sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

[Derramado*]

O nome dele se espalha sobre mim. A cada página virada de um livro, está lá, nas entrelinhas. No lençol amarrotado de nós dois, ele se espalha. Nas esquinas que dobro enquanto tropeço nos paralelepípedos, sinto o nome dele se espalhando sobre mim. Mesmo quando os dias estão cinzas, ele se espalha sobre minha sombra escondida. Ele se espalha sobre as canções que ouço, de olhos fechados. Sobre as legendas das histórias que só fazem falar de nós dois. O nome dele se espalha enquanto uso o perfume que deixa marcas na sua pele. Ele se espalha na minha imagem refletida no espelho. Nos bolsos onde guardo minhas mãos que não querem outras mãos para se entrelaçarem, sinto que ele se espalha sobre mim.

O nome dele se espalha nas folhas dos meus cadernos, entre uma linha e todas as outras, porque é só o seu nome que escrevo, mesmo quando não escrevo nada. Ele, inteiro, se espalha, junto com seus dedos e suas digitais, sobre meu corpo nu. Ele se espalha entre os fios do meu cabelo desalinhado e se esconde nas minhas curvas, para depois aparecer espalhando sua língua pelo meu ventre, no meio das minhas pernas e por tudo o que fica de nós dois. O nome dele se espalha, leve como a brisa, pelo ar que eu respiro. Ele se espalha, doce como as coisas desejadas e inacabadas, derramando as frases que me fazem sorrir. Ele se espalha ao infinito. Até onde não posso enxergar, o nome dele se espalha, sobre mim.


[*sobre mim, e sobre os dias de 2012 que virão]

domingo, 25 de dezembro de 2011

[Escadas]

Noel, quero te contar sobre a minha escada.

Olho para o alto e vejo a minha escada. Cada um tem a sua própria escada, eis minha teoria. Devemos subir nossas escadas sem esbarrar na escada do colega ao lado, muito menos utilizar os degraus alheios para diminuir nossa subida. Eu tinha um casal de vizinhos.

[Eu sei, Noel. O que um casal de vizinhos tem a ver com minha teoria sobre escadas?]

Então. Um casal de vizinhos que se tornarm ex-vizinhos porque viraram ex um do outro. Murphy ali, coladinho comigo, deu aquela força na hora da partilha dos bens do ex-casal: ele, professor de Educação Física, ficou com o carro. Ela, também professora, com a casa, de modo que só tenho a agradecer a Murphy pelo seu empenho em manter próximo a mim uma pessoa que aboli do meu círculo de oi-bom-dia-tudo-bom-mas-que-calor há tempos, muito antes do fim do casamento, por motivos que não importam no momento. Valeu, Murphy.

*piscadinha irônica*

Quando ainda estavam juntos, eu via a minha escada e a dita esposa chegando da rua na companhia de um rapaz, aparentemente mais novo do que ela e o seu então marido. Achava um tanto quanto esquisito que ela necessitasse de companhia para um trajeto que conhecia muito bem mas, tendo ali na minha frente a minha própria escada para subir, me fazia de cega.

Juro que não fui eu, Noel. Juro mesmo. O casamento acabou com grande estardalhaço virtual da parte do ex-vizinho e até hoje não sei como ele ficou sabendo que sua amada curtia muito mais a companhia de um aluno - ah, essa coisa chamada fetiche, hein? - do que a dele. O tempo passou. Pouquíssimo tempo, diga-se de passagem. Aquela que nem considero mais vizinha assumiu, então, o namoro com o rapaz. Quando vi os dois passando juntos do outro lado da rua, me desequilibrei e quase caí da minha escada porque, imagine só, lá estava Murphy me mostrando o cidadão que lembra muito, do tipo lembra DEMAIS, meu ex. 

[Não sei qual é a de Murphy, Noel. Não sei o que ele ganha me fazendo passar por determinados constrangimentos. Alguém tem que ver isso aí]

Bom. Vida que se segue. Escada que se sobe, certo? Errado. Estacionei por uns dois dias e perdi alguns degraus que poderia ter subido elegantemente. Achei muito injusta esta minha vida de pessoa obrigada a lidar com um ex que me sacaneou, transfigurado em forma de namoradinho de uma vizinha que derrubou o próprio marido da escada. Ex sacana. Vizinha sacana. E um namorado de vizinha sacana de categoria igualmente duvidosa - afinal, que tipo de sujeito se prestaria a levantar suspeitas na porta da casa de uma pessoa casada, correndo o risco de levar, sei lá, um tiro? Uma grande sacanagem, no final das contas. Sacanagem, Murphy.

*apontando o dedo para Murphy*

"Você está é com inveja", cheguei a escutar. Sério, me disseram isso, Noel. Agora, olha para mim. Não, Noel. Olha direito, vai. Pareço alguém que sentiria inveja de uma mulher que ornamentou a cabeça do marido escolhendo, para tanto, um garoto inconsequente o bastante para não pensar nos riscos que ambos estariam correndo? E mais: um garoto parecido com um ex? "Inveja" não é a palavra que cabe aqui. De jeito nenhum. Porém, o fato de estacionar na minha própria escada, me perguntando por que, por que isso, Murphy? realmente estava me incomodando, não posso negar.

Muita terapia, um pouco de meditação, um empurrão nos meus neurônios estacionados e o tempo - ah, o tempo - me fizeram olhar para o alto e focar na minha escada. Pronto, só isso bastou. As coisas foram acontecendo naturalmente e os degraus tornaram-se menos cansativos. Ia subindo lépida e faceira, tomando conta da minha escada para que algumas criaturas indesejáveis não conseguissem atrapalhar a minha subida quando, um dia, entre um degrau e outro - igualmente com grande estardalhaço no mundo virtual -, fico sabendo que meu ex-vizinho está namorando.

Acho ótimo. Acho válido que toda fila ande e toda catraca, gire. A nova namorada do ex-vizinho, entretanto, é uma assassina. Mata, a cada oração que escreve, a Gramática. Para as mais sensíveis como eu, dói, dói muito ver tanto sangue derramado. Visualiza o sangue de um h no lugar errado, de um plural inexistente ou de um x usado como se não houvesse amanhã, Noel. Desnecessária, a atual namorada do ex-vizinho. Não sei se eu conseguiria transar com um assassino de tal naipe - ok, desci um degrau pela minha descompostura em insinuar que um PROFESSOR que foi casado com uma PROFESSORA só esteja com uma assassina da Gramática para, enfim, você sabe.

Não só me dei conta, toda tristinha, de que o ex-vizinho desceu um bocado de degraus como, para meu espanto, notei que sua ex-mulher também optou - esta sim, cheia de inveja - por descer, ao invés de subir. Seu atual namorado, cuja aparência só é do jeito que é para me lembrar que havia um tempo em que eu vivia um sentimento quase infantil eu poderia continuar derrapando na escada da minha vida, também demonstra ser uma espécie peculiar de homo sapiens sapiens. De cada dez palavras que o sujeito diz, onze são palavrões que não concordam entre si nem em gênero, número ou grau. Só posso concluir que ele guarda uma semelhança com o corpo físico do meu ex para me mostrar que... descer? Não, obrigada.

Olho para o alto e vejo a minha escada. Cada um tem a sua própria escada, eis minha teoria. Devemos subir nossas escadas sem esbarrar na escada do colega ao lado, muito menos utilizar os degraus alheios para diminuir nossa subida. Minha teoria também diz que não temos nada a ver com andamento das escadas dos vizinhos. A não ser que este andamento me atinja de alguma forma, o que tenho que fazer é olhar para cima. E subir. Eu me permito relaxar, me permito cansar. Eu me permito trocar as pernas e atrasar meus passos. Eu me permito bancar a espertinha, tentando subir dois degraus de uma vez - sou ansiosa, entende, Noel? Eu até me permito errar - se estou subindo de maneira equivocada, nada me impede de acertar no próximo movimento, não é?

Há apenas uma coisa que não me permito: descer. Desço quando isto me é imposto, quando não há outro jeito, quando preciso passar por algo que irá me ajudar mais lá em cima. Agora, descer por livre e espontânea escolha, não. Desculpa aí se sou exigente demais ou se só consigo estar com alguém que possa caminhar no mesmo compasso dos meus pés. Então, Noel, já que meu negócio é subir escada, eu só quero a minha enfeitada com coisas boas e bonitas que, eu sei, você tem de sobra guardada aí, dentro do seu saco. Eu só quero poder subir meus degraus enfeitados de coisas alegres em paz.

[Não estou pedindo muito, estou? Você tem que levar um papo com esse tal de Murphy, Noel. Sei lá, mostre a minha carta, explique que no fundo, b.e.m lá no fundo, sou uma boa moça ou ameace falar com seus superiores. É só uma escada, você consegue, Noel...]

