domingo, 20 de março de 2011

[Da Arte De Ser [P]]

Então eu estava numa festa de aniversário de um adolescente. Aquela coisa toda: engorda um pouco daqui, bebe um pouco dali, finge que interage acolá e por aí vai.

Depois de muita musiquinha de gosto profundamente duvidoso e de termos visto os meninos em brincadeiras constrangedoras, inventaram que as meninas participariam de um desfile e que a vencedora ganharia... mais doces!

Começaram com uma espécie de eliminatória, na qual iam escolhendo as candidatas e dizendo você, vem brincar ou vamos, você também, vem brincar, enquanto eu aguardava no meu cantinho, pensando me chama, me chama, me chama...

[Já falei que testo as pessoas? Ossos do ofício. Estava em posição fetal numa cadeira, quase invisível, só para ver se me chamariam. Passaram no teste]

Todas desfilavam, os jurados - meninos presentes na festa: exus de vidas passadas, criaturas recém saídas da creche, fundadores de asilos, enfim, uma variedade de meninos - davam as notas e, por fim, o resultado.

Adivinha quem ganhou no quesito desfile? E no quesito charme? E no quesito roupa mais bonita? E no quesito beleza? E no quesito simpatia?

[Não, eu não fui a Miss Simpatia. Por que será?]

Inconformada com tanto doce na minha frente e a ausência de uma faixa para coroar meus títulos, ordenei sutilmente que providenciassem qualquer coisa que funcionasse como uma. Onde já se viu? Não dá, gente, quero as faixas, eu disse.

Demorou um pouco, mas apareceu uma, até que bonitinha, confeccionada de última hora. A organizadora da brincadeira sugeriu que o aniversariante colocasse a faixa em mim e eu disse que não era boa ideia. Falou, então, que poderia ser o pai do aniversariante. Eu disse que não. Que tal aquele senhor ali? Vai ficar uma cena bonita, né? Outra vez eu disse que não. Nunca vi uma mulher para ter tantas ideias péssimas num curto intervalo de tempo como aquela sujeitinha.

Quando finalmente ela disse que eu poderia escolher alguém, respondi que era o garçom. Ainda perguntei se ela era lésbica ou simplesmente tapada, por não ter notado que o garçom era o único menino capaz de enfaixar não só a mim, mas todas as meninas daquela festa.

[É por isso que não fui escolhida a Miss Simpatia. Um show de maturidade...]

sábado, 19 de março de 2011

[Tá Ligado?]

Minha autoestima está uma coisa muito surreal, ultimamente.

Andava pela rua numa tarde ensolarada, quando comecei a escutar comentários aleatórios de um cidadão igualmente aleatório sobre meu jeito de andar, meu tamanho e o comprimento do meu cabelo. Cidadão aleatório e observador. Aleatório, observador e funkeiro - portanto, vamos nos poupar de adentrar o misterioso mundo do vocabulário que os funkeiros utilizam.

Cansado de exercitar seu monólogo, o cidadão me alcançou e começou a andar do meu lado. Curto e objetivo, disse apenas que podia estar matando, roubando ou se drogando, mas estava ali, honestamente, falando comigo e que mesmo assim eu não dava a mínima. Quando eu disse que não imaginava que eram para mim aquelas frases, sentiu-se ofendido e disse um pô, se fosse com outra eu falava de outro jeito, tá ligado? aposto que se eu tivesse te chamado de BISCATE você ia saber que era com você que eu tava levando um lero, na moral.

[Se fosse com outra falaria de outro jeito mesmo, qualquer um sabe disso, viu? Uma pena que nem todo mundo esteja ligado...]

quarta-feira, 16 de março de 2011

[Considerações]

De vez em quando as pessoas fazem considerações a meu respeito que são coisas lindas de se ver. Mesmo que eu não veja, há sempre uma testemunha de confiança cuja única função naquele momento da sua vida é prestar atenção em tudo para me contar depois. Considerações importantíssimas, claro.

