quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

[Orgia]

I

Mal permitiu que ela passasse da porta. Estava esperando há horas. Ela e aquela maldita mania de chegar sempre atrasada. Mal esperou mesmo. Ela só teve tempo de jogar a bolsa sobre o sofá e se viu arrastada até a primeira parede disponível no estreito apartamento de um quarto só. Não era de todo mal estar imprensada entre aquele pau latejando na sua frente e um bando de cantores suicidas alisando suas costas. Quantas vezes pedira para que ele se livrasse daqueles cartazes velhos e desbotados, quase tão inúteis quanto suas memórias de dias quentes de verão? Naquele momento, porém, excitada e na ponta dos pés, pensou que quanto mais cartazes atrás de si, melhor.

II

Por que ela escolhera tantos botões? Botão para tudo quanto era lado e tudo o que ele queria era chegar no meio das suas pernas de uma vez. Devia ter feito de propósito. Ela e aquela maldita mania de tirar qualquer um do sério. Virou-a de costas e, na sua fúria contra os botões, contava todos, um por um. Alguns escapavam dos seus dedos, do mesmo jeito que sua saliva saltava pelos cantos da boca, do mesmo jeito que ela já escapara tantas outras vezes, pela porta dos fundos daquela sua vida podre. Pensava no que faria para vingar-se daquela demora premeditada, enquanto ela não fazia outra coisa a não ser lamber a parede.

III

- O que você está fazendo? - ele quis saber.
- Te esperando. Quanta demora...
- Ora, sua, sua...
- Quanta demora...
- Está gostoso isso daí?
- Qualquer gosto é melhor do que esse que sai da sua boca, esse seu gosto insosso que tempera poesias baratas para qualquer vagabunda que aparece no seu caminho.
- Você não aguenta provocações.
- E você não aguenta com meus botões...

IV

Dividiu-a entre os quatro homens colados na parede do apartamento de um quarto só, guardando as melhores fatias para comer sozinho, devagar, com os dedos, com a língua, no sofá velho da sala vazia. Ela e aquela maldita mania de fechar os olhos a cada espasmo, de gemer como uma puta falsa que, de tão falsa, o convencia de que ele era o melhor que ela já tivera dentro de si.

V

Antes de ir embora, ela pediu ajuda. Omitiu a saudade, escondeu as noites insones, fingiu-se de forte. Pediu ajuda apenas com aqueles botões. Ele a olhava nua, no meio da sala, com uma peça de roupa na mão. Sorriu debochado, apontou para a parede e falou que havia muitos ali para ajudá-la, bastava escolher. Sempre tão previsível. Ela deu de ombros. Abriu a bolsa - ela e aquela maldita mania de premeditar tudo -, pegou um vestido e, antes de bater a porta para nunca mais voltar, escutou aquela merda de homem que nada mais era para ela a não ser um pau duro nas horas vagas perguntar se não estava esquecendo nada, segurando sua calcinha entre os dedos.

VI

- Fique com ela. Vai ser a única coisa minha que terá para lamber de hoje em diante.

Saiu, carregando consigo o mais viril dos cartazes. Aquele suicida que ela podia jurar ter visto revirar os olhos enquanto era comida de quatro na sala vazia do apartamento de um quarto só.

3 comentários:

  1. Passados 10 minutos ela já não era nada... passados 10 meses ele pensava, respirando por aquela calcinha-prá-sempre-cheirosa: Aposto que ela se morde de saudades e prá mim ela nunca foi nada! Repitiu a frase mais duas vezes antes do último gole de wisky derruba-lo por mais uma noite.

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  2. É como um vício. Meu outro anjo, sujo, lascivo, imoral e mundano. Pelo menos por algumas horas, onde me deixo ir à lugares que abomino, com sujeitos objetos e não tão obcenos como gostaria. Preciso do cheiro do desejo, de algo pulsante apontado prá mim, num inequívoco tesão que não pode esperar. Provocar me dá prazer, e quero que me vejam nua, aberta e ansiosa, com personagens mudos na parede, com seus olhos a queimarem meu corpo, que por minutos estará disponível ao desejo de quem o quizer. Mas não prá sempre, apenas o suficiente prá saciar-me, deixar marcas e a certeza que não mais neste verão. Quero minha imagem em sua retina, que sonhe, que fique maluco de desejo, que pense e chore pois não mais me terá, mesmo que eu precise. Até que o anjo decida voltar.

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  3. E a que ponto chegam as relações para terminarem assim? Ótimo conto!

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[Suas Pegadas]