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

[Amigo Oculto]

Tenho a ligeira impressão de que sou a dona do nome que todo mundo quer ler no papel que escolhe na hora do amigo oculto de final de ano, lá no trabalho. Acho que, automaticamente, quando a pessoa lê "[P]" no papel, toda a sua alma vibra porque, ora bolas, um "[P]" só pode significar uma coisa neste mundo: lingerie. Não causo transtornos. Não provoco grandes divagações. Não dou trabalho. Não sou difícil. Quem diz isso só pode ser alguém desequilibrado, portanto. 
 
Entretanto, sem querer ser estraga prazer, até porque, com tanta lingerie, o que mais posso proporcionar é prazer, gostaria de salientar que, além de aumentar minha coleção de peças íntimas, eu também usaria, feliz da vida: maquiagem, perfume, livro, anel de brilhante, bolsa, chocolate, algemas, passagem aérea, chantilly e, quem sabe, em último caso, lingerie - mas só em último caso, se é que me entendem...

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

[Raios]

Sonhei que fazia parte de um bando de seres que hipnotizavam pessoas através de raios fluorescentes - raios estes que, partindo de seus olhos, atingiam em cheio o alvo escolhido.

A cor do meu raio não me agradava. Era azul.

Exigi falar com meu superior. Argumentei que, além de ser uma cor que não me favorece, não fazia sentido meus olhos dispararem raios azuis quando utilizo muito mais a caneta vermelha do que qualquer outra cor na minha vida.

[Toda trabalhada na neurose de notas e médias, inclusive em sonhos]

Diante da negativa do chefe em mudar a cor do meu raio, ameacei iniciar uma greve pelo direito nato que todo ser humano - e não humano também, por que não? - tem de manifestar seu pensamento e sua discordância para com as cores dos seus raios, dos seus cabelos, das suas unhas, enfim.

Acho que eu era uma criatura com mega poder de aglomeração de funcionários descontentes, pois foi só ameaçar juntar a galera insatisfeita com seus raios fluorescentes que o chefe resolveu meu problema. Ganhei raios vermelhos.

De posse deles, comecei a me perguntar quem seria a primeira vítima que iria matar.

[Não expliquei que, uma vez hipnotizado, o ser atingido partia para um outro plano, né?]

Lembro que num espaço muito curto de tempo ia esbarrando em todas as pessoas que queria afastar da minha vida. Não precisaria de um raio, entende? Só sumir da minha frente e pronto. Então, todas iam passando por mim e eu não usava o raio com nenhuma delas.

De repente me vi sozinha, num campo lindo, cheio de flores azuis - ah, o azul! -, com meu vestido de camponesa esvoaçante e pés descalços. Quando olhei para meus pés, resolvi que ia lançar meu raio sobre eles.

Lancei.

Sim, hipnotizei a mim mesma.

O resto todo mundo já sabe.

Fim.

domingo, 11 de dezembro de 2011

[Fome]

de: Grâ 
para: "[P] G!"
data: 5 de dezembro de 2011 12:43
assunto: Fome

fome
[Do lat. fame.]
Substantivo feminino
1. Grande apetite; urgência de alimento.
2. Subalimentação (1).
3. Falta do necessário; penúria, miséria.
4. Situação de míngua ou escassez de víveres.

Não poderia dizer que tudo o que já perdi não me assombra, normalmente à noite, sempre no frio.
Não poderia não compartilhar de sua dor, já que ainda me ressinto de passos que se afastam, olhares que desviam, palavras que não voltam.
Não te deixaria sozinha, na vastidão do mundo das oportunidades derramadas. Mas sabe, algumas coisas inexistem na ausência de um outro, elas pré-requerem um cúmplice e somem na presença dos farsantes, não sendo nunca afetadas, nunca feridas - inocência, confiança, crença, esperança -, nunca são perdidas; o que se fere, afeta e se perde é a coragem.

Quanto à fome... tenho fome de tudo, a começar por "meninas-espirituosas".

[Dele]

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

["Você Tem Fome De Que?"]

Este post não é para contar como eu, funcionária pública do Governo do meu Estado que sou, fui obrigatoriamente convocada a mofar por d.u.a.s h.o.r.a.s esperando por um atendimento que, imagine só, nem havia solicitado. Este post não é para mencionar que foram d.u.a.s h.o.r.a.s regadas a picolés, bolinhos, água gelada, chás, café, brindes e a prova de que sim, deus existe. Também não é para explicar que deus se fez presente no instante em que, já possuída por uma força não muito sociável, pensei: deus, se você existe m.e.s.m.o, a hora é essa, hein? depois desse tempo todo esperando, olha lá quem irá me atender, tá?  e, abracadabra!, alguém foi enviado diretamente do Olimpo. Não quero contar, neste post, que o  enviado do Olimpo disse que o banco tinha uma quantia considerável à minha disposição e que fui abrindo minha bolsa e perguntando se ele ia pegar a grana e colocar lá dentro para mim. Veja bem, não quero dizer que - adivinha? - o moço me achou deveras espirituosa e, mesmo assim, tive que recusar a oferta, alegando que mereço mais, muito mais, poxa vida. Quero deixar claro que, embora pareça, não pretendo, de jeito nenhum, contar que já não tinha mais paciência para nada e não via a hora de sair daquele lugar.

Na verdade, este post é para contar que, depois de tudo isto, tive a fantástica ideia de entrar no Rei do Mate. Para que? Seria fome, mesmo depois de tantas guloseimas? Nunca saberemos. O fato é que entrei. Pedi um croissant de frango com requeijão. A moça disse que não tinha mais, que o último fora vendido para uma outra mulher e fez questão de me mostrar a outra mulher comendo o meu croissant. Levei alguns instantes para processar aquela cena e, em seguida, me ver chorando pelo croissant perdido. Pelo tempo perdido. Pelo cansaço. Pela inocência perdida. Pela confiança perdida. Pela capacidade de acreditar no outro, também perdida. Por tudo o que fui perdendo pelo caminho até aquele ponto da minha vida, no balcão do Rei do Mate, exausta, chorando por um croissant perdido. Este post é para contar como depositei toda uma carga emocional naquele croissant, como as pessoas acreditaram que era ele o grande motivo das minhas lágrimas e como se compadeceram da pobre menina faminta - oferecendo outros salgados, inclusive. Só que, você sabe, não dava para substituir o meu croissant por um outro salgado qualquer. Minha fome era de tudo o que havia perdido e, naquele momento, o tudo estava no croissant que se desmanchava na boca de outra pessoa. Outra pessoa, que ironia. Fico me perguntando quantos croissant de frango com requeijão vou ter que perder até compreender qual é o propósito a que estou sendo submetida. Deve haver um propósito. Sim, deve.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

["Todas Elas Juntas Num Só Ser"]

Tínhamos programado uma festa de despedida com toda a turma, antes que a galera começasse a debandar depois da entrega dos resultados. Despedida da turma - no seu último ano - entre si e minha despedida deles. Na verdade, a ideia da festa surgiu lá nos idos de agosto e ficou adormecida por meses, até que fui informada - apenas isto, apenas informada - sobre dia e hora de sua realização há pouco tempo.

Não pensei muito nas consequências de uma festa particular, somente nossa, porque se tratava de gente com quem convivi por pelo menos três anos, gente madura, gente sensata, gente bacana, gente bem humorada, gente entendedora de limites, enfim, de gente que está com um pé na universidade e, poxa, eu também queria uma despedida para guardar de recordação.

Tudo transcorria muito bem, até que uma mocinha começou a relembrar certos momentos que passamos juntos. Buscou do fundo do seu útero uma ocasião em que, logo no começo do ano, conversamos sobre nossos medos, nossos sonhos, nossos desafios, nossas preferências. Para minha surpresa, ela pegou uma folha e saiu perguntando a todos - sentados ao meu redor - se estavam lembrados das respostas que haviam dado no quesito "uma música". Todos acertaram, lógico. Indignada e me sentindo excluída do negócio, questionei se não tinham esquecido de mim, pois eu havia participado da dinâmica junto com eles. Eles riram. Veja só: eles não só riram, como duvidaram que eu fosse capaz de lembrar minha própria resposta! Audácia, é o nome disso. Eu? Esta pessoa dona de uma memória desgraçadamente congestionada de coisas que gostaria de esquecer? Não lembrar de uma resposta dada em fevereiro? 

- Vamos, [P], não precisa ficar constrangida, nós vamos te ajudar a lembrar - disse um menino, enquanto um violão surgia do nada - para mim foi do além, sim - e todos se colocavam no que parecia ser uma posição ensaiada, na minha frente. 

