domingo, 17 de maio de 2009

[De Novo]

Já falei que não gosto de utilizar as barcas à noite? Não gosto, porque não consigo ver o mar. Não que eu fosse conseguir ver qualquer coisa nas águas sujas da Baía de Guanabara mas, enfim, não gosto. Para fugir dos engarrafamentos, entretanto, achei que a barca seria a solução. Daí que eu podia estar me maquiando, pintando as unhas, escolhendo roupas para ir ali vender meu corpo, mas não. Estou aqui na frente do micro, honestamente, fazendo questão de deixar registrada a minha indignação pelo trabalho de quinta categoria que os tais Roteiristas da Televisa estão fazendo com a minha vida.

Porque, olha só, eu já acharia deveras emocionante quase ter sido jogada ao mar por uma senhora moderninha com seus fones de ouvido e alheia ao fato de estar me empurrando grotescamente para as beiradas daquela rampa que range tal qual em filmes de terror.

[Sonoplastia dez, ouviram, Roteiristas? Antagonista nota dez, também]

A senhora não sossegou enquanto não passou na minha frente e começou a empurrar o próximo obstáculo, jogando-o para cima de mim e fazendo com que o inevitável acontecesse. Ele me viu deixando vazar minhas lágrimas, coisa que eu vinha tentando esconder, e disse um "deixa eu lamber essas lágrimas pra você, princesa" que eu já consideraria o ápice das emoções suportáveis naquele dia. Ainda bem que eram só as lágrimas. Ainda bem. Mais outra gracinha e eu mesma me jogaria na Guanabara.

Depois do suplício para encontrar um degrau disponível para sentar e pensar na vida, eis que aparece o típico rapaz que, bem, enfim, você sabe. E ele senta onde? Ah, do meu lado, vai, é claro. Mas ao contrário do óbvio ululante [é claro que a novela deve estar bem longe do final feliz], parece que estava no script que ele devia sentir-se mal. E foi assim. Ele passando mal, não conseguindo abrir os olhos, dizendo que ia desmaiar, suando demais, dando nome e telefone para que entrassem em contato com a família e o povo dando palpites sobre o que fazer. Uma dizendo que precisava comer alguma coisa salgada, outra falando que não, que seria melhor algo doce. Se me perguntassem se eu tinha, eu tinha de tudo, sabe? Naquele dia em especial eu tinha de tudo na minha bolsa: doce, salgado, amargo, azedo. Com um pouco de esforço eu seria capaz de tirar uma onça de lá de dentro, se preciso fosse. Mas não me perguntaram. Minha função ali era só a de perguntar a mim mesma "mas por que, tendo tanto lugar para ele se encostar, ele para justamente do meu lado? mas por que?"

E por que, não é? Porque estão brincando comigo, é minha resposta. Justamente ao lado de uma pessoa que acabou de esbarrar numa morte toda atraente, acenando à distância. Justamente ao lado de uma pessoa sem a menor estrutura para lidar com certos tipos de perda e presenciar certos tipos de cena. Felizmente não me tiraram a lucidez, essa amiguinha ingrata que de vez em quando me vira as costas. Vendo que o tal rapaz não reagia, o tempo passava e nada da barca chegar em terra firme, resolvi levantar do degrau, pensando em voz alta algo como "preciso sair daqui, ele vai ter uma convulsão já, já". Então, né? Dei dois passos em direção à multidão e escutei os salva vidas completamete despreparados para uma situação daquelas gritarem que ele estava tendo uma convulsão. A barca chega finalmente ao seu destino e eu saio apressada.

Já chega, não é? Acabou a palhaçada, Roteiristas da Televisa. Sugiro imediatamente uma passagem de tempo de, sei lá, uns dois ou três meses. Corta para a próxima cena: uma ilha deserta ou uma cabana no meio do nada, eu e companhia, pouca roupa, uma vida de subsistência às custas do que a natureza pode me oferecer, muito sexo selvagem, cremes para o meu cabelo não ficar muito maltratado pelo excesso de sol, internet à disposição para que eu possa continuar a postar e... só, por enquanto.

[Ou vocês fazem isso ou vou ter que exigir um aumento considerável no meu cachê, haja visto que as cenas são absurdamente perigosas para minha pessoa e nem de uma dublê posso dispor...]

8 comentários:

  1. Hahahahahahahaha!

    Meu Deus, sou sua fã, [P]! Tanta tragédia junta, e você ainda consegue postar isso de forma super bem humorada..rs

    Beijos e sorte! Muita sorte!

    PS: Você estava na barca antiga, ou nova? rs

    ResponderExcluir
  2. [P], escrever é um jeito de exorcizar ... pelo menos deixa as coisa mais leves...
    Hoje, depois de quinze looongos dias eu consegui respirar, e a sensação do ar entrando sem dor em meus pulmões foi tão boa.
    As vezes parece que a gente entrou em um mundo paralelo e que tudo isso nunca vai ter fim. Querida, acredite em mim, tem fim. Daqui a pouco tudo isso passa.

    beijos da janela

    P.S. Já definimos aqui que você é de Jesus, lembra? Então deixa tudo bem explicado para o Primo Pastor. (risos!)

    ResponderExcluir
  3. cara é muito bom esses teus textos e essas tuas paranoias com esses malditos roteiristas...de mais de mais

    o que seria de nós sem as historias, não?

    ResponderExcluir
  4. Também a mim me faz rir constantemente, mas debaixo de toda a sátira destes textos, duvido que haja tantas gargalhadas. Não deixe de as cultivar, ainda assim. Um riso prolongado e sincero compensa uma vida inteira de miséria, mesmo que apenas por um momento.

    ResponderExcluir
  5. Fiquei pensando no Tom Hanks, no filme O Náufrago, como deve ter sido difícil para ele, sem internet, sem creme para o cabelo e, principalmente, sem o sexo selvagem. Quer dizer, havia o Wilson, aquela bola de vôlei com que ele andava para cima e para baixo naquela ilha deserta, mas não sei como devia de ser a coisa. É difícil de imaginar. Bom, a menos que ele não se importasse de furar a bola.

    Uma barca de Niterói? Talvez a gente se esbarre um dia. Se você encontrar um Omelete andando pelas ruas, pode dizer um "oi" que sou eu.

    ResponderExcluir
  6. [P], querida! olá, dê uma pulo lá na janela, exercício em 1º pessoa...
    beijos

    ResponderExcluir
  7. Ran, eu sou tímida; portanto, caso você encontre uma [P] andando pelas ruas, também pode dizer "oi", pois sou eu. Ou então uma [P] vivenciando qualquer cena não muito agradável, sou eu também. Ou, quem sabe, uma [P] toda descompensada esbarrando cinematograficamente num Omelete que anda pelas ruas, serei eu também, lógico.

    [E isso de chamar alguém de "Ran" é deveras estranho, ainda mais quando eu sei o nome do alguém. Pelo menos acho que sei...]

    ResponderExcluir

[Suas Pegadas]