Mãe: Ela é educada, né? Ouvi falando uns dois palavrões e mesmo assim achei uma graça.
Filho: É que ela não conhece todo mundo aqui e não quer soltar seu vocabulário duvidoso em público.

Mãe: Ela cruzou e descruzou as pernas e mesmo assim nós não vimos sua calcinha.
Filho: Isso porque ela não subiu em nenhuma mesa perto da piscina.

Mãe: Para mim ela é ótima, por que é que você não faz alguma coisa ao invés de fingir que não gosta dela?
Filho: Ela dá um trabalho, é assumidamente louca, mamãe.

Mãe: A loucura dela é só um detalhe, ela me parece muito fértil.
Filho: Nem quero imaginar um mundo povoado de gente com o sangue dela nas veias.

Mãe: Ela é tão responsável que não colocou uma gota de álcool na boca porque sabe que vai dirigir.
Filho: Ainda bem que escondi toda a vodka do papai antes que ela chegasse.

Mãe: Ela gosta de crianças, né? Olha só como as crianças ficam em volta dela.
Filho: É que os iguais se reconhecem, lógico.

E então? Precisando de uma pessoa que avalie o seu Português, controle o que você bebe, vigie o meio das suas pernas e vasculhe seu útero enquanto sorri toda fofa e dá aquela levantada gostosa no seu ego sem que você sequer desconfie?

[Para mim ficou bem claro quem não ia dirigir na história e deve ter acabado com a vodka da casa]

quinta-feira, 10 de março de 2011

[Loucura]

Quando ouço ou leio "você está me enlouquecendo" penso que a) tão rápido assim?, b) mas poxa, nem fiz nada ainda e c) será que já posso ir tirando a roupa bem devagar? Não necessariamente nesta ordem.

Minutos depois, porém, me dou conta de que se trata de uma outra conjugação do verbo enlouquecer.

[É, eu sei, tenho problemas]

quarta-feira, 2 de março de 2011

["Aonde Está Você Agora Além De Aqui?"]

Eu nem sei por onde começaria. Não sei se te contaria sobre minhas manias - alguma vez já falei que primeiro me viro para o lado esquerdo e só então levanto da cama? É, eu sei. Devia começar o dia com o pé e o lado direito mas, você sabe, sou meio torta das ideias. Talvez eu fizesse questão de te levar a um certo espaço demarcado bem na beira do meu mar favorito para pensar no nada. O que? Você nunca experimentou pensar no nada? Faz um bem danado, mas só se você estiver cansado dos problemas, dos aborrecimentos, do tudo. Lá no meu pedaço de areia, então, pensar no nada é muito mais bonito. Sabia que eu não aponto para as estrelas e que, sorrateiramente, roubo algumas para enfeitar meu céu apagado? Não, não vou devolvê-las, nem adianta insistir. Estou guardando algumas para dividir com você, porque acho que de vez em quando algumas nuvens pairam por aí, nuvens pesadas, carregadas de tantas palavras cortantes que, juro, me fazem pensar que pode se machucar. Você sabia que eu ainda me lembro das primeiras palavras que trocamos? E que tenho uma lista de filmes que estou esperando para assistir ao seu lado? Eu acho que nunca expliquei o quanto me tornei uma pessoa melhor, graças a você. Eu perderia muito tempo tentando me explicar, tenho certeza. Estava acostumada a enxergar somente o que estava sobrando, o que precisava tirar de mim, mas você me mostrou que nem tudo é para ser jogado fora. Alguma vez, durante todo esse tempo que se assemelha com a eternidade, eu te contei sobre minha incapacidade de me desapegar? Jogaria um bocado de coisas fora, se conseguisse. Eu guardaria apenas os espaços vazios de você, para serem preenchidos por nós dois. Esse vazio é um espaço tão grande, que se espalha sobre minhas entranhas, dando a sensação de que a qualquer momento não caberei mais em mim, de tanto que estou ocupada de você. É isso. A primeira coisa que faria, tão logo meus olhos se vissem nos seus, seria entregar os rabiscos do meu vazio nas suas mãos, só para poder caber num dos bolsos da sua roupa e me perder, sem nunca mais me encontrar.