E aí, cara, eu chorei. Chorei antes que eles abrissem a boca e começassem a cantar. Chorei porque em fevereiro eu havia dito que, se um dia alguém cantasse aquela música para mim, eu teria um orgasmo sentimental. Chorei porque decoraram. Chorei porque haviam ensaiado. Chorei pensando no tempo que levaram para se reunirem. Chorei pensando em quantos beijos deixaram de dar porque estavam ensaiando uma canção para mim. Chorei porque a manhã estava linda e meu coração é de manteiga. Chorei porque, meu deus do céu, muitos estavam chorando também. Chorei porque, na verdade, eu queria ter mais chances de poder chorar junto com eles, mas aquela era a última, eu sabia. Chorei porque eram todos juntos, em mim. Aqui, do lado esquerdo.


[Depois de tanto chorar - enquanto todos aguardavam aquele momento em que muito mal eu conseguiria soluçar um brigada, pessoas -, o que fiz foi quebrar o protocolo, abrir minha boca e dizer puta que pariu, gente, isso não se faz, tá?]

sábado, 19 de novembro de 2011

[Das Feridas]

Numa certa ocasião eu citei uma frase e me pediram para que a repetisse, pois queriam anotar para a vida. A frase é: "não há nada tão ruim que não possa ficar pior." Desde então, quando reclamam de alguma coisa, imediatamente pergunto do que estão reclamando, explicando que sim, eu ainda posso piorar. E muito. Todos me entendem. Não pioro mais nada. E vida que se segue.

Uma vez, me feriram.

ferir v.t.d. 1. Fazer ferida(s) em. 2. Cortar, fender. 3. Tocar, tanger. 4. Ofender. 5. Causar impressão em (olhos, orelhas). 6. Prejudicar ou contrariar (interesses, princípios, etc.). 7. Atritar: ferir a  pedra. 8. Produzir ferimento(s) em si mesmo. 9. Melindrar-se.

Na vez seguinte, me dilaceraram.

dilacerar v.t.d. 1. Rasgar em pedaços. 2. Afligir muito, torturar. 3. Ferir-se; espedaçar-se. di.la.ce.ra.ção sf.; di.la.ce.ran.te adj2g.

Há uma frase que, faz um tempo, anotei para a vida. A frase é: "não há nada tão ruim que não possa ficar pior." Desde então, não costumo reclamar demais - estou me referindo a determinados tipos de situações, é óbvio - porque sei que sim, podem piorar. E muito. Ninguém, porém, me entende. Vão piorando a porra toda. E vida que se segue.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

[Como Conseguir Coligados Em Cinco Atos]

Cena 1:

Depois de uma encenação digna de Oscar - e de um Diazepam porque, né?, a pessoa consegue se divertir mesmo quando está fingindo ser sociável -, todos os presentes fazem questão de cumprimentar as organizadoras do evento. 

[Aliás, precisando de uma pessoa que invente brincadeiras libidinosas que te farão querer cavar um buraco no cimento para esconder a cara vermelha, estamos aí]

Cena 2:

A noiva - não aguento mais escrever essa palavra; por que esta senhora não casou ainda, não é verdade? -, inclusive, fez questão de me agradecer pessoalmente. Tudo bem, o esforço pelas empadas valeu a pena de nada, fofa. Depois, fez questão de se desculpar pelos acontecimentos passados que fizeram com que nos distanciássemos cada vez mais, de modo que ela se tornou só mais uma pessoa com quem troco boa tarde, por educação. Disse que hoje em dia podíamos ser amigas e... opa, não não não, minha senhora, aí não, né? Não poderíamos ser amigas por um motivo muito simples: nunca quis, não quero e nunca vou querer você como amiga, porque a sua pessoa não serve para integrar meu círculo de amizade.

Cena 3:

As pessoas acham graça e pensam que continuo encenando, dizendo ui, que espirituosa, ai, como ela é engraçada, óun, só a [P] mesmo. Ameaço pegar uma caneta e desenhar a linha tênue que divide minha faceta atriz da faceta descompensada que não consegue manter a boca fechada e sai vomitando o que pensa, sem se importar se vai manchar o tapete vermelho do recinto, entende? Em vez disso, para evitar a fadiga, junto meus pertences e vou embora.

Cena 4:

No dia seguinte, quando encontro as amigas que incorporaram as organizadoras de eventos, chás e vexames juntamente com esta que vos escreve, fico sabendo que aquelas santas pessoas que se divertiram às custas de nossa magnífica vocação para provocar constrangimentos, andam espalhando que tudo não passou de uma tática para chegarmos ao posto mais alto que podemos alcançar: a Direção. Na verdade, toda aquela encenação por causa dos comes e bebes brincadeira não teria passado de um articulado plano de campanha para conseguirmos chegar onde, de fato, queremos. Ou seja.

Cena 5:

Gente, como assim? Olha para a minha cara e vê bem se quero muitomuitomuito ser Diretora - é o que respondo. Constato que as pessoas continuam achando que estou encenando e fingindo ser dona de uma falsa modéstia. Mais incrível ainda é receber nas minhas mãos uma lista nominal daqueles que votariam com certeza numa chapa composta por três mulheres que nada mais fizeram do que animar um bando de mal amadas, mal comidas e mal humoradas. Assim. Não ganhei o Oscar, mas muitos coligados. Não sei o que fazer com coligados. Não que eu soubesse o que faria com uma estatueta. Enfim.

Não sei se cabe dizer que, quando Diretor jogou um cargo de Coordenadora para 2012 no meu colo, enaltecendo minhas qualidades natas do naipe de questionar, discordar, brigar e mandar - não deixando espaço para que nenhuma outra pessoa ousasse dizer peraí, eu queria ser Coordenadora também -, eu aceitei. Direção, não. Coordenação, tudo bem. Não consigo coordenar meus movimentos quando quero esganar alguém, nem tampouco consigo coordenar minhas lagriminhas para que elas se escondam num canto, à espera do momento ideal para rolarem rosto abaixo, mas tudo bem.

[Será que meu plano é começar coordenando e terminar dirigindo? Não sei, preciso ter uma conversinha séria comigo mesma - ainda que toda trabalhada na bipolaridade, claro]

terça-feira, 8 de novembro de 2011

[Como Comprar A [P] Em Cinco Atos]

Cena 1:

Antes de ir trabalhar, comento com a moça que trabalha na minha casa: "Sabe que hoje não estou num dos meus melhores dias? Não estou de bom humor para participar de nenhum tipo de Chá. Nem de Panela, nem de Lingerie, nem de erva cidreira. É até provável que eu diga que não tive tempo de comprar nada para aquela mulherzinha. É isso. Talvez eu pegue o que comprei e dê para outra pessoa."

Cena 2:

Chegando no trabalho, percebo que um carro parecido com o da tal mulher de quarenta anos que irá trocar alianças em breve está indo para o estacionamento, logo na minha frente. Dou uma olhada na placa - sim, eu sei de cor algumas placas aí - e constato que minha esperança de comemorar a ausência da criatura no seu próprio Chá foi por água abaixo.

Cena 3:

Faço uma ligação, ainda dentro do meu carro, que me dá tempo suficiente para criar aquela distância de segurança entre nós duas, de modo que a vejo estacionar longe, bem longe de mim.

Cena 4:

Olho o relógio e percebo que tenho mesmo que ir. Ao avistar o carro da noiva, noto que as portas estão abertas e ela, um tanto quanto enrolada com algo que, a princípio, não identifiquei. Quando me aproximo, porém, um oásis em forma de Coca Zero, salgadinhos, bolo e empadinhas surge na minha frente.

Cena 5:

Imediatamente meu sentido aguçado de caridade me faz perguntar se ela quer ajuda. A pessoa me entrega a vasilha onde estão as suculentas empadas. Veja bem: eu poderia dar uma discreta meia volta, tomar o rumo do meu carro e me entupir de empadinhas. Poderia, também, deixar a vasilha cair - sem querer, claro. Não fiz nada disso. Pelo contrário: ajudei a organizar a brincadeira, usei meu próprio batom para pintar a criatura a cada erro que cometia - ah, vai, não sou santa, né? fiz questão de pintá-la - e ocupei um dos postos de mais animada do Chá da dita cuja. Que desprendimento, o meu. Que demonstração explícita de amor ao próximo. Que exemplo de superação, da minha parte. Que empadas deliciosas, gente.

[Uma plaquinha, consegue ver? Nela está escrito "Vendida Por Algumas Empadas". É o que estou segurando, de frente para o público, antes que as cortinas se fechem e eu receba meus merecidos aplausos]

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

[Desorientadas]

Engraçadinho tentou enganar a mim e duas amigas do meu bando. Chamamos sua atenção e, como punição para a brincadeira que poderia ter sérias consequências, decidimos que ele não ia mais participar da atividade que estava sendo feita.

