segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

[2009]

Esqueça todas as coisas extravagantes que fiz. Todas as palavras ditas no silêncio do meu olhar e todas aquelas outras escandalosas proclamadas à distância. Todas as lágrimas derramadas. Todo aquele batom vermelho borrado nos cantos da minha boca. Esqueça as coisas que não fiz também. Os sorrisos que não dei. As mãos que não apertei. Os abraços que adiei. As cartas que, embora tenha escrito, não mostrei. Esqueça o que acha que sabe porque, só agora vejo, há coisas que nem eu mesma sei. Estou virando as últimas páginas do ano de 2008 no livro da minha vida com uma única certeza, rabiscada com letra bonita numa folha amarelada pelo sal de outrora: nada do que aconteceu se compara ao que farei saltar da minha lista de desejos e se misturar, ardentemente, à porra que trago na boca e ao gozo que escapa pelos meus poros, sem meio nem fim, em 2009.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

[Pedido]

"Querido Papai Noel,

Não fui uma menina totalmente má neste ano de 2008 e, por causa disso, vou lhe fazer um pedido. Não, Papai Noel, não vou pedir para tentar entender 'por que é mais forte quem sabe mentir', como fiz daquela vez, lembra? Na verdade, sei que o que pedirei já chegou ao seu conhecimento no ano passado, só não entendi bem o porquê de não ter sido contemplada. Os muitos pedidos e sua idade deveras avançada, Bom Velhinho, me fizeram pensar que houve uma certa confusão na entrega dos presentes e, por isso, o meu chegou meio às avessas. Então, olhe, vou repetir: é para caprichar mais na falta de juízo. Um embrulho bonito, em papel vermelho sangue, carregado de falta de juízo para mim. E eu prometo fazer bom uso do meu presente durante o ano que vem inteirinho..."

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

[Sobre Danças e Cavalgadas]

- Você continua naquele curso de dança do ventre, [P]?
- Sim.
- Está gostando?
- Estou.
- E acha que já está fazendo os movimentos de forma perfeita?
- Talvez.
- Você está tão calada hoje. Este não é o seu estado normal.
- Verdade.
- Se bem que você não se abre muito comigo, né?
- Né.
- Nós duas poderíamos ser tão amigas se você confiasse em mim, não acha?
- Não.
- Hahaha, como você é espirituosa!
- Sou?
- Bem, mas sabe por que estou perguntando sobre o seu curso de dança?
- Não.
- É que me disseram que a mulher que faz dança do ventre fica com muito mais remelexo na hora de... de...
- De?
- Ah, você sabe, né?
- Não.
- Puxa, [P]! Assim... dizem que a mulher que faz dança do ventre tem muito mais desenvoltura na hora da cavalgada, entende?
- Não.
- Duvido que não! Estou te perguntando porque se isto for mesmo verdade, vou querer fazer também. O que acha?
- Hum...
- Já pensou? Eu lá, cavalgando...
- Pangarés?
- Ah, lá vem você!
- Eu?
- Sim, lá vem você! Está pensando o que? Que é só estalar os dedos e um puro sangue aparecerá na sua frente, à espera da SUA cavalgada? Acha que sou como você?
- Não.
- Não mesmo, não sou como você. Prefiro cansar minhas pernas, entendeu?
- Hã?
- É isso aí, não venha posar de desentendida agora, [P]! Nunca vi alguém perder tantas oportunidades e nem sei pra que você inventou isso de dança do ventre, já que não é para cavalgar melhor, pelo visto.
- Acho desperdício de dinheiro.
- Hã? O que o dinheiro tem a ver com isso?
- Estou respondendo sua pergunta. Acho que sua matrícula num curso de dança do ventre é desperdício de dinheiro e tempo. Dinheiro que poderia ser gasto num spa e tempo que poderia ser utilizado para se manter longe de mim. Espelho, conhece? Vou te apresentar ao que existe lá no banheiro feminino e te fazer entender que, com este quadril, com estas coisas sobrando em cada um dos seus braços e com isto que está no lugar do que deveria ser uma barriga decente e que você faz questão de exibir em roupas de estilo duvidoso, enfim, com estes seus pré-requisitos, não me espanta que você tenha alguns pangarés aos seus pés de unhas mal feitas sem que, para isto, tenha que aprender dança do ventre. Você é um talento nato para cavalgadas. Eu não sou como você. Não me abro com você. Não pretendo ser sua amiga. E preciso me aperfeiçoar, certo? Você não, você é incrível! Longe de mim, bem distante, coisa de quilômetros para ser mais exata, então, me parece que atinge a perfeição.

