sexta-feira, 3 de abril de 2009

[Olhos De Maresia - II]

As pessoas não percebem que não quero falar sobre. Não que eu não tenha mais nada para falar, pelo contrário. Poderia passar horas, talvez um dia inteiro - se eu tivesse um dia inteiro para poder pensar só em mim e no que me diz respeito -, falando sobre. Só que não, entende? Porque ninguém se dá conta que dizer que vou adoecer se continuar desse jeito não ajuda muito. Citar o valor nutritivo dos alimentos que tenho deixado de comer não vai fazer com que meu apetite ressuscite. Estranhar minha expressão, alegando que pareço tristinha e, por causa disso, me oferecer o resto do dia de folga não vai fazer outra coisa, a não ser me dar mais tempo para pensar sobre. Eu me rebelo contra as ordens vindas do alto e escolho me afogar no trabalho até as onze da noite. Recuso companhias para andar por caminhos desertos e fujo sem que se dêem conta, só para não correr o risco de ter alguém do meu lado atrapalhando minhas pegadas no deserto que existe dentro de mim. A impressão que tenho é que, embora minhas palavras não tenham se esgotado para mim, elas se esgotaram para o resto do mundo. Então é por isso que não vou falar sobre. Estou na fase de sentir raiva de mim mesma, a ponto de morder meus lábios e ranger os dentes para a imagem que vejo refletida nos espelhos. Não quero contar nada que não seja trivialidade inútil ou qualquer hábito estranho que carrego comigo. Quero poder transformar meus atos simples, dando-lhes a dimensão que agora tem a minha dor. Não espero mais ser entendida e, por isso mesmo, posso falar daquele dia em que entrei numa loja para comprar somente alguns lápis e saí com lápis, calcinhas, uma camisa do meu time de futebol e uma web cam, sem receio de não ser compreendida. Não preciso de coerências, se posso me poupar do desgaste que é ser a mulher que todos esperam que eu seja. Todos esperam demais de mim. Um conselho, uma postura, uma opinião, um telefonema. Quando leio coisas como "os telefones me algemam e você sabe disso", com as letras em forma de navalha picotando minha consciência, sinto por não poder conter um pranto invisível que encharca por dentro e não encontra mais por onde escapar. Mas quem vai me ouvir ou dizer que vai passar e que tudo ficará bem? Quem vai me convencer de que todo este pesar prestes a escapulir pelos meus olhos de maresia vai encontrar um par de mãos disposto a ampará-los? Não é hora de pedir, é o momento em que ainda espero que me dêem. Um motivo qualquer, qualquer um, que me faça pensar que devo continuar com tudo. Um só.









Nenhum. Foi o que imaginei...

2 comentários:

  1. Eis um texto que vai ao extremo de cada um. Tenho também muito o que não falar sobre.
    Estimo melhoras.

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  2. Bela,
    Se os olhos são as janelas da alma creio que lágrimas são como a chuva, que consigo traz dias melancólicos mas que também lavam a alma.
    Uma pessoinha especial como você merece um sorrisão estampado nos lábios sempre!
    Dias melhores virão, já escrevera a sábia Lispector: "porque também se vive apesar de".
    Beijos meus

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[Suas Pegadas]