Minutos depois, [des]Orientadora 1 se aproxima e diz que a [des]Orientadora 2 pediu para dizer que Engraçadinho ia participar da atividade, sim. Minhas reações foram:

a) (  ) pensar mas que cacete, qual parte da punição estas abençoadas não entenderam?
b) (  ) explicar que ele estava sendo punido e, portanto, não ia participar de coisa alguma;
c) (  ) dizer comigo ele não vai m.e.s.m.o;
d) (x) todas as alternativas anteriores.

Segue o diálogo entre as coleguinhas desorientadas:

- Olha, elas estão dizendo que ele não vai participar - diz a [des]Orientadora 1.
- Mas se a família dele já foi avisada, qual o problema? Ele pode ir sim - responde a [des]Orientadora 2.
- O fato da família ter sido avisada não anula o fato de que Engraçadinho precisa ser punido - reclamei.
- É... - balbucia [des]Orientadora 1.
- É... - concorda [des]Orientadora 2.
- Você falou com a família dele? - pergunta [des]Orientadora 1 para [des]Orientadora 2.
- Eu não... não foi você quem avisou? Você não disse que ligou para o pai? - quis saber [des]Orientadora 2.
- Sim, eu avisei, sim - responde [des]Orientadora 1.
- Com quem você falou? Foi com o pai ou a mãe? - perguntou [des]Orientadora 2.
- É, pessoa, com quem você falou? - até eu quis saber.
- Eu avisei, sim. Liguei para a casa e ninguém atendeu; no celular só entra a caixa postal - [des]Orientadora 1 respondeu.

*pausa para o processamento desta informação*










Ok, de novo:

- É, pessoa, com quem você falou? - até eu quis saber.
- Eu avisei, sim. Liguei para a casa e ninguém atendeu; no celular só entra a caixa postal - [des]Orientadora 1 respondeu.
- Conta para todas nós com qual entidade você falou, hein? Sim, porque com os responsáveis é que não foi, né, sua retardada, fofa? - tentei segurar dentro da minha boca, mas acabou escapulindo.

[É com isto que eu sou obrigada a lidar. Este é o meu clube, Brasil. Depois querem que eu seja normalzinha]

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

[Chá]

Uma senhora moça de quarenta anos lá do trabalho está com o casamento marcado para o próximo mês. Tivemos um sério desentendimento tempos atrás mas, como mulheres fingidas maduras e bem resolvidas que somos, não pedimos demissão e seguimos naquela guerra fria bonita de se ver. 

Entretanto, uma amiga muito fofa e caridosa, percebendo que os últimos dias de solteira da dita cuja estavam passando em branco, resolveu fazer um Chá de Lingerie e um Chá de Panela que, evidentemente, será muito mais engraçado para os presentes do que para uma pessoa evangélica ao extremo e que disse vestir "tamanho P", mas não, de jeito nenhum, não aquele P que eu costumo usar que quase não dá para se ver, de TÃO P, e sim um tamanho P cabível no seu pequeno corpo de senhora de quarenta anos pessoa verdadeiramente cheia dos pudores.

Embora os meninos tenham pedido para presenciarem o desfile de lingerie que nem sabemos se irá mesmo acontecer - os pudores, ah, os pudores! -, ficou estabelecido que, para eles, o Chá de Panela está de muito bom tamanho. Segregação. É o nome que se encaixa aqui, eu acho.

Por que, né? Por que, gente?

Já pedi peloamordedeus para participar do Chá de Panela, alegando ter um gosto horroroso para escolher lingerie. Já falei que, peloamordedeus, sou uma mocinha muito tímida e, como tal, acabaria estragando a brincadeira descontraída da mulherada, tamanha seria a minha tensão diante de tantas peças íntimas. Achando que se partisse para a ignorância conseguiria ser ouvida, implorei peloamordedeus que tirassem do meu alcance a possibilidade de mostrar toda a minha veia vingativa de pessoa nascida sob o signo de escorpião, uma coisa meio incontrolável, uns olhinhos piscando freneticamente no compasso de um pensamento macabro que se repete à minha revelia: "demorou mas chegou, sua hora chegou, sua vaca colega."

Não comovi. Não convenci. Tentei, mas não consegui.

[Comprei. Uma calcinha. Tamanho super-mega-ultra-power-G. Bege. Mas, ó, embrulho é lindo. Eu mesma fiz...]

sábado, 8 de outubro de 2011

[A Mais Maneira Da Cidade]

O negócio aconteceu assim: estava lá, tirando inspiração do meu útero para conseguir a atenção de todos, já nos últimos instantes do expediente da semana quando, de repente, notei uma movimentação estranha de braços, mãos e lábios na minha frente. Tal movimentação acabou chamando minha atenção, principalmente porque envolvia um pedaço suspeito de papel que, sorrateiramente, passava de mão em mão.

Eu já estava muito puta da vida por causa do calor, porque meu esmalte tinha acabado de descascar, porque não consegui comprar ingressos para uma partida de futebol, porque as pessoas são más, porque minha caneta vermelha tinha feito sua passagem, porque o mundo é cruel, porque eu tinha muita coisa para corrigir e, céus, com esse calor, concentração é artigo de luxo, porque meu inferno astral está se espalhando sobre minha pessoa, porque eu queria comer para esquecer e comer sem engordar, porque eu não acho o botão desacelere no meu corpo, porque meu cabelo havia amanhecido uma maravilha da natureza e eu não tinha muito do que reclamar e, puxa, eu estava muito puta da vida por ser assim, do jeito que eu sou.

Interceptei o papel no momento em que ele ia trocar novamente de mãos, já imaginando pelo menos quatro opções diferentes de punições para aquela brincadeirinha. Abri o papel. Li o conteúdo. Desisti. Eu já estava muito puta da vida mesmo e, afinal de contas, descontar no meu semelhante a árdua tarefa de ter que lidar comigo mesma é algo que, definitivamente, não se faz.

Ah, sim. O papel:

[Ainda tenho cinco anos e fico felizinha com mais um título conquistado com todo o meu esforço, carinho e dedicação em ser, nesta vida, eu]

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

[A Festa]

"Vai ter uma festa
Que eu vou dançar
Até o sapato pedir pra parar. 
Aí eu paro,
Tiro o sapato
E danço o resto da vida"
[Chacal]

Prima de Blogueira - a mais festeira de todas as primas - sempre dizia que, um dia, comemoraria seu aniversário com uma mega festa, na qual ela, sua irmã e Blogueira reviveriam passagens da infância vivida pelo trio.

Pois bem, pois bem. Eis que, no próximo final de semana, Prima de Blogueira terá a sua tão desejada festa, de modo que Blogueira já está naquela maratona gostosa de preparação para dar toda a sorte de vexames possíveis.

Da mente de Prima de Blogueira brotam ideias numa escala vertiginosa, inversamente proporcionais à sua capacidade de ter piedade - senão de si mesma, pelo menos da irmã e da Blogueira que vos escreve. 

Assim sendo, já participei da supervisão da montagem de uma passarela e de um palco, por onde desfilaremos e cantaremos afinadíssimas, do jeitinho que fazíamos quando éramos crianças. Vai vendo o glamour. Prima também contratou um DJ; afinal de contas, éramos exímias dançarinas. Vai vendo o charme. Constam da lista, ainda, dois gogo boys. Vai vendo o mal estar, a taquicardia e os surtos sacrifício, meu bem. 

Para coroar toda esta fertilidade de ideias, Prima decidiu que, opa, uma festa a fantasia seria legal, hein? Depois de muitos telefonemas, algumas reuniões em família e acalorados debates, a aniversariante decidiu que devemos vestir algo que lembre - adivinha? - a nossa infância e sugeriu, sutilmente, que Blogueira encarne aquilo que sempre a obrigava a ser - uma aluna. 

Sim, eu obrigava esta Prima, em especial, a ser minha aluna. Não, eu não sabia que ela desconhecia o ditado que diz que "a vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena". Sim, já estou ensaiando meus ataques de estrelismo e não, não permitirei fotos ou filmagens da memorável ocasião onde estarei usando isto:


[É com muito pesar no coração que quero deixar claro o seguinte: como se trata de sangue do meu sangue, farei o possível para realizar o fetiche de ver homens de quatro pela minha versão colegial desejo de Prima. Vai vendo o estrago...]

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

[Os Caras]

Querido Diário,

Não sei o que aconteceu no decorrer de uma semana, mas o fato é que dois caras apareceram sem as alianças nos seus respectivos dedos da mão esquerda. Não que isso seja da minha conta, não que isso vá modificar minha preferência ou me fazer trocar O Cara por um moreno alto, com um ar de seriedade instigante e agora separado cara qualquer. Não, não. Continuo desejando ardentemente que ele, O Cara, encoste em mim. Apenas tenho um TOC observo mãos e, no caso, a existência ou a ausência de um brilho dourado em dedos comprometedores.

