terça-feira, 26 de maio de 2009

[Pérolas]

1) Das redundâncias da vida:

[Claro! Assim como se a pergunta fosse "qual a semelhança?", a resposta ideal seria algo como "é que eles são semelhantes"!]

2) Dos neologismos do dia-a-dia:

["Locumoção?" "Locumover"? "Movumentação"? "Movumentar"? Dá até medo de continuar imaginando...]

3) Do realismo comovente:

[Jura? Da mesma maneira que alguns facilitam as coisas para mim e outros têm o dom de dificultar as minhas correções?]

4) Dos subornos explícitos:

[Não vale, ok? Isso de anexar bilhetinhos às avaliações só para me fazer chorar é golpe baixo, haja visto que choro lendo bula de remédio e rótulos de margarinas, atualmente]

5) Do linguajar charmoso:

[Como assim "mar crece"? Será que eu seria a pessoa "mar paciente" e "mar bondosa" no manejar de uma caneta vermelha? Coisa "mar linda", não é, não?]

domingo, 17 de maio de 2009

[De Novo]

Já falei que não gosto de utilizar as barcas à noite? Não gosto, porque não consigo ver o mar. Não que eu fosse conseguir ver qualquer coisa nas águas sujas da Baía de Guanabara mas, enfim, não gosto. Para fugir dos engarrafamentos, entretanto, achei que a barca seria a solução. Daí que eu podia estar me maquiando, pintando as unhas, escolhendo roupas para ir ali vender meu corpo, mas não. Estou aqui na frente do micro, honestamente, fazendo questão de deixar registrada a minha indignação pelo trabalho de quinta categoria que os tais Roteiristas da Televisa estão fazendo com a minha vida.

Porque, olha só, eu já acharia deveras emocionante quase ter sido jogada ao mar por uma senhora moderninha com seus fones de ouvido e alheia ao fato de estar me empurrando grotescamente para as beiradas daquela rampa que range tal qual em filmes de terror.

[Sonoplastia dez, ouviram, Roteiristas? Antagonista nota dez, também]

A senhora não sossegou enquanto não passou na minha frente e começou a empurrar o próximo obstáculo, jogando-o para cima de mim e fazendo com que o inevitável acontecesse. Ele me viu deixando vazar minhas lágrimas, coisa que eu vinha tentando esconder, e disse um "deixa eu lamber essas lágrimas pra você, princesa" que eu já consideraria o ápice das emoções suportáveis naquele dia. Ainda bem que eram só as lágrimas. Ainda bem. Mais outra gracinha e eu mesma me jogaria na Guanabara.

Depois do suplício para encontrar um degrau disponível para sentar e pensar na vida, eis que aparece o típico rapaz que, bem, enfim, você sabe. E ele senta onde? Ah, do meu lado, vai, é claro. Mas ao contrário do óbvio ululante [é claro que a novela deve estar bem longe do final feliz], parece que estava no script que ele devia sentir-se mal. E foi assim. Ele passando mal, não conseguindo abrir os olhos, dizendo que ia desmaiar, suando demais, dando nome e telefone para que entrassem em contato com a família e o povo dando palpites sobre o que fazer. Uma dizendo que precisava comer alguma coisa salgada, outra falando que não, que seria melhor algo doce. Se me perguntassem se eu tinha, eu tinha de tudo, sabe? Naquele dia em especial eu tinha de tudo na minha bolsa: doce, salgado, amargo, azedo. Com um pouco de esforço eu seria capaz de tirar uma onça de lá de dentro, se preciso fosse. Mas não me perguntaram. Minha função ali era só a de perguntar a mim mesma "mas por que, tendo tanto lugar para ele se encostar, ele para justamente do meu lado? mas por que?"

E por que, não é? Porque estão brincando comigo, é minha resposta. Justamente ao lado de uma pessoa que acabou de esbarrar numa morte toda atraente, acenando à distância. Justamente ao lado de uma pessoa sem a menor estrutura para lidar com certos tipos de perda e presenciar certos tipos de cena. Felizmente não me tiraram a lucidez, essa amiguinha ingrata que de vez em quando me vira as costas. Vendo que o tal rapaz não reagia, o tempo passava e nada da barca chegar em terra firme, resolvi levantar do degrau, pensando em voz alta algo como "preciso sair daqui, ele vai ter uma convulsão já, já". Então, né? Dei dois passos em direção à multidão e escutei os salva vidas completamete despreparados para uma situação daquelas gritarem que ele estava tendo uma convulsão. A barca chega finalmente ao seu destino e eu saio apressada.

Já chega, não é? Acabou a palhaçada, Roteiristas da Televisa. Sugiro imediatamente uma passagem de tempo de, sei lá, uns dois ou três meses. Corta para a próxima cena: uma ilha deserta ou uma cabana no meio do nada, eu e companhia, pouca roupa, uma vida de subsistência às custas do que a natureza pode me oferecer, muito sexo selvagem, cremes para o meu cabelo não ficar muito maltratado pelo excesso de sol, internet à disposição para que eu possa continuar a postar e... só, por enquanto.

