domingo, 25 de dezembro de 2011

[Escadas]

Noel, quero te contar sobre a minha escada.

Olho para o alto e vejo a minha escada. Cada um tem a sua própria escada, eis minha teoria. Devemos subir nossas escadas sem esbarrar na escada do colega ao lado, muito menos utilizar os degraus alheios para diminuir nossa subida. Eu tinha um casal de vizinhos.

[Eu sei, Noel. O que um casal de vizinhos tem a ver com minha teoria sobre escadas?]

Então. Um casal de vizinhos que se tornarm ex-vizinhos porque viraram ex um do outro. Murphy ali, coladinho comigo, deu aquela força na hora da partilha dos bens do ex-casal: ele, professor de Educação Física, ficou com o carro. Ela, também professora, com a casa, de modo que só tenho a agradecer a Murphy pelo seu empenho em manter próximo a mim uma pessoa que aboli do meu círculo de oi-bom-dia-tudo-bom-mas-que-calor há tempos, muito antes do fim do casamento, por motivos que não importam no momento. Valeu, Murphy.

*piscadinha irônica*

Quando ainda estavam juntos, eu via a minha escada e a dita esposa chegando da rua na companhia de um rapaz, aparentemente mais novo do que ela e o seu então marido. Achava um tanto quanto esquisito que ela necessitasse de companhia para um trajeto que conhecia muito bem mas, tendo ali na minha frente a minha própria escada para subir, me fazia de cega.

Juro que não fui eu, Noel. Juro mesmo. O casamento acabou com grande estardalhaço virtual da parte do ex-vizinho e até hoje não sei como ele ficou sabendo que sua amada curtia muito mais a companhia de um aluno - ah, essa coisa chamada fetiche, hein? - do que a dele. O tempo passou. Pouquíssimo tempo, diga-se de passagem. Aquela que nem considero mais vizinha assumiu, então, o namoro com o rapaz. Quando vi os dois passando juntos do outro lado da rua, me desequilibrei e quase caí da minha escada porque, imagine só, lá estava Murphy me mostrando o cidadão que lembra muito, do tipo lembra DEMAIS, meu ex. 

[Não sei qual é a de Murphy, Noel. Não sei o que ele ganha me fazendo passar por determinados constrangimentos. Alguém tem que ver isso aí]

Bom. Vida que se segue. Escada que se sobe, certo? Errado. Estacionei por uns dois dias e perdi alguns degraus que poderia ter subido elegantemente. Achei muito injusta esta minha vida de pessoa obrigada a lidar com um ex que me sacaneou, transfigurado em forma de namoradinho de uma vizinha que derrubou o próprio marido da escada. Ex sacana. Vizinha sacana. E um namorado de vizinha sacana de categoria igualmente duvidosa - afinal, que tipo de sujeito se prestaria a levantar suspeitas na porta da casa de uma pessoa casada, correndo o risco de levar, sei lá, um tiro? Uma grande sacanagem, no final das contas. Sacanagem, Murphy.

*apontando o dedo para Murphy*

"Você está é com inveja", cheguei a escutar. Sério, me disseram isso, Noel. Agora, olha para mim. Não, Noel. Olha direito, vai. Pareço alguém que sentiria inveja de uma mulher que ornamentou a cabeça do marido escolhendo, para tanto, um garoto inconsequente o bastante para não pensar nos riscos que ambos estariam correndo? E mais: um garoto parecido com um ex? "Inveja" não é a palavra que cabe aqui. De jeito nenhum. Porém, o fato de estacionar na minha própria escada, me perguntando por que, por que isso, Murphy? realmente estava me incomodando, não posso negar.

Muita terapia, um pouco de meditação, um empurrão nos meus neurônios estacionados e o tempo - ah, o tempo - me fizeram olhar para o alto e focar na minha escada. Pronto, só isso bastou. As coisas foram acontecendo naturalmente e os degraus tornaram-se menos cansativos. Ia subindo lépida e faceira, tomando conta da minha escada para que algumas criaturas indesejáveis não conseguissem atrapalhar a minha subida quando, um dia, entre um degrau e outro - igualmente com grande estardalhaço no mundo virtual -, fico sabendo que meu ex-vizinho está namorando.

Acho ótimo. Acho válido que toda fila ande e toda catraca, gire. A nova namorada do ex-vizinho, entretanto, é uma assassina. Mata, a cada oração que escreve, a Gramática. Para as mais sensíveis como eu, dói, dói muito ver tanto sangue derramado. Visualiza o sangue de um h no lugar errado, de um plural inexistente ou de um x usado como se não houvesse amanhã, Noel. Desnecessária, a atual namorada do ex-vizinho. Não sei se eu conseguiria transar com um assassino de tal naipe - ok, desci um degrau pela minha descompostura em insinuar que um PROFESSOR que foi casado com uma PROFESSORA só esteja com uma assassina da Gramática para, enfim, você sabe.

Não só me dei conta, toda tristinha, de que o ex-vizinho desceu um bocado de degraus como, para meu espanto, notei que sua ex-mulher também optou - esta sim, cheia de inveja - por descer, ao invés de subir. Seu atual namorado, cuja aparência só é do jeito que é para me lembrar que havia um tempo em que eu vivia um sentimento quase infantil eu poderia continuar derrapando na escada da minha vida, também demonstra ser uma espécie peculiar de homo sapiens sapiens. De cada dez palavras que o sujeito diz, onze são palavrões que não concordam entre si nem em gênero, número ou grau. Só posso concluir que ele guarda uma semelhança com o corpo físico do meu ex para me mostrar que... descer? Não, obrigada.

Olho para o alto e vejo a minha escada. Cada um tem a sua própria escada, eis minha teoria. Devemos subir nossas escadas sem esbarrar na escada do colega ao lado, muito menos utilizar os degraus alheios para diminuir nossa subida. Minha teoria também diz que não temos nada a ver com andamento das escadas dos vizinhos. A não ser que este andamento me atinja de alguma forma, o que tenho que fazer é olhar para cima. E subir. Eu me permito relaxar, me permito cansar. Eu me permito trocar as pernas e atrasar meus passos. Eu me permito bancar a espertinha, tentando subir dois degraus de uma vez - sou ansiosa, entende, Noel? Eu até me permito errar - se estou subindo de maneira equivocada, nada me impede de acertar no próximo movimento, não é?

Há apenas uma coisa que não me permito: descer. Desço quando isto me é imposto, quando não há outro jeito, quando preciso passar por algo que irá me ajudar mais lá em cima. Agora, descer por livre e espontânea escolha, não. Desculpa aí se sou exigente demais ou se só consigo estar com alguém que possa caminhar no mesmo compasso dos meus pés. Então, Noel, já que meu negócio é subir escada, eu só quero a minha enfeitada com coisas boas e bonitas que, eu sei, você tem de sobra guardada aí, dentro do seu saco. Eu só quero poder subir meus degraus enfeitados de coisas alegres em paz.

[Não estou pedindo muito, estou? Você tem que levar um papo com esse tal de Murphy, Noel. Sei lá, mostre a minha carta, explique que no fundo, b.e.m lá no fundo, sou uma boa moça ou ameace falar com seus superiores. É só uma escada, você consegue, Noel...]

Um comentário:

  1. Vou pensar na minha escada tb! Espero que noel consiga interceder por ti!

    ResponderExcluir

[Suas Pegadas]