E por falar em comprometedor, Querido Diário, imagine que um terceiro cara, um que eu fingia não notar que me olhava porque, né?, ele está sempre acompanhado da esposa, parece ter levado um puxão de orelha da dita cuja. Desde que nos encontramos na rua tempos atrás, passamos a nos cumprimentar e eu, percebendo que minha alma transcendeu com a da tal esposa, o que significa dizer que notei se tratar de ser humano altamente ciumento é claro, sempre fiz questão de cumprimentar a moça também. Ontem, porém, nenhum dos dois sequer olhou na minha direção. Nenhum dos dois sequer olhou na minha direção e ela se manteve agarrada ao braço do cara como se não houvesse amanhã. Quase posso jurar ter visto uma venda nos olhos do marido, que ela, cheia de esmero, deve ter obrigado o pobre a usar fez questão de colocar.

Se tudo falhar, espalharei anúncios intitulados "Desfaço Casamentos em Sete Dias", hein, Diário? Seria só uma questão de me esforçar mais um pouquinho, se eu quisesse...

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

[Teste]

Mal entrei na sala e lá estava um grupo reunido ao redor de uma adolescente que, discretamente, chorava. Perguntei o que estava acontecendo, se estava passando mal, se havia brigado com o namorado, se alguém estava doente na família e, por fim, se alguém havia morrido. Última opção. Saí com a menina da sala e, enquanto caminhávamos, ela foi contando que. 

[Não sei por onde começo]

Contando que o irmão de dezoito anos foi assassinado com dois tiros disparados de uma arma enfiada na sua boca, na frente da madrasta? Que a adolescente ouviu os tiros e, ao correr para a janela, viu esta cena? Que ela me respondeu, quando eu disse que não devia sair de casa naquele estado em que estava, que ficar era pior, pois não conseguia esquecer o ocorrido? Talvez contando que eu, supostamente a pessoa equilibrada e que devia manter o controle na frente da menina, chorei junto com ela?  

[Ou quem sabe escrevendo em caps lock que EU NÃO TENHO ESTRUTURA para lidar com determinadas situações e que, alô, Universo, presta atenção no que deveria ser uma profissão inofensiva como a minha e se liga, né?]

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

[Indireta]

 

[E você aí, afogado nas suas certezas, duvidando que eu fosse capaz de me esfregar na imundície dos concretos, como uma puta que geme, satisfeita, depois de conseguir usar o número que lhe convém]

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

[Proteção]

Discutir com Genitor é sempre uma experiência orgasmática. Começamos num tom aparentemente civilizado, a coisa evolui, remontamos a assuntos nada a ver com a pauta em questão, aumentamos um pouquinho mais o tom de nossas vozes e, então, chegamos ao clímax. Orgasmático.

Brigamos hoje porque, veja você, Genitor ainda acha que tenho cinco anos e, por isso, precisa me proteger. 

Fica difícil viver desse jeito, galera. Sou menina para uns, sou madura para outros, tenho cinco anos para Genitor, me dão um cargo de coordenação no trabalho, sou tão mulher para uns, sou uma ciumenta descontrolada para outros, posso receitar medicamentos para crianças com crise alérgica, mas não posso falar em público - a não ser que não se incomodem com minhas alfinetadas -, sou aquela para casar, mas também sou a que não respeita o outro numa discussão e, assim, eu poderia ficar aqui ad infinitum, aumentando uma lista de contradições a meu respeito, baseada nas observações alheias. 

[Lindo isso, hein, galera? Acho lindo]

Não sei em que momento da minha própria vida poderei sinalizar que, oi? eu, aqui - levantando o dedo para poder falar, claro -, gostaria de explicar que, embora tentativas sejam válidas, não vem dando muito certo isso de optarem por me proteger porque, para espanto geral de todos que se consideram onipotentes e onipresentes, uma tal de Vida vem me dando algumas rasteiras que divindade nenhuma tem conseguido controlar

Tentei argumentar tudo isso com Genitor e, quando pronunciei vocês não têm o direito de me esconderem as coisas, quem vocês pensam que são?, ele simplesmente me deu as costas e disse que ia embora. Acho válido. Acho digno. Acho super maduro. 

Menos de cinco minutos depois, Genitor volta, me chama e, quando digo eu sabia que ia voltar, o que escuto é  um lógico, vim almoçar com minha filha.

[Aí eu gozo, né? Na minha insanidade carente de proteção, só me resta gozar, Vida]

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

[O Cara]

Querido Diário, 

Então existe um Cara. Sim, tem um Cara aí. Não um Cara qualquer, que fique claro, mas O Cara. Bati o olho nele logo na primeira vez e não precisei de muita coisa para sentir tudo o que aquele Cara é capaz de me proporcionar. Toda quarta-feira eu me encontro com o Cara e, confesso, sempre espero que ele encoste em mim. Há vários caras, sim, eu sei, mas é ele, O Cara, quem me faz sentir coisas que nenhum outro faz.

Ontem nos encontramos. Ele me viu sentada e, ao passar por mim, deu aquele sorriso que só dá aos íntimos e perguntou um "tudo bom, menina?" que me fez imediatamente sorrir e responder que olha, bom mesmo, mesmo, MESMO, estaria se eu tivesse a certeza de que é você quem vai me tocar daqui a pouco "sim, tudo ótimo", dando mil vivas por dentro porque, verdade seja dita, há muito tempo eu queria que o Cara me enxergasse e se dirigisse, por um momento, exclusivamente a mim.

Aí ele aparece e me chama de "menina". Ele me julga uma "menina". Morro de amores pelo Cara desse jeito, Diário.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

[Na Próxima]


[Eu também me amo e, puxa, como você conseguiu fazer isso comigo, Vida? Como pôs tanta prova no meu caminho? Eu juro que tentei lidar, Vida, mas ó, difícil, hein? Não sei todas as respostas, não sei fazer o certo, não sei, não sei, não sei. Desculpa aí. Quem sabe na próxima, Vida, eu consiga fazer da maneira correta e me sair bem na sua avaliação, né, sua sacana?]

sábado, 20 de agosto de 2011

[Strip*]

*escrito a quatro mãos, duas línguas e um só pensamento

Quando cheguei em casa, chamei por minha mulher, como sempre faço; porém, não tive resposta. Podia ouvir uma música baixa ao fundo, tão baixa que não conseguia decifrar qual era. Deixei minha mochila com as coisas do trabalho em cima da mesa, chamei-a novamente e coloquei o paletó sobre uma das cadeiras. Caminhei até meu quarto e percebi que a música se tornara mais próxima. Vi a porta entreaberta e, enquanto a empurrava, fui alargando um pouco a gravata. Ela me esperava na cama, com várias velas acesas ao seu redor. Ao me ver, sorriu como se aquele sorriso explicasse o que acontecia, empinou a bunda para mim e, delicadamente, aumentou o som. Maybe she's a devil in disguise. E eu ali, parado ainda, segurando a porta.

... hoje eu quero respirar você...

Levantou-se, caminhou até a minha direção e me puxou pela gravata. Quando eu ia beijá-la, pôs o dedo indicador entre nossos lábios e inclinou-se um pouco pra trás. Tirou minha mão da sua cintura e levou-me até uma cadeira, propositalmente colocada de frente para a cama, me fazendo sentar. Colocou os joelhos sobre minha coxa e me pediu para que, a partir de então, eu não movesse um músculo. Consenti com a cabeça, ela se virou e caminhou de quatro até o centro da cama. Começou a rebolar sem olhar para mim, ao som de Hendrix. Will I be truthful, yeah, in choosing you as the one for me? Ela brincava e rebolava enquanto abria sua blusa, ainda de costas. Mostrava os ombros e beijava-os, como eu pedia para fazer.

 ... é assim que você gosta?...

Jogou o cabelo, do jeito que sempre jogava, no balanço da música que eu adorava. But you and I, we’ve been through that. Colocou a blusa novamente, deixando-a aberta. Virou-se para mim, olhando fixamente nos meus olhos e, de quatro, encostava seus peitos na cama. Quando ficava com o queixo na cama, me olhando, dava para ver sua bunda bem alta e, ainda de calça jeans, começou a desabotoar e tirar aquela peça, rebolando. Pude ver sua calcinha rosa com renda, cavadinha. Can you see me? Diversas vezes brincava de tocar guitarra e balançava o cabelo. Tirou sua calça e ficou deitada, de pernas para o ar. Acho que ela ria - escutava pouco, mas acho que ria.

