quinta-feira, 27 de agosto de 2009

[365]

Siga Aonde Vão Meus Pés completa, hoje, um ano de pegadas, surtos, desabafos, entrelinhas, venenos e boas intenções.

Reparamos - eu e meu cabelo universalmente tido como bom, eu e minha língua comprovadamente multiuso, eu e meus neurônios aparentemente em condições normais de temperatura e pressão, eu e meus botões desabotoados propositalmente - que meus pés estavam dormentes por estarem há tanto tempo na mesma posição.

Chegou a hora de um cruzar e descruzar de pernas...

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

["A Gente Não Quer Só Comida..."]

- Tia [P], você come?
- Como.
- Tudo?
- Aham.
- E quem você come todo?
- Quem? Não seria o que eu como?
- Não, tia [P]. Queria saber quem você come mesmo.
- ...
- Então você não é de nada.
- ...
- Diz que come mas não come ninguém.
- ...
- Peraí. Se não come, então você pode ser a comida???
- ...
- Mas se você é a comida, quem te come, tia [P]?
- De onde você tirou essas coisas?
- Escutei meu irmão falando que ia comer uma garota, só que a garota é muito feia, eu já vi a coitada. Então eu estava pensando que se você não estivesse comendo ninguém no momento e nem estivesse sendo comida, talvez meu irmão pudesse te comer.
- ...
- Depois que comesse a garota feia, tia [P].
- ...
- Já escutei meu irmão dizendo que você é sobremesa fina para ser comida primeiro com talheres e depois lambendo os beiços.
- ...
- E sobremesa a gente come depois do prato principal, né? Tomara que ele não tenha indigestão antes de chegar em você.
- ...
- Você gosta mesmo de talheres, tia [P]? Se precisar mesmo dos talheres, eu vou avisar, porque ele é desligado, você sabe.
- ...
- Tia [P], fala alguma coisa.
- ...
- Tia [P], por que ficou muda?

*Tia [P] pensando*

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*Tia [P] pensando. Ainda. Tia [P] pensa demais, quase sempre. Coisa lastimável.

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*Tia [P] fazendo esforço para sair do estado de choque*

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- Olha, algo me diz que faltam talher, beiço e talento para lidar com especiarias ao seu irmão, tá? E agora é a hora em que você some da minha frente, querida...

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

[Wonderland]

Ver meus parentes confabulando sobre minha idade é uma das coisas que mais me dão prazer nesta vida. Chocolate. Língua. Sorvete de morango. Divagações dos meus parentes sobre minha idade. Smooth. Cinco coisas que deixam a [P] em estado de graça, anote aí.

- Com quantos anos a [P] deve estar agora? - meu tio pergunta, como se não nos víssemos desde nossas últimas encarnações.
- Ah, ela deve estar com vinte e cinco, vinte e seis - responde minha madrinha.

[Veja bem: minha m.a.d.r.i.n.h.a não sabe a minha real idade, coisa mais meiga]

- Não, não... A [P] foi dama de honra do nosso casamento com quatro anos, não foi? Não temos quase isso de casados? - rebate meu tio.
- É mesmo!
- Então ela deve ter uns vinte e um, vinte e dois...

E é neste momento que eu apareço, interrompo a conversa e digo que está ótimo, que concordo com eles, só posso ter isso mesmo, nada mais nada menos e que fechamos em vinte e dois numa boa.

Como recompensa por ser uma boa menina e não questionar a minha verdadeira idade, Madrinha abre sua bolsa, diz que esteve num lugar onde se vendem roupas íntimas de qualidade a preços baixos e que, ora, havia lembrado de mim. Pensei comigo mesma se devia abrir o presente na frente de todos, porque não sou muito ortodoxa com relação a certas coisas e se de repente ela tivesse notado o meu gosto para coisas não muito ortodoxas, não é verdade?

Depois da insistência, abri, confundi a peça com um short e respondi que era tão... tão... tão... grande, para espanto geral dos que viam a imagem de mocinha pudica se desmanchar antes da partida de futebol que os homens da família tanto haviam se esmerado em organizar. Eu me senti mal, né? Estraguei o espírito animado de todos antes mesmo do jogo começar. Como os homens da família que até então me desenhavam envolta em nuvenzinhas celestiais trajando um vestidinho de motivos florais iriam se concentrar e correr atrás da bola direito, não? Tentei consertar dizendo que ainda bem que tem aquele wonderland escrito na calcinha, porque se não fosse aquilo eu não teria como usar, mas aquele wonderland é t.u.d.o., que sempre desejei sair com uma calcinha onde se lê wonderland, que isso deve dar uma sensação descomunal de prazer àquele que for deslizar suas mãos pela minhas pernas e dar de cara com um wonderland cobrindo minhas partes íntimas e blabláblá.

[É excelente a aptidão que manifesto ao tentar consertar minhas próprias confusões, reparemos bem]

Eles entenderam. Todos entenderam. Todos menos eu, que me pergunto como, céus, como faço parte desta família? Mas meu tio ficou feliz por ser bom em Matemática, Madrinha ficou feliz porque elogiei a calcinha wonderland, eu fiquei feliz por mais uma encenação de êxito na minha vida, as vendedoras ficam felizes por ganharem comissão sobre os vestidos que meus vinte e dois anos me permitem usar e os meninos ficam felizes por me verem rindo das suas abordagens estapafúrdias. Um mundo feliz ao meu redor, no final das contas...

terça-feira, 4 de agosto de 2009

[Escândalo]

Escandalizei geral.

Quando todos esperavam que eu berrasse imprompérios a esmo, xingasse ao extremo, quebrasse o vidro de alguma janela com uma mão raivosa, pisasse na pata de algum gato distraído só pelo prazer de ganhar cinco doses de vacina, adotasse a clausura e a escuridão do meu eu intrínseco como meu mais novo lar, gastasse o dinheiro que tenho e que não tenho com roupas feitas somente para mim e cujas etiquetas trazem escrito o meu lindo nome, bebesse baldes de álcool sozinha ou acompanhada, escrevesse tratados extensos sobre como os homens são ou deixam de ser, sobre como eles agem ou deixam de agir, sobre como eles desejam e batem cabeça tentando fazer da forma que julgam ser a mais correta, sobre como eles te pegam, te jogam na parede ou sobre uma cama, te chamam de lagartixa e fazem de você uma lagartixa às vezes feliz, às vezes infeliz...

Eu vou lá e escandalizo bonito.

Entro numa loja grande, me perco no meio das possibilidades diante dos meus olhos, escolho algumas coisas e saio de lá com toalhas, linhas, rendas, fitas, revistas e mostro a todos, extasiada, o tipo de letra que escolhi e as cores das linhas que usarei para bordar meu nome naquele pedaço de pano que vai secar meu corpo nu, em breve. Dá até vontade de mostrar. A toalha, não meu corpo nu. Quase tenho um orgasmo de satisfação, precisa ver!

Agora passo o tempo extra de férias que ganhei me dedicando totalmente ao meu ócio produtivo, em poses cândidas e pensamentos absortos. Virei praticamente uma pintura de mulher inocente e seu bordadinho singelo, realize a cena.

As pessoas não me entendem. Acham que há alguma coisa errada comigo, que tudo bem que sou prendada e tal, mas que não é assim, está errado, onde estão as reações desconexas em cadeia, os rompantes e as atitudes que me fazem ser tão eu? Bando de insensíveis, viu?