terça-feira, 2 de junho de 2009

[Adrenalina]

Das coisas que me fazem crer que o meu trabalho é adrenalina pura:

A.
É o típico príncipe encantado, fisicamente falando. Ah, aquele cabelo loiro, ah, aqueles olhos azuis da cor do mar, ah, aquela boca imunda... A. se sente O cara, mas toda a sua realeza desce ao nível do pântano e ele mostra o verdadeiro sapo de dezessete anos que é escondido debaixo da capa dourada quando abre a boca para reclamar que sempre é expulso injustamente, que Diretor pega muito no pé dele e que um colega, de Matemática, é outro viadinho que adora tirar ele de sala à toa. Assim, nestes termos. Mundo injusto, o dos contos de fadas em que A. vive e onde acha que pode fazer e acontecer. Pobre A., pobrezinho.

D.
Ele tem uma banda, vinte e dois anos de uma quase total timidez, toca guitarra e é dono de uma educação que destoa gritantemente dos demais. Ultimamente, por precisar de uma quantia considerável para comprar um amplificador, anda dizendo que está vendendo até o corpo. Numa escala feita por ele mesmo, o valor do seu corpo variaria de acordo com a parceira. Eu, por exemplo, pagaria o valor simbólico de um real, só para não me sentir ofendida por ter usufruído dos seus préstimos gratuitamente. Um primor, D., não fosse o fato de estar interessado na moçoila que vem com letreiro em neón sobre sua verdadeira vocação nesta encarnação e que não lhe dá a mínima porque, ora, ele é certinho demais. Eu também achava, eu também achava. Até a hora em que os olhos verdes dele brilharam quando insinuou que me amarrar em algum lugar seria uma maneira interessante de ir juntando o dinheiro para comprar o amplificador, de um real em um real.

M.
Vinte e poucos anos, dez deles passados em seguidas repetências, mãe de dois filhos, marido presidiário. Numa ocasião, em meio a um monte de oficinas sobre drogas e doenças sexualmente transmissíveis, M. deu um show. Explicou como se faz o crack, com informações pormenorizadas sobre a porcentagem de cada item necessário na fabricação da droga, inclusive. Também nos forneceu dados sobre outras drogas, indicou os lugares mais acessíveis e menos perigosos para conseguirmos o que quer que desejássemos, citou preços, horários apropriados e terminou sua explanação reclamando de uma visita que fez a um museu, quando precisou ser revistada. Sorria enquanto explicava que, se ela quisesse, esconderia o que fosse e ninguém ia saber, pois suas visitas ao presídio estimularam sua esperteza. A contradição nisso tudo é que M. é ótima, participa, é educada, não cria atritos e não ofende ninguém. Ela vai conseguindo boas notas até agosto, setembro, quando desaparece para só dar o ar da graça no ano seguinte. Parece que precisa estar matriculada, por questão de segurança. O emprego dela exige isto. Sabe quando M. vai nos deixar em paz? É, nunquinha.

F.
Exala Testosterona por todos os seus poros. Sua última façanha, até então mantida em sigilo pela Direção, foi engravidar uma ficante com quem saía esporadicamente. Até aí tudo bem; afinal, tão comum engravidar uma qualquer com quem você transou depois de uma bebedeira qualquer numa noite qualquer, não é mesmo? Tão inteligente, tão perspicaz, isso é tão, tão... Testosterona, não? Daí que em certa ocasião F. estava me esperando na rua. Perguntou se eu já estava sabendo o que ele tinha feito e se estava feliz com isso. O que a gente responde numa hora dessas, né? Mas o mais legal foi ter ouvido que a culpa era minha, claro. E que ele tinha escolhido a rua porque lá eu não ia poder fazer uso de nenhuma expulsão. Muito digno, muito mesmo. Acrescentou que só transou com uma estranha sem qualquer tipo de prevenção porque não ia conseguir trepar com a intocável da [P] mesmo e, antes de virar as costas, encerrou o monólogo com um se eu fosse você, morreria de culpa.

Assim, numa boa, eu precisava mesmo de mais uma culpa no meu currículo. Eu já me sentia culpada pelas expulsões, pelo alto preço de um amplificador, pela falta de noção do ridículo que a moçoila com letreiro em neón faz questão de exibir, pelo preço oscilante das drogas, puxa. Agora também me sinto culpada por uma foda qualquer cujo fruto virá ao mundo em seis meses. Só estou com dúvida sobre como prosseguir daqui por diante: continuo carregando todas as culpas do mundo ou saio dando? Dando menos expulsões, dinheiro para quem precisar, noções de etiqueta e comportamento para as perdidinhas?

[Não posso trabalhar à distância, não? É adrenalina demais para o meu gosto...]

5 comentários:

  1. [P], nem sei o que dizer ... por isso resolvi apoia-la no que vc decidir fazer, seja lá o que for, estou do seu lado. Na adrenalina e na serrotonina ... beijos

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  2. Mais uma vez, cheguei a conclusão que tá difícil achar homem que preste viu? ô raça!
    auhhauuhauhahua

    Mas a culpa não é sua, e que bom que você sabe disso!

    beijo flor :*

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  3. Se você for dar
    Tente relativizar
    Que o príncipe
    A vida irá desmascarar
    O certinho
    Irá desconcertar
    Antes do carnaval passar
    Enquanto M
    Essa vai continuar
    Pois não teme
    O que a vida lhe descolar
    E mesmo se a testoterana não acabar
    Algum preço ele vai pagar
    Porque não é todo corpo que geme
    Que faz gozar
    Afinal o que ele vê
    P.
    É só a espuma do mar...

    p.s - Salve.. te mandei um email, pois preciso da ajuda da dona da música smooth pra postá-la lá no meu blog.. você me cede os direitos autorais?

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  4. Pegou minhas culpas emprestadas de novo?

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[Suas Pegadas]