... duvido que descubra o que se passa na minha mente agora...

Aproximou-se mais de mim, de joelhos na beira da cama, escondendo a calcinha com as mãos e me olhando provocantemente. Sentou-se e começou a me tocar com os pés. And then she spread her wings high over me. Começando pela canela, foi subindo. Joelho, foi subindo. Acariciou minhas coxas com os dois pés, foi subindo. Tocou meu pau e, nessa hora, tive que me ajeitar na cadeira. Ela fez que não, como se dissesse não a uma criança ou a um animal. Ainda brincando com os pés e meu pau, achei que ia explodir dentro da calça. Foi subindo, tirou minha camisa de dentro das calças e, com dificuldade, afrouxou meu cinto. Once upon a time you dressed so fine. Tirou minha gravata, arrancou meu cinto e jogou longe. Virou de costas e rebolou descendo, até ficar quase no chão, e subiu empinando a bunda na minha cara. E eu ali, louco de tesão. Começou a brincar de ameaçar sentar em mim, afastou-se um pouco, tirou a blusa e ficou só de lingerie. Minha mulher se ajoelhou, colocou as mãos sobre minha coxa e abriu minha calça.

 ... eu vou te dar o que você quer...

Quando abaixou um pouco minha cueca, meu pau saltou para fora. Com as mãos, acariciou e logo começou a me chupar gostoso, enquanto eu puxava seu cabelo, até que ambos não agüentávamos mais de tesão. What ever it is that girl putt a spell on me. Depois que tirei seu sutiã e a abracei forte para sentir seus peitos junto a mim, ela se esfregou no meu corpo. Apalpei sua bunda enquanto chupava e beijava seu pescoço, puxando-a para mim. Ela gemeu baixinho. Tirou minhas mãos, subiu-as até sua cintura, afastou-se me empurrando com uma mão, subiu na cama de quatro, foi até o centro novamente, deitou e, depois de puxar a calcinha, sussurrou um amor, esqueci isso aqui, tira pra mim? que fez meu corpo todo responder. Achei que estava na hora de fazer uma surpresa e foi então que a puxei e deixei de pé, com o corpo colado ao meu, avançando até uma parede.

... me fode gostoso, amor...

Eu a beijei e, conforme ia descendo sua calcinha, beijava seu corpo. Segurei seus peitos e os chupei. Ela gemeu novamente. I'll stay with you darling now. Virei minha mulher de costas, imprensando-a na parede, e ela se deixou espalhar, empinando a bunda e rebolando no meu pau. Enfiei por trás em sua buceta e podia ver seus peitos roçando na parede, o que a deixava louca de tesão. Pus uma mão na sua cintura e a outra no seu ombro. Quando estava perto de gozar e meu pau prestes a explodir, notei que ela estava na ponta dos pés, empinando ainda mais o seu rabo, de propósito. Coloquei-a de frente para mim e a encarei. Desci com o rosto pelo seus peitos e a levantei pelas pernas. Ela agarrou-se ao meu pescoço e me olhava com um sorriso provocante. And I said fly on my sweet angel. Comecei a meter meu pau com mais força só para ouvi-la implorar por mais.

 ... nunca mais se afaste de mim...

E cada vez que ela pedia, gritava meu nome, a parede tremia e me deixava mais louco de desejo. Não demorou muito e estávamos gozando. Coloquei minha mulher na cama. Cansados, ofegantes, suados. Assim que deitei, ela montou e mim e beijou minha boca. Abaixei o som, para que pudéssemos ouvir nossa respiração. Maybe she's a devil in disguise, Hendrix repetia, baixinho, mas, no fundo, eu sempre soube...

... maybe she's a devil in disguise...

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

[Um Doce]

Tenho dois colegas de trabalho. Tenho vários, mas estes dois são muito peculiares, por serem absurdamente opostos. Outro dia fiquei sabendo, através de uma amiga, que os dois conversavam sobre a minha pessoa e, quando Amiga entrou na sala, o colega que iniciara a conversa parou de citar meu nome porque, imagine, eu ia ficar sabendo e tentaria triturá-lo em pensamento. Colega "A" contava sobre uma vez que eu lhe neguei carona, afirmando que meu carro estava cheio.

Colega "A": - Sim, ela foi grossa, muito grossa, falou num tom horrível.
Colega "B": - Não é possível...
Colega "A": - Ela não quis me dar carona e me deu um fora na frente de todo mundo, dizendo que o carro já estava cheio. Não teve um pingo de educação.
Colega "B": - Não acredito... Tem certeza que ela falou sério?
Colega "A": - Absoluta. Grossa. Antipática. Metida.
Colega "B": - Mas ela é um doce, nunca levanta a voz, como é que isso foi acontecer?
Colega "A": - Cuidado com ela. 

Minutos depois, Colega "B" perguntou se realmente eu havia feito aquilo tudo com Colega "A" e, diante da confirmação de Amiga, pensou por uns minutos e, por fim, concluiu:

- Se ela é um doce de pessoa, ele só pode ter enchido a paciência dela. Tudo tem um limite e com ele ninguém aguenta mesmo. Foi isso, lógico.

 Não sabia se ria ou chorava diante de tamanha defesa da minha doçura, até porque:

a) neguei carona ao Colega "A" mesmo; não menti quando disse que as vagas já tinham sido ocupadas;

b) ainda que estivesse sozinha, eu negaria carona do mesmo jeito;

c) não sei se isso diminui minha culpa, mas Colega "A" é um sujeito com idade para ser meu pai, porém totalmente sem noção, asqueroso e chato, que ultimamente anda espalhando para a galera que está pegando uma senhorinha necessitada do trabalho;

d) uma inofensiva carona seria uma ótima desculpa para meu nome desfilar na lista de pessoas que Colega "A" supostamente estaria pegando;

e) vamos combinar, ainda que estivesse morrendo de necessidade, não seria Colega "A" que me agarraria, me apertaria, me lamberia, enfim;

f) talvez eu não tenha sido mesmo um amor de pessoa quando, na frente de várias pessoas, disse que sou eu quem decide quem vai de carona e que no meu carro ele não entraria de jeito nenhum, a não ser que quisesse uma ajuda para ser jogado da porra da ponte.

Assim. Um doce.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

[Gente - II*]

Genitor, querendo cumprir algo parecido com uma promessa, chegou de repente e me disse que hoje iríamos na nossa rua, ver como estavam todos os que ainda restam daquela época. Sim, nós temos uma rua. Na verdade ela pertence muito mais a ele do que a mim, já que saí de lá com pouco mais de dois anos. Ainda assim, eu lembro, ah, como eu me lembro. Lembro que era no final daquela rua que Genitor, após chegar cansado do trabalho, me levava, de carro, para dar o passeio de toda santa noite - passeio este ansiosamente aguardado pela minha pessoa em forma de bebê. Reza a lenda que eu era uma Maria Gasolina mirim e que, como tal, me recusava a dormir sem dar uma volta de carro, ainda que apenas o barulho do motor já me fizesse adormecer, mesmo que o veículo estivesse parado. Lembro também que era a calçada da minha casa, naquela rua, que eu insistia em ajudar a varrer - as fotos guardadas na gaveta das recordações não me deixam mentir. Lembro da cadeira empurrada até bem perto dos copos que eu queria lavar e que não deixavam. Maria Gasolina mirim sim, mas honesta, de topless e trabalhadora, como as mesmas fotos deixam claro. Lembro de uma tempestade, da água entrando pelo quintal, de objetos boiando ao meu redor e das minhas perninhas cruzadas numa cadeira, vendo toda uma vida passar e ser carregada pela enxurrada. Esta é a nossa rua, para onde Genitor me carregou, muitos, muitos anos depois. Havia encontrado uma senhora que era nossa vizinha, havia comentado sobre mim, havia prometido me levar para que me vissem, e assim foi. A nossa rua mudou. Diz aquela gente de sorriso farto e abraços generosos que não há mais enchentes e, a julgar pela quantidade de crianças que vi, brincando felizes, não duvido mesmo que as enchentes tenham acabado; afinal, quem teria coragem de permitir que mais crianças vissem suas vidas passando ao seu lado, sendo carregadas pela água? Você permitiria? Eu, não.

