Tudo começou quando você me pediu para que eu não escrevesse mais sobre nós dois. Era uma noite sem luar e na rádio da casa da vizinha, do outro lado da rua, tocava qualquer coisa brega demais para impulsionar meu ímpeto radical de desobediência. Naquela noite eu tinha decidido mudar. E obedecer. Tentaria roteiros lacrimejantes, histórias de comercial de margarina, chutes meteorológicos ou previsões para nossos signos baseadas unicamente na minha vontade de trepar com você. Tudo, menos nós dois. O tombo que levei ao tropeçar no tapete daquela sala lotada. Acho que até viram minha lingerie. Os palavrões que escapuliram da minha boca quando o motorista de um ônibus ameaçou ensopar minha roupa com a lama de uma poça qualquer na manhã seguinte ao seu eu não quero mais. Tudo, menos nós dois. Comecei a rabiscar as besteiras dos dias insólitos em papéis de pão, na contracapa dos nossos livros, distraidamente na minha mesa, nos cadernos alheios e no espelho do banheiro.
Foi quando me dei conta de que a ausência de minhas cores me consumia e que o excesso de bobagens espalhadas pelo chão do apartamento vazio estava me sufocando. Juro, eu juro que tentei encontrar os pedaços das letras ingênuas e obedientes que escrevi, envoltas em nuvenzinhas e corações despretensiosos, só que eles se perderam, talvez misturados à lembrança do seu suspiro que, eu também juro, ainda ecoa pelas paredes. Mas também não faz mal. Porque se eram sobre tudo, menos nós dois, não tinham grande importância: o tombo que não existiu, os palavrões que não falei, as previsões que errei e as lágrimas que fiz a mocinha derramar no dia em que fugiu com o herói da história.
Preciso confessar. Regredi. Sou uma fraca. Uma covarde. Uma submissa das entrelinhas. Você não sabe, mas te escrevo às escondidas os textos mais escandalosos que consigo parir. É meu vício. Sou dependente do ato de dar à luz meus anseios em forma de palavras. É, eu sei. Havia prometido parar, mas é mais forte. E como se não bastasse escrever, um belo dia decidi que precisava compartilhar.
Agora faço assim: escrevo entre sangue e placenta, entre sorrisos e lágrimas, escondo meus versos na minha bolsa como se estivesse enrolando-os numa manta e os carrego, sorrateiramente, para meu armário. Espero o momento ideal, colo a folha rabiscada do lado de dentro da porta e mostro os nossos textos para as meninas que não sabem esconder o tom vermelho dos seus rostos quando lêem o que gostariam de dizer.
Foi assim que entrei para o submundo dos textos. Cada vez que os mostro, aparece uma dizendo que precisa entregar aquelas linhas para alguém, com aspas e citando a autora, claro. Imagine, nossos textos! Em troca de vodka, piadas, waffer de chocolate e sorvete de morango. Acho que já desfizemos casamentos, humilhamos ao extremo e, em maior escala, provocamos orgasmos por aí.
Estou pensando numa especialização às pressas. Quero ajudar a trazer a pessoa amada em poucos dias. Não você. A pessoa amada de outras pessoas. Portanto, esqueça o pedido de perdão que me fez com a voz rouca naquela tarde ensolarada. Estou ocupada demais me mostrando a quem está disposto a me despir letra por letra, no meio dos textos que fiz só para você.