["Sociabilidade". Acessório que guardo na minha bolsa e do qual só faço uso em casos de extrema necessidade]

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

[Síndrome]

"Casa comigo que te faço a pessoa mais feliz do mundo. A mais linda, a mais amada, respeitada, cuidada... A mais bem comida. E a pessoa mais namorada do mundo e a mais casada. E a mais festas, viagens, jantares... Casa comigo que te faço a pessoa mais realizada profissionalmente. E a mais grávida e a mais mãe. E a pessoa mais as primeiras discussões. A pessoa mais novas brigas e as discussões de sempre. Casa comigo que te faço a pessoa mais separada do mundo. Te faço a pessoa mais solitária com um filho pra criar do mundo. A pessoa mais foi ao fundo do poço e dá a volta por cima de todas. A mais reconstruiu sua vida. A mais conheceu uma nova pessoa, a mais se apaixonou novamente... Casa comigo que te faço a pessoa mais 'casa comigo que te faço a pessoa mais feliz do mundo' "
[Michel Melamed, Regurgitofagia]

Caso contigo e te faço o homem mais feliz do mundo. Mesmo sabendo que sou muito mais mulher do que você é homem. Caso contigo e te faço não só o mais amado e respeitado... Caso contigo e te dou também o prazer de mais me comer. E de ser o mais namorado das redondezas e o mais bem casado. O mais festas, shows, cinemas... O mais realizado profissionalmente, ainda que não tenhas um emprego. Ainda que tenhas apenas sonhos. Caso contigo e com seus sonhos de uma cabana no meio do nada e uma menina mais parecida comigo correndo com os pés mais descalços. Caso contigo e te faço o mais pai de todos os possíveis pais que eu poderia escolher para a filha do meu ventre, a filha da mais mãe de todas as mães. Caso contigo e com seu mais conformismo em saber que sou a pessoa mais de todas as minhas discussões e das minhas brigas repetidas de sempre. Caso contigo mesmo sabendo que serei a mulher mais separada do mundo. Que terei nossa filha com o seu jeito mais tímido para criar mais sozinha no mundo. Caso contigo ainda que você me deixe mais no fundo do poço tempos depois. Ainda que me faças derramar mais rios de lágrimas. Caso contigo e te darei o consolo de ter sido casado com a que mais deu a volta por cima e mais reconstruiu sua vida. Caso contigo e te darei o prazer de ser o ex da que mais conheceu outra pessoa e mais se apaixonou torridamente... Caso contigo e te faço o homem mais "casa comigo que te faço o homem mais feliz do mundo".

Caso contigo, Bentinho. É só você pedir.

Beirut - Elephant Gun

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

[Dos Descompassos]

Que tipo de mulher acha que vai conseguir sair de um carro com as mãos abarrotadas de coisas, de maneira impune? A mesma que faz com que uma meia calça se desmantele em não sei quantos fios puxados depois de se dar conta que não nasceu para ser acrobata? Que tipo de mulher supõe que vai conseguir forjar um momento-seu-consigo-mesma num estacionamento aparentemente vazio, a fim de arrancar a dita meia calça desmantelada daquelas pernas que não lhes pertencem sem que, contudo, tenha sua saga observada por olhares indiscretos? A mesma que leva a idéia adiante, deixa a porta entreaberta e se contorce em movimentos obscenos até, enfim, livrar-se daquele trapo antes de chegar, soberana, ao seu destino?

Eu sou uma mulher descompensada. É fato.

Agora, que tipo de homem finge-se de morto dentro de um carro supostamente vazio num estacionamento idem, a poucos metros do meu espetáculo de contorcionismo, e escolhe como instante para surgir do nada justamente aquele momento em que saio do carro e respiro aliviada, achando que ninguém, nem mesmo minha sombra, tinha visto aquela cena? O mesmo que acha graça de toda aquela descompensação em forma de pessoa que demonstrei ser e jura que vai estar à minha espera no final do expediente, para pagar uma meia calça nova? Que tipo de ser humano consegue se manter em silêncio enquanto uma estranha esbraveja sobre sua própria ingenuidade, sua descrença na raça masculina e a falta de educação de quem se presta a ficar escondido observando uma mulher em apuros dentro de um carro? O mesmo que espera meu monólogo terminar, estende um papel com um nome e um telefone, sorri abismadamente sem parar e diz que, quando eu quiser casar, é só avisar?

Um descompensado. É lógico.

Pensa bem: dois descompensados. Seria uma piada, provavelmente.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

[Se]

Se eu soubesse que seria assim, teria arremessado minhas insinuações com mais vigor sobre a mesa. Teria arrancado os botões daquela camisa com meus dentes. Teria ensinado o caminho reto e ligeiro que levaria as mãos a desembocarem no meio das minhas pernas. Teria cravado minhas unhas nas costas nuas com mais crueldade. Teria, por fim, derramado minha alma na boca aflita junto com meu gozo.

Ingênua que eu era, não previ que todas as minhas intenções encontrariam um freio nas mãos trêmulas, no tecido rendado e no barulho da multidão.

Acabei por me desfazer daquela calcinha de renda que só fez atrapalhar. Hoje ando sem. Ela. E você.

Se eu soubesse que seria assim, teria, por fim, derramado minha alma na boca aflita junto com meu gozo e meu te amo amordaçado.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

[Enigma]

Nem tudo são apenas erros de português ou linguagem internética, TAH? Nem tudo são declarações de amor ou preces desesperadas pelos pontos que faltam para alcançarem o Paraíso. Há também aquelas coisas que não se enquadram em nenhuma categoria pré-definida:

O que é isto, pessoas? Um ato de coragem diante do perigo imediato que é o enfretamento da ira dos pais? Um simples deboche da minha cara de surpresa diante de coisa tão estapafúrdia? Amor incondicional a esta que vos escreve, a ponto de abrir mão de férias antecipadas só para desfrutar da minha presença? Uma jogada suicida, tentando atingir a piedade que eu nem tenho, a fim de livrar-se da nota medonha? Ou loucura, pura e simplesmente, já que não ando lá muito sociável e qualquer gracinha me irrita profundamente?