Entrei em duas casas. Somente em duas porque descobri assim, sem querer, que não sou passional apenas quando me apaixono, mas sou passional até a alma. Então, só consegui entrar em duas casas e, em ambas, fomos recebidos como se fôssemos gente importantíssima. Na primeira casa, a da vizinha para quem Genitor prometeu que iríamos lá, ouvi que éramos visitas muito ilustres e ouvi meu nome sendo repetidas vezes, sempre no diminutivo, como se eu ainda fosse a criança de um ano e pouco que ela tanto carregou no colo. Consegui me controlar, com muito esforço. Na segunda casa, porém, eu desabei. Por dentro. Já desabou por dentro? É esquisito, o impacto é muito mais forte, posso garantir. O portão se abriu e um homem de rosto familiar surgiu. Era o rapaz franzino de outrora, hoje com cinquenta anos escondidos numa aparência de trinta e cinco e que dizia não estar me reconhecendo. Relevei. Homens... Depois, uma moça, treze anos mais velha do que eu, de fisionomia muito mais reconhecível para mim, linda, apareceu no portão. Foi aí que comecei a desabar. Quando a chamei pelo nome, ela respondeu me chamando pelo meu, nos abraçamos e combinamos que a partir de então poderíamos fofocar muito porque, olha, eu também cresci, não sou a menininha de fita no cabelo com quem não podia falar certos assuntos. Fui desabando. Ela também disse que mudei demais, mas tudo bem. O estrondo final, pude sentir, aconteceu quando a senhorinha de cabelos brancos surgiu, a passos lentos, e se pôs entre os filhos, me olhando, me olhando e me olhando como se aquela fosse a última vez que me veria. Foi isso que senti: era a última vez que nos veríamos. E se ela disser que estou muito diferente? - pensei. Ela, a que fazia as roupas idealizadas por Mamãe? Ela, a que dava forma aos pedaços de tecido e à imaginação arrebatadora daquela que me carregava feito bonequinha de porcelana? E foi o que ela disse, unindo-se ao coro daqueles que, se passassem por mim na rua, não me reconheceriam. Perguntei se ainda costurava e ela disse que não estava mais enxergando, mas que conseguia me ver e eu estava muito mais bonita do que antes. Caíram as últimas vigas de sustentação da minha alma, embora eu tentasse brincar, dizendo que quando criança era feia e aí o tempo passou e um milagre se fez. Caíram. Chorei, para dentro tambem. Já chorou para dentro? Chorava escancaradamente para dentro enquanto aquela gente concordava que sim, como estou diferente, sim, como estou bonita, sim, olhe onde cheguei, sim, bonita mesmo, sim, graças a deus tenho a vida que tenho, sim, não me reconheceriam, e eu lá, sentindo meus órgãos sendo carregados pelas lágrimas, do mesmo jeito que a enxurrada da infância carregou tudo ao meu redor.

Queria dizer que eu reconheceria a todos. Que fui reconhecendo um a um, conforme apareciam na minha frente. Queria explicar que não precisava de tudo aquilo, de tantos mimos, de tantos agrados, de tantos sorrisos, porque aquilo estava acabando comigo de uma maneira tão boa que eu tinha medo que chegasse ao fim. O máximo que consegui fazer foi perguntar por uma casa abandonada e caindo aos pedaços, se estavam vendendo e que eu ia comprar, terminar de destruir e erguer um sobrado com flores nas janelas. Aquela gente sorriu, dando a entender algo como se eu não pudesse mais pertencer àquele lugar e como se eu não pudesse mais viver na minha rua. Senti como se estivessem me dando o máximo que eu poderia ter de novo: o afago, os abraços, os sorrisos e a doçura que poeira nenhuma consegue levar embora. E, sabe, eu senti meu coração batendo de um jeito que me deu a certeza de que não abandonei totalmente os sentimentos bons que devemos carregar dentro de nós. Eu, avessa a seres humanos. Eu, arredia de nascença. Ainda posso gostar de gente. Porque são eles. Porque é a minha gente. E porque sou eu. Mesmo que seja pela última vez.


 

[*escrito em 29/07/2011, mas deixado guardado à espera de um momento em que eu conseguisse usar o teclado de um computador sem encharcá-lo. tentativa inútil. que bobagem a minha imaginar que conseguiria...]

quinta-feira, 28 de julho de 2011

[Gente]

Mal chegamos na areia e quiseram saber onde eu gostaria de ficar. Depois de olhar tanto quanto minha visão podia alcançar, apontei longe, muito longe e disse "lá está bom, está vazio, não tem gente, eu não gosto de gente, então é lá que quero ficar."

Antes de me locomover para o tal "lá" que, na verdade, ficava na outra extremidade da praia, porém, senti algo no meu ombro direito. Qual não foi minha surpresa ao me virar e me deparar com uma espécie peculiar de gente que, aparentemente lúcida, se achou no direito de me dirigir a palavra. 

Dentre outras coisas típicas de gente, quis saber o porquê de eu ter dito que não gosto de gente, se é porque me considero melhor do que os simples mortais, se acho que sou mais bonita do que ela, se por acaso sou podre de rica e se, se, se e mais alguns "se". 

Ai, que fadiga.

Gente cansa. Gente irrita. Gente magoa. Gente menospreza a capacidade de discernimento dos seres humanos. Gente omite. Gente fere. Gente se levanta da cadeira de praia para interagir com uma estranha, querendo explicações que nem mesmo a estranha tem porque, né?, se fosse realmente esperta, a estranha aqui não se permitira mais qualquer aproximação com nenhum tipo de gente.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

[Sugestões]

Daí que outro dia eu quase bati de carro, né?

[No centro da cidade, onde não posso nem chegar a 100km/h, que fique bem claro]

O que ganhei como experiência depois deste fato?

Aprendi que os homens precisam andar com alguns apetrechos que sirvam para indicar que vão sair para a esquerda quando ninguém imagina que irão fazer isso - já que o carro está p.a.r.a.d.o, certo? Dar seta? Tsc! Fazer sinal com a mão? Que nada! Buzinar? Para quê? Só para avisar que você vai sair com o seu carro que, a princípio, está  em ponto morto e totalmente apagado? Avisar é para os fracos! E daí que eu vou passar pelo seu caminho em poucos segundos e terei que frear bruscamente - o que irá me fazer debruçar sobre o volante e dizer caralho, seu corno! -, já que você decidiu, no uni-duni-tê, que ia dar a partida, sem fazer qualquer sinal sobre isso?

Como as luzes e os comandos de um carro aparentemente viraram coisas inúteis e ultrapassadas, sugiro que os homens carreguem objetos que nos possam indicar o que se passa nas suas cabeças no momento em que estão no trânsito.

[Uma régua? Uma raquete de tênis? Uma vassoura, quem sabe? Um pênis? Um homem nunca esquece o seu pênis em casa, não? Sei lá, gente. Qualquer coisa serve, vai]

terça-feira, 12 de julho de 2011

["É O Que Me Interessa"]

Eu faço coisas às escondidas:

a pausa do retrato

O tempo todo.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

[O Menino E A Rabiola]

Este post é para contar como Dignidade se desapegou da minha pessoa, a partir do momento em que me batizaram com um novo codinome.

Carreguei  Dignidade dobradinha, no melhor canto da mala, quando fui passar o último feriado na casa de praia de Amiga. Filho de Amiga, do alto dos seus sete anos, levou muito a sério quando eu disse que, para pagar a hospedagem, iria brincar com ele, sempre que possível. Após me derrotar no seu jogo preferido o suficiente para que eu me recusasse a perder novamente, Filho de Amiga inventou que era hora de gastar dinheiro comprando pipas. Quando pensei que poderia me dedicar a alguma coisa mais menininha, eis que o menino sugeriu, discretamente, que eu fizesse as rabiolas para as respectivas pipas.

Rabiolas. 

Para as pipas. 

De um menino de sete anos.

Pois bem.

Carregando a certeza de que estou nesta vida para ensinar mesmo, expliquei ao Filho de Amiga como se fazia as tais rabiolas. Não, não, peraí. Primeiro eu aprendi a fazer e, após dominar a técnica de produzir rabiolas em escala industrial, ensinei minha nova habilidade.

Numa tarde ensolarada, fomos ao supermercado da pequena cidade e, no caminho, o menino dizia que eu tinha que fazer mais e mais e mais rabiolas. Em determinado momento, falei que ele mesmo podia fazer, pois tinha aprendido direitinho, que aquilo já era uma exploração capitalista e que eu ia reclamar no sindicato dos esmaltes descascados sobre a minha desumana condição de mulher-fazedora-de-rabiolas-explorada.

Qual seria a probabilidade do menino dizer qualquer coisa comprometedora no meio de um monte de estranhos perdidos na sessão de verduras e legumes do supermercado?

Algo comprometedor do naipe "mas poxa vida, [P], só você sabe fazer direito" acompanhado, após meu pedido de "depois a gente resolve isso", de um estridente "nããããããããão, [P], tem que ser vocêêêêêê, só a sua rabiola é que faz o negócio subir direitoooooooooo".

Só a minha rabiola.

O negócio sobe direito, ok?

Qual a probabilidade?

