terça-feira, 1 de setembro de 2009

[Despedidas]

Vem, anda. É agora que você aparece com as mãos nos bolsos e os lábios entreabertos quase deixando cair no chão de terra batida o estampido de um eu avisei com gosto de pólvora e vodka. Eu poderia tentar segurar as letras de um alfabeto incompleto e empurrá-las de volta para o céu da sua boca. Sim, eu poderia. Como naquela tarde em que você esperava alguma conjunção astral favorável para compor a música da sua vida e eu, distraída, tropecei nos degraus invisíveis do seu tórax nu e me deixei cair para dentro de você, lembra? Poderia sair engatinhando, catando minhas coisas, minha saliva, meus pensamentos, mas não, deixei tudo esparramado sobre você só para ter um motivo idiota que fosse para nos falarmos na fase seguinte da lua. E de fase em fase, depois de tantas mordidas em fronhas encharcadas de lágrimas, depois de tantos arranhões em discos repetidos, depois de tantos soluços sufocados no calor do meu sexo, é chegada a sua hora de me olhar na porra dos olhos e exclamar qualquer coisa que lhe dê a doce ilusão de que eu perco. Só que me perdi faz tempo. Eu me perdi em meio aos meus vômitos debaixo do chuveiro enquanto tentava acertar o ritmo da nossa canção, do mesmo jeito que meus desejos se perdiam com a água que levava tudo para o ralo: a minha voz rouca em meio ao barulho de buzinas e o meu tom seco em revide à sua impaciência, tudo, tudo para o ralo. Joguei para o fundo do meu armário de recordações todos os meus destemperos que, agora vejo, atrapalhavam suas pegadas e, mesmo não sendo o tipo de homem que gostasse de andar em linha reta, talvez você quisesse, uma vez que fosse, não precisar desviar dos meus lábios prostrados no meio do seu caminho. Seus desvios sempre terminavam em mim, aqui, bem dentro de mim. Então vem, anda. Estou esperando com a mesma calcinha que você queria guardar para si, com o mesmo perfume na minha nuca, com a mesma fome de quem come verbos intransitivos e escreve com batom vermelho metáforas no espelho embaçado do banheiro. Vem e não demora. Eu me ofereço à navalha que fez questão de afiar com seu melhor desdém só para te dar o gosto de se despejar em mim antes que eu desligue o telefone. E me desligue. Para sempre.

4 comentários:

  1. Ah, se fosse eu..

    [Só para ter o prazer de ter algo assim escrevo pra mim]

    ResponderExcluir
  2. ...sem palavras, muito bom mesmo!
    cara de verdade, essa é a primeira vez que nao concigo juntar as palavras corretas para comentar sobre um texto, estou imprecionado com tudo escrito aqui...

    ResponderExcluir
  3. Perla, ufa, fiquei chocado...Se alguém me desse um fora assim, neste nível, eu amarrararia um saco plástico na cabeça e agonizaria aos pouquinhos, sentindo o oxigênio virar monóxico, e morreria asfixiado, vendo minha vida passar em pequenos quadrinhos preto e branco. Dizem que é horrível e lento. Expectativas em uma relação podem ser diferentes, e quando um se entrega mais que o outro, a ruptura é questão de tempo. E deixa um gosto amargo na boca e uma sensação de estupidez que nos faz bater a cabeça na parede, de raiva de nós mesmos. E o tormento, por um certo tempo, é saber que a tal criatura não tem a mínima noção do que perdeu. Sim, razão e emoção quase sempre não combinam. Mas qual usar...na próxima vez?
    Beijos menina

    ResponderExcluir

[Suas Pegadas]