[Ou vocês fazem isso ou vou ter que exigir um aumento considerável no meu cachê, haja visto que as cenas são absurdamente perigosas para minha pessoa e nem de uma dublê posso dispor...]

quarta-feira, 13 de maio de 2009

[Primo Pastor]

Tenho um Primo Pastor que é oito anos mais velho do que eu. Sempre fomos muito ligados e, com o tempo, esta ligação se estendeu à Esposa de Primo Pastor. Com ele aprendi a ouvir Legião Urbana na adolescência, época em que nem sonhava em ser Pastor, mas sim jogador de futebol. Com ela aprendi que ser calma é uma arte que se adquire com o tempo e que as pessoas me fazem um bem maior dizendo a verdade, e não as coisas que eu gostaria de ouvir.

Ambos apareceram às pressas quando souberam do meu acidente. Queriam ver se eu estava inteira mesmo, porque Genitor deve ter pintado tudo com cores muito berrantes, como lhe é bem peculiar. Eles me viraram do avesso e perguntaram certas coisas para ver se todos os meus parafusos estavam em ordem. A maluquice é algo intrínseco à minha árvore genealógica. Primo Pastor quis saber, por exemplo, o nome do cidadão que desprezei numa excursão que fizemos lá pelos idos do século passado, só para ter a certeza de que não havia sofrido repentina amnésia, e me pediu para cantar Giz, como eu fazia antigamente.

Quando disse que me lembrava também que costumo dançar em cima das mesas nos meus momentos de lazer, Primo Pastor falou que tive muita, muita sorte, porque o estrago foi grande, muito grande, e não sofri nada. Acrescentou que olham muito, muito por minha pessoa, em todos os momentos da minha vida, pois só isto justifica o fato de eu ser uma coisa muito do demo e sair ilesa de um enfretamento com um caminhão e um abismo.

[Coisa do demo. Meiguice total, Primo Pastor. A gente só perdoa porque sabe como é, né? Sangue do meu sangue, de primeiríssimo grau...]

sexta-feira, 8 de maio de 2009

[Do Que Preciso]

Então eu tenho feito uso do transporte coletivo diariamente, por força dos últimos acontecimentos. Esse negócio de dividir espaços com estranhos espaçosos incomoda só a mim mesmo? Não sei, de repente eu devia achar legal certas atitudes mas não, não me controlo e meu sangue ferve diante de tudo que me irrita.

Os roteiristas da Televisa que tomaram nas mãos as rédeas da minha vida à minha revelia decidiram que era hora do motorista-de-ônibus-com-um-jeito-Keanu-Reeves-Velocidade-Máxima-de-ser surgir. Nem precisei fazer uma cena na qual cronometrasse os horários do coletivo para que só desfilasse minha costumeira simpatia em ambientes lotados dentro do veículo que ele estivesse dirigindo, pois não viram necessidade disso, de modo que posso ficar despreocupada porque ele não me faltará, se formos levar em conta que já entrei naquele ônibus algumas vezes e na metade delas ele estava no comando.

[Roteiristas da Televisa, talvez eu goste de vocês, entenderam?]

Outro dia o ônibus estava cheio e eu ouvia música distraidamente quando, no meio do caminho havia um celular com câmera, havia um celular com câmera no meio do caminho. No meio do caminho e a uma altura considerável que, no meu entender, me comprometeria em tempos de Youtube. E todo mundo aqui sabe que sou tímida. Pois bem. Tomei o celular da mão do sujeito, invoquei a falta de educação, o baixo nível de quem se presta a fazer aquilo com uma pessoa distraída que pensa no tanto de trabalho que está levando para casa e ameacei jogar o aparelho de encontro ao vidro. Falava tudo pausadamente e ninguém teria notado que estava colocando a criatura abaixo do subsolo se não fosse pelo fato dele se ajoelhar, implorando perdão porque o papai ia matá-lo se acontecesse alguma coisa com o celular novo.

Quando ia descendo do coletivo, motorista-com-um-jeito-Keanu-Reeves-de-ser falou qualquer coisa sobre eu ser meio brava que acabou sendo ofuscada pela edificante observação de que "moça, você precisa de um homem pra chamar de seu, mesmo que esse homem seja eu".

[Roteiristas da Televisa, cinema mudo, compreendem? Não coloquem frases na boca dele. Têm certeza de que não há nada de mais proveitoso para ele fazer ao invés de abrir a boca para falar? Homem falando ou utilizando qualquer outra forma que seja de manifestação de seus pensamentos não é uma prioridade na minha lista de desejos, atualmente. Estão me assustando desse jeito, ok?]

domingo, 3 de maio de 2009

[Renascer]

Há dois dias eu bati com o carro e, como na minha vida as coisas possuem dimensões grandiosas, não foi uma batidinha qualquer, mas uma coisa cinematográfica. Coisa cinematográfica envolvendo a atriz principal, um carro, uma estrada vergonhosamente esburacada e mal sinalizada, um buraco do tamanho do vazio que existe no meu peito, aquele barulho medonho de carro perdendo o controle, um abismo e... três homens num caminhão grandioso. Conseguiu imaginar? Aposto que não. A produção caprichou e tudo foi muito, muito pior do que minhas palavras poderiam expressar.

O volante me desobedeceu, entrei na contramão, a porta e o banco do carona acabaram-se e me vi capotando num abismo depois de ser arrastada pelo caminhão grandioso, enquanto o vidro da janela se estilhaçava naqueles milhões de pedaços ínfimos, quase invisíveis, sobre mim. Coisa triste de se ver, imagino. Coisa mais triste ainda de se sentir, eu garanto. Não capotei porque, tenho certeza, naqueles segundos que me separavam de estar viva ou morta, alguém lá em cima que deve gostar muito de mim, percebeu a tempo que ainda devo ter muitas provas para corrigir, muitos textos para postar e muitos surtos para dar. Alguém foi lá e freou por mim porque, sabe, tudo se passou tão depressa que eu só queria parar o veículo, mas não conseguia encontrar o freio. Eu só conseguia dizer "não", tentando domar o volante e pensar "estou morrendo". Mas frearam bonito. E eu estou aqui, toda clichê, sem dormir há duas noites e com a sensação de que estou andando numa corda bamba desde então.

O resultado foram milhões de cacos de vidro misturados no meu cabelo e agarrados na minha saia de tal forma que eu não conseguia sentar sem sentir aquela sensação de estar sendo cortada. Ah, e um galo na minha cabeça, que só descobri no dia seguinte. E, sim! Um descontrole emocional tão grande após o acidente que, segundo os que me socorreram disseram depois, precisavam a toda hora me tirar do meio da estrada, porque eu me afastava do abismo e caminhava para o meio da pista. Mas eu só queria sair de lá, entende? Queria ir para longe. Não queria água, não queria sentar, eu só queria ter a certeza de que não estava sangrando, de que não ia desmaiar e de que a Polícia Rodoviária não ia prolongar demais aquilo tudo. E me afastava. Para o meio da estrada, bem lunática. Em transe. Fora de mim.

Os coadjuvantes eram quatro anjos dentro de um Fiat Uno que pararam com o único objetivo de não me deixarem entrar em desespero. Duas irmãs fervorosamente apegadas a Deus. Uma delas, a mais calada, não conversava comigo, mas cantava e, segundo ela, fazia aquilo, bem baixinho, pedindo para que eu me acalmasse. A filha dela, uma menina especial, me estendia a mão e falava docemente, dizendo que eu ia ficar bem. A outra irmã, uma senhora calma e de voz mansa, ficou o tempo todo do meu lado. O motorista era um conhecido da família, um caminhoneiro de jeans surrado e uma corrente dourada no pescoço. Eu queria dizer que não fazia idéia de que os anjos poderiam ser tão instigantes num jeans velho e com um cordão reluzente, mas só fui me dar conta disso quando nos despedimos e ele sorriu ao meu ouvir dizer que era para tomar cuidado nas estradas da vida porque, né?, vai que ele encontra uma louca como eu, ao que ele respondeu que estaria com a vida ganha, se isso acontecesse.

Posso garantir que morrer em sei lá quantos - e, serão muitos, estou pressentindo - reais não é nada, se comparado à sensação de se ver morrendo. As pessoas não acreditam que escapei sem um arranhão e, ao contrário do que esperei, disseram que é assim mesmo, que só acontece com quem dirige, ao invés de questionarem se fiz ou não o que era certo. Fiz o que achava que era o certo no momento, assim como a médica diz que não preciso de calmantes a princípio, pois tem certeza que vou conseguir retomar o controle. Ela acha que isto é o certo, mesmo que eu diga que fecho os olhos e escuto a janela se estilhaçando sobre mim, mas só no ouvido direito, sabe?

Queria ser mais clichê, mas o fato é que brincava quando dizia que queria morrer, agora eu sei. Não sei quando esta sensação ruim vai passar, mas se adianta dizer alguma coisa, já dirigi outra vez. Não temi ligar o motor, não temi os buracos, nem as curvas. Só não queria que a vida ficasse colocando tantas provas de resistência para mim, só isso. Era brincadeira. Eu quero viver. Com sede, com fúria, à exaustão.

[Mas a corrente dourada e o jeans surrado que os anjos usam... olha, é qualquer coisa de valham-me os céus...]