Aparentemente Dignidade se misturou às folhas de alface, enquanto as senhorinhas super solícitas achavam graça do Filho de Amiga e diziam que já posso ser mãe de um menino. Claro, claro, eu posso. Afinal, tudo o que um bebê do sexo masculino necessita é de umas rabiolas penduradas no seu berço; um menino, de pipas com rabiolas; um homem, de uma boa rabiola que faça o negócio subir; um idoso, de rabiolas que não deixem o negócio cair. Agora sim, me sinto perfeitamente apta para ser mãe de um menino, já que sou PhD na arte da rabiola.

Só estou esperando meu talento ser descoberto por algum funkeiro de plantão. Já pensou? Melô da Mulher Rabiola? Capas de revistas, entrevistas em programas de categoria duvidosa e afins? Hein, hein? 

[Avisa quando eu puder jogar uma corda? Quem sabe não dá tempo de tentar salvar Dignidade do fundo do poço, né?]

terça-feira, 28 de junho de 2011

["Monte Castelo"]

A pessoa seleciona o filme, vai explicando até mesmo o que é inexplicável - de tão óbvio - e tira as dúvidas de todas as espécies que vão surgindo enquanto a história se desenrola. Depois a pessoa elabora uma atividade e, dentre outras coisas, faz a seguinte pergunta:


E aí então a pessoa ganha, sem sequer ter pedido, a resposta para uma de suas dúvidas cruciais: por que, afinal de contas, ninguém me entende, nem neste mundo e nem em outras dimensões? Simples, muito simples: geralmente, me comunico em português. É a língua, colega:


[Já decidi abrir mão da bolsa que paquerei numa vitrine outro dia para comprar um dicionário de latim porque, né?, acho que pode ajudar isso conhecer a língua dos anjos, mesmo sabendo que sem amor eu nada seria...]

quarta-feira, 15 de junho de 2011

[Quadrilha]

Todo ano acontece uma festa junina no trabalho. Geralmente há a escolha de uma comissão de hormônios organizadora, que ficará encarregada de preparar o evento, com a supervisão de um adulto, de preferência responsável.

Como a ideia é que se promova aquela integração gostosa entre t.o.d.o.s, acabam participando da festa, inclusive, aqueles seres que não gostam de interagir com seu semelhante. Eu, no caso.

Já fui a noiva em algumas ocasiões. Este ano, porém, ganhei um novo papel: serei a amante do noivo [!].

[Como, né? Como isso aconteceu? Eu devia ter dito sim quando me chamaram para supervisionar o evento. Deixaram algum irresponsável desmiolado ocupar o posto de supervisor e deu nisso]

Perguntei se realmente existe a tal amante do noivo na história e a resposta surgiu muito simples. Explicaram que festa junina = quadrilha = algo proibido = furto de marido = eu.

De acordo com o roteiro, chegará um momento em que roubarei todas as atenções, ao aparecer no meio do casamento usando botas, máscara [quadrilha = criminosa = disfarce = eu] e uma roupa caipira com um quê de periguete. Não precisarei de muitos argumentos além de uma dancinha sensual que, evidentemente, fará com que o noivo abandone a noiva grávida no altar. Basicamente, me prestarei a fazer isso.

Papel difícil, hein? Talvez eu precise de um laboratório e, no camarim, de algumas barras de chocolate e de um tapete vermelho estendido por onde meus pés passarão.    

[Em minha defesa quero dizer que venho praticando esse negócio de ser a mocinha na vida real e, né?, não tem dado muito certo]

segunda-feira, 6 de junho de 2011

[Spam]

Bloquear esta pessoa e relatar como spam.

Assim. 

Bloquear, ok. Bloquear é possível. Bloquear eu posso, claro. 

Relatar como spam, porém, não rola. Que tal relatar como uma pessoa mentirosa? Do tipo que promete algo e não cumpre? Quem sabe relatar como uma pessoa infantil? Daquelas que fazem de tudo para tirar o outro do sério, pelo simples prazer de ver alguém descompensado por sua causa? Eu poderia relatar, também, como uma pessoa cínica, sabe? Daquela raça de gente que chega a debochar da nossa cara quando, por exemplo, tem uma atitude digna do tamanho da sua imaturidade. Talvez pudesse, ainda, relatar como uma pessoa covarde. Sim, porque alguém que se fecha no seu mundinho egocêntrico e se mostra incapaz de analisar as próprias atitudes, preferindo culpar o outro e ignorar suas falhas, nada mais é do que, puxa, uma pessoa covarde.

[Poderia continuar e estender o relatório mas... não, né? Evitemos a fadiga]

Relatar como um simples spam, portanto, está fora das minhas possibilidades.

E aí eu sigo em frente, jogando o cabelo para o lado e bloqueando.

[É o que tenho para hoje, correio eletrônico]

quinta-feira, 26 de maio de 2011

[Cultura]


[Ficou claro, né? Não sou daqui. Isto foi comigo, foi para mim. Quando percebo que estou sendo reparada, me torno uma pessoa toda trabalhada nas alterações. Pertenço a um outro tipo de cultura. O fato de não saber a qual cultura é só um mero detalhe, claro]

sábado, 21 de maio de 2011

[Nana Me Entende]


[Nana Caymmi, foda toda a vida, ensinando para as esquecidas como eu que, porra, dar tapas com luvas de pelica é o que há]

"E o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Pra tentar reviver
No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
Me esquecer"

segunda-feira, 16 de maio de 2011

[Nós]

Aqui. Bem aqui, está vendo? Guardei esta penugem escondida debaixo dos tecidos para quando a luz fosse fraca e o seu tato, incerto. Sabia que prestaria atenção nos detalhes com seus olhos cegos de volúpia. Sabia que desenharia o mapa do seu desejo seguindo o traçado dos meus arrepios. Venha sem pressa no seu silêncio fervente. Já te disse que gosto do seu silêncio? Gosto porque deixas escapar junto com ele a saliva que molha meu ventre e, assim, as palavras que não precisam ser ditas escorrem de encontro ao meu sexo para se perderem novamente na sua boca. Olhe direito para as ondas que se formam no emaranhado do meu cabelo porque quero que você pule cada uma delas até descobrir o que existe de mais úmido nas minhas profundezas. O que escondo de mim mesma e do meu reflexo distorcido no seu par de olhos tímidos. E o que escancaro todas as vezes em que descruzo minhas pernas, só para sentir o latejar do seu sangue, o tilintar dos seus dentes e a falta de ar que invade seus poros naquela ânsia louca de me ver seminua preenchendo seus espaços vazios de antes de mim. Sopre obscenidades envoltas em nuvens fluorescentes naquela língua que só nós dois entendemos. E me abra, me invada, me dobre e me guarde ali. Bem ali, está vendo? Escondida debaixo dos seus tecidos. Perdida nas suas veias. Correndo em você.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

[Aniversário]

Ganhei presentinho da Professora e da Academia onde faço Pilates:


Meu sobrenome é Disciplina. É claro que também penso no quanto é bom andar por uma praia sabendo que Professora e Academia estão colaborando na tarefa de manter meus músculos duros. Professora vai além: ela tenta fazer de mim um alguém equilibrado.

Entretanto, sei que de nada adiantaria o empenho de terceiros se eu mesma não tivesse Disciplina no sobrenome. Disciplina fica ali, mais ou menos entre Teimosia e Perfeccionismo. E logo depois de Desequilíbrio, claro.

[Pedido]

deThiago
parasegundaintencao@gmail.com
data10 de maio de 2011 22:18
assuntoEi          
enviado porgmail.com




Libera aqueles comentários vai?
É o Thiago do Tripé! 
 
[Só porque o Thiago, o Thiago do Tripé, pela segunda vez, pediu...]

segunda-feira, 2 de maio de 2011

[Limites]

Abri a porta da sala dando saudações e exigindo saudações pela vitória do meu time de coração. Hoje, além do chaveiro pendurado na bolsa, também ostentei uma camisa e uma canção do meu time de coração. E umas brincadeirinhas inofensivas, claro.

Parece que peguei pesado. Os coleguinhas disseram que não é porque sou menina, uma menina fofa, que não é porque sou uma menina fofa que não gosta de ser contrariada, que não é porque sou uma menina fofa que não gosta de ser contrariada e que arrasta uma legião de fãs hormonalmente perturbados, que podia ir entrando no recinto de maneira tão acintosa tal qual fiz hoje - a regra é clara, foi o que ouvi. O que me preocupa é o fato de não saber se, de agora em diante, ainda serei convocada para dar palpites ou para ir aos estádios, porque parece que passei, toda felizinha, dos limites. Não sei, mas parece que um dia o povo achou que eu tinha limites.

[Certeza que se tivesse algum torcedor do rival eternamente vice a coisa ia ficar linda no ambiente. Certeza]