidão. Às vezes ele esquecia de devolver-lhe suas roupas e ela andava nua pela cidade. Uma vez até notaram suas feridas expostas. Mas ele gostava mesmo era de emudecer quando a via nua sobre si. Ele não falava o que ela gostaria de ouvir sobre as feridas que ele próprio provocara. Não que isso importasse, entenda bem; afinal, ela tinha uma borboleta no seu estômago que voava desbaratinadamente, exibicionista, provocante. Todas as outras cansaram de andar tão à mostra, ou começaram a sentir frio, ou passaram a sentir falta de sons, ou. Enfim, fugiram. Mas isso também não importava; afinal, ela tinha um desejo enorme de voltar a cultivar uma coleção de 347 borboletas no seu estômago que voassem desbaratinadamente. Ainda.

terça-feira, 23 de março de 2010

[Das Estranhas Criaturas]

Jude Law versão 2.1, uma das estranhas criaturas que vieram do Planeta dos Três Estagiários para se colocarem sob meu domínio, me fez a seguinte pergunta, numa conversa informal de bastidores:

- Então me diz, [P], com sinceridade, quantos anos de escola e períodos de faculdade você andou pulando, para termos praticamente a mesma idade e eu ainda estar terminando a monografia, enquanto você já é minha chefe?

[Cara, onde assino a aprovação automática desta criatura?]

quarta-feira, 17 de março de 2010

[Aquela]

Eu sou aquela que não pode ver uma caixa de papelão em condições físicas perfeitas, porém, visualmente horrorosa. Aquela que não se controla, ainda que esteja no seu local de trabalho. Aquela que vai sondar se ninguém quer a tal caixa abandonada. Aquela, aquela mesmo, a que vai pegar a caixa no intervalo e levá-la para o carro feliz da vida, já pensando na parafernália que vai precisar comprar para enfeitar seu brinquedinho novo. Aquela que vai levar dias fazendo arte porque esqueceu-se que, oi?, não há tempo sobrando para fazer arte somente quando já tiver começado a melecar a mão de cola. Aquela que fica realizada quando - finalmente - põe a última fita no seu devido lugar:

Eu também sou aquela que tem master orgasmos quando entra em papelarias. Entretanto, sou aquela que não se contenta com qualquer caderno. Não, não. Sou aquela que não encontra um caderno que a agrade decentemente. Aquela que vai revirar estantes e deixar funcionárias descabeladas. Aquela que tem astúcia o suficiente para, depois de deixar todos loucos e perceber que não é bom negócio sair de cena com as mãos abanando, escolher qualquer caderno com a maior cara de contente. Aquela que precisa dizer porra, gente, não aceito encomendas, não tenho tempo, só porque é aquela, aquela mesmo, a que tem o caderno mais fofo dentre as pessoas que a cercam, com marcador, elástico e capa guti-guti:




[Notemos a participação especial das bolinhas de papel apreendidas recentemente no meio do expediente e cujo conteúdo foi devidamente distorcido, não só para preservar a identidade dos autores como também para evitar um choque coletivo. Afinal de contas, se não podemos ler palavras como "complexa", "específica", "contradizendo" e outras de nível parecido em avaliações, como reagir quando elas surgem espontaneamente, numa conversa voadora?]

Como podemos observar, sou facilzinha, me contento com pouco e faço milagres. É só me dar uma caixa de papelão de presente ou um caderno de capa feia. Ou então me dê uns minutos na cozinha e faço comida, viro comida, tudo ao mesmo tempo. Ou me dê meia dúzia de palavras bonitas e faço um texto com as mentiras sinceras que não me interessam. Eu sou aquela, a que sabe lavar, passar, arrumar, desarrumar, costurar, pintar e bordar. Aquela que dirige cantando, que tem uma língua não muito ortodoxa e que cai de quatro, levanta, vira as costas e sai andando. Aquela, aquela mesmo, do tipo que você não vai encontrar em qualquer esquina e, quando encontrar, não saberá onde colocar as mãos.

[Talvez dentro da minha caixa. Talvez sobre meu caderno. Talvez no meio das minhas pernas. Eu sou aquela, né? Vai saber...]

quarta-feira, 10 de março de 2010

[Arte]

Era uma vez duas mulheres: Descompensada e Descontrolada.

Descompensada, como a própria alcunha sugere, dispensa apresentações. Gosta de ficar sem fazer nada, embora esteja sempre procurando algo para fazer, de chantilly, de Coca Zero, de mar, de cadeiras estranhas, de mandar e de ser obedecida, dentre outras coisas. Por outro lado, não gosta de Descontrolada.

Descontrolada, como o próprio nome sugere, gosta de esbanjar descontrole motor-psicológico-financeiro-e-emocional. Ao que tudo indica, passou a odiar Descompensada.

[Não sabemos o motivo já que, segundo consta, embora seja uma bomba-relógio prestes a explodir, Descompensada explode glamourosamente, de modo que todo mundo acha aquelas faíscas uma coisa espetacular]

Descompensada gosta também de inventar coisas lúdicas, dentro das quais esconde tudo o que acha que seus subordinados precisam aprender, numa tentativa de abduzi-los e testar experiências que farão com que utilizem partes dos seus cérebros nunca antes utilizadas, a não ser quando se trata do que lhes convém [msn, orkut, funk, bolas de papéis com conteúdos confidenciais que criam asas e saem voando vezemquando - tudo coisa do mais alto nível em termos de preocupação com os estudos, como podemos observar].

Pois bem. Quis o Universo e os Roteiristas da Televisa que Descompensada fosse a chefe e Descontrolada, a chefiada. Num dia inspiradamente lúdico, a chefe pediu para que a chefiada fosse buscar algumas coisas que estavam faltando para que o maternalzinho em forma de adolescentes pudesse começar a trocar vibrações positivas que, através de incentivos em forma de canetas azuis na dose certa, provocariam explosões de saber por todos os seus poros. Lembro bem que Descompensada bancava a fina e pedia educadamente, quando Descontrolada a interrompeu, alegando que não poderia ajudar porque tinha acabado de sair do salão, suas unhas estavam leeeeeeeennndas e não ia correr o risco de pôr as patinhas mãos nas tintas que poderiam estragar aquela belezura toda.

- Se você tomar cuidado, não vai estragar nada.
- Ah, vai dar não, [P]. Pede para outra pessoa. Por que EU é que tenho que fazer isso?
- Porque não posso sair desta sala agora, senão sangue jorrará pelo ambiente. Porque você não está fazendo nada e é minha estagiária. E porque eu estou mandando. Três razões.
- Ah, é? E quem você pensa que é para mandar em mim?

Reza a lenda que, neste instante, Descompensada deixou a sala do maternalzinho disfarçado de adolescentes, foi sozinha pegar o material que estava faltando, jogou tudo em cima da mesa, abriu dois vidros de tinta, molhou os pincéis, tomou entre as suas mãos as patinhas mãos de Descontrolada, incorporou o Van Gogh que todo ser humano deve guardar dentro de si e produziu obra-prima sobre o esmalte da chefiada, sob o olhar atento da platéia que, a partir daquele instante, deve ter notado que desobedecer é coisa de crianças más.

[Toda trabalhada no glamour essa tal de Descompensada, é o que eu sempre digo]

Descontrolada, possuída por um começo de mimimi-você-é-malvada-mimimi-vou-contar-tudo-pra-Diretor-mimimi-você-é-boba, pedia uma explicação com o olhar pois, ao que tudo indica, ela não consegue pegar no tranco em situações adversas e verbalizar em língua inteligível o que chama de raciocínio.

- Como eu estava dizendo antes de você me interromper, sou aquela que manda em estagiárias e suja o esmalte de quem se recusa a obedecer - foi a explicação.

Fim.

terça-feira, 2 de março de 2010

[Chefia]

Aparentemente as três estranhas criaturas vieram de um planeta bem distante: o Planeta dos Três Estagiários. Não sei em que condições vivem, do que se alimentam, como fazem sexo e desconfio até mesmo de que falam algum dialeto que me soa um pouco estranho.

Problemática chegou com um único objetivo e não, não é o de causar problemas, mas sim espalhar seus problemas pessoais sobre mesas de trabalho como se não houvesse amanhã. Problemática não faz sexo, é óbvio. Estranho. Jude Law versão 2.1 é o cúmulo da concentração. Um concentrado de tudo o que se pode imaginar. Tire suas próprias conclusões. Muito estranho. Descontrolada já deixou claro a que veio: seguir Jude Law versão 2.1 e só. Totalmente estranho.

A grande questão é: podendo escolher entre quatro - veja bem, eu disse q.u.a.t.r.o - profissionais, por que, por que, oh céus, as três estranhas criaturas escolheram justamente esta que vos escreve para chefiar suas respectivas missões fora do Planeta dos Três Estagiários? Saldo devedor que tenho para com alguma vida passada, eu respondo. Porque, né?, só isso justifica.

O mais legal, porém, foi ouvir as justificativas da escolha de cada um: Problemática total se identificou comigo e acha que poderemos ser, além de colegas, grandes amigas e blábláblá, porque assumi logo de cara uma postura sincera e tal.

[Não vejo a hora de despejar toda a minha sinceridade e poder explicar que não senti uma vibração positiva na sua alma, que não consigo me identificar com uma adulta moribunda E que não faz sexo e, por fim, perguntar que roupas são aquelas que ela ousa vestir antes de sair de casa]

Jude Law versão 2.1
concentrou toda sua justificativa em duas palavras: porque sim. Tenso. Se eu perguntasse por que saiu do Planeta dos Três Estagiários diretamente para meu local de trabalho, me responderia porque sim, tenho certeza.

[Na verdade ele não quis dizer, na frente de todos, que é porque tenho o tal rostinho de tarada e, além de tudo, sou comprovadamente legal, lógico]

Descontrolada, por sua vez, disse que escolheu a mim porque fala sério, né, gentemmmm? qual o nome desse esmalte roxo que você está usando, mulherrrrr? e que cabelo de comercial de shampoo você temmmm!

[Vamos pedir piedade e força, muita força, para Jude Law versão 2.1 nos próximos meses de convivência com este exemplar não-catalogado de ser vivo. E quanto a mim? Evidentemente que, sendo a chefe, quem precisa temer alguma coisa é Descontrolada]

Permitirem que eu assumisse o comando numa situação extremamente delicada como esta é algo que até o momento escapa à compreensão. Não sei se tem a ver com um papel que deixaram nas nossas pastas pessoais, no qual se lia um edificante top dez de como ser zen no seu local de trabalho. Não sei se estão me testando só para ver se consigo demonstrar todo o meu glamour em situações de risco. Não sei.

[Só sei que sinto que trabalharemos muito a questão do constrangimento geral enquanto for obrigada a interagir com as três estranhas criaturas. Ou seja...]