quarta-feira, 4 de março de 2009

[XY]

Nos últimos dias tenho tentado, em vão, atinar com o raciocínio das moçoilas que dividem, subdividem, espalham e separam turmas para no final das contas me entregarem, de bandeja e sem a menor cerimônia, uma sala cujos ocupantes têm uma faixa etária que varia entre quinze e vinte e um anos e são, TODOS, do sexo masculino.

Como assim? - você me pergunta. E a tal da socialização? E aquela coisa chamada "entrosamento"? E o discurso contrário à separação dos sexos? E, em último caso, a perpetuação da espécie humana? Como fica? Não sei, não me deixam saber e devem ter raiva do fato de eu querer conhecer alguém que saiba.

Então chego perto da sala e não vejo uma representante feminina sequer. Resolvo procurar algum ser competente o suficiente para me dar a listagem dos meus pupilos dos últimos tempos [é, últimos tempos, ficamos juntos até altas horas, sabe?]. Com a listagem em mãos, pergunto o que significa aquilo e ninguém sabe me responder. No máximo, fico sabendo que vem mais gente por aí, mas não me permitem saber se é gente mulher ou mais gente homem. Altamente sigiloso este meu ofício, imagine só!

Volto para minha sala e Testosterona abre gentilmente a porta para que eu entre. Testosterona também carrega minhas coisas até a mesa e trava altos diálogos comigo, na primeira conversa informal que tenho com eles e da qual já tiro uma conclusão rápida, óbvia, gritante: isso vai ser difícil, penso secretamente. Testosterona reclama que já começo mandando todo mundo abrir caderno e escrever. Creio que Testosterona queria passar o tempo só na base da conversa. Testosterona reclama de quase tudo, olha para as paredes e demora para achar a caneta na mochila. Minha única alternativa é a de endurecer, sem perder a ternura, porém. Parece que funciona, porque Testosterona vai ficando mais maleável, vai perdendo o receio original e vai obedecendo - tanto que, no final da atividade que propus, todos estão rindo da originalidade do que eles próprios produziram e começam a dizer asneiras - perdoáveis porque interpretei como uma espécie de boas vindas àquele lugar de machos predominantes dominados por uma única fêmea.



- Eu pensei que não ia gostar da senhora. Mas eu gostei, sabia? Gostei mesmo - disse Testosterona.
- Azar o seu se não gostasse também.
- Aí, não pode fazer um elogio que já vem logo desse jeito, tá ligado?
- É, tô ligada. Ligadíssima.



- Isso daqui vale ponto? - quis saber Testosterona, revelando-se altamente mercenário.
- Tudo vale ponto para mim. Escreve seu nome com carinho e em português legível, vai que ele também vale ponto, não é?
- A senhora é bonita, me dá um ponto?
- Desse jeito dou até três!
- É?
- Sim, com três pontos costuro sua boca na próxima gracinha.



- Turma tranquila essa, né? - opina Testosterona.
- Espero que continue assim.
- Vai continuar - profetiza Testosterona.
- ...
- Não vai perguntar nada?
- Você pergunta, eu respondo, lembra?
- Se continuar assim, sem nenhuma mina querendo aparecer para competir com a senhora, vai continuar tranquilo.
- Morro de medo de minas. Piso nelas e elas podem explodir.
- Coitadas das minas! A senhora é divertida. Elas não sabem pensar tão rápido assim.
- Oh, deve ser por isso que estou aqui na frente. Não sei, será?




Preciso desviar de Testosterona, que está onipresente em qualquer canto daquela sala. Às vezes o ar torna-se pesado demais, de tanta Testosterona, e preciso beber água, contar até sete, chegar perto da porta - o que me dá a doce ilusão de que estou mais longe de Testosterona e mais próxima da rua. É necessário todo um preparo psicológico para poder lidar com uma situação assim sem surtar, de modo que não sei se sobrevivo lúcida até o fim do ano na sala da Testosterona...

5 comentários:

  1. Testosterona me faz lembrar o nosso querido Homem de Neandertal. E pensar que convivo com tais seres por muito tempo... me impressiona muito não conseguir comer banana com os pés.

    Uma coisa interessante é que dividindo as letras XY pelo meio, a parte de cima forma um W... com certeza já disse isso, mas é bom ressaltar que sou machinho de verdade... droga, acho que eu acabo de me igualar ao Testosterona... vou ali terminar de ler "Assim Falou Zaratustra".

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  2. No final dá tudo certo. Palavra da testosterona.
    Cadinho RoCo

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  3. hahahahahahaha!!
    ele não pode ser tão ruim assim.

    mas o 'mina' e o '´tá ligado' realmente são um problema.

    (:

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  4. Belo nome, o dele.
    Se ele é o Testosterona você seria o Feromônio? Isso explicaria muita coisa.

    Se bem que não acho que você apenas "seria" o Feromônio...

    Não é, srta F.?

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