quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

[Anestesia]

Do tamanho da metade da sua.

Estou anestesiada - ela pensou. Era isso, estava anestesiada. Procurava, em vão, delimitar o curto espaço de tempo em que sentiu sua pele ser tocada pela agulha fina das palavras soltas que, de tão soltas, se perderam no meio das suas pernas, causando aqueles espamos incontroláveis que só a leveza das palavras soltas poderia causar. Daqui a pouco isso passa - ela acreditou. Era isso, algo passageiro. Tentava, ainda em vão, dar nome ao que acontecia naqueles dias nublados. É do tipo que gosta de nomear sensações, ainda que daqui a pouco passem e não sejam mais do que farelos perdidos no seu vestido de sentimentos, já tão remendado, já tão cheio de buracos. Não quero estar aqui quando o efeito da anestesia passar - ela, por fim, decidiu. Era isso, precisava correr. Buscava, de novo em vão, mover suas mãos, mover suas pernas e controlar suas contrações e a penugem da sua pele, aquelas coisas que denunciavam que, embora não pudesse se mover, ainda conseguia sentir. Atrasava seu relógio porque achava que atrasando suas horas estariam em descompasso e, assim, se perderiam para sempre nas linhas tortas do tempo, no meio das palavras que nem chegaram a ser ditas naqueles dias nublados. Estou condenada - ela concluiu. Talvez não devesse fugir, era isso. E não tinha chegado àquela conclusão pelas fisgadas que a agulha fina das palavras soltas continuavam a lhe provocar, nem pensou assim porque tinha medo de ser passageira quando, no fundo, queria cravar as unhas nas costas desenhadas, espalhando suas digitais e o seu perfume e os seus sussurros por toda a eternidade cabível no curto espaço entre os dois corpos suados, nem tampouco percebeu que estava condenada por não conseguir se desvencilhar da imobilidade que um simples par de olhos, tendo todos os relógios do mundo como cúmplices, lhe impunha. Condenou-se quando, teimosamente, se dispôs a ler o que haviam escrito. Seus olhos passearam pelas palavras que diziam que, se sua saudade fosse do tamanho da metade da que sentiam, era porque tinham que se ver. Do tamanho da metade da sua - ela respondeu. É isso, pensou. São, juntos, de um tamanho que se encaixa perfeitamente no vão do precipício no qual estão prestes a pular, ele na frente, segurando-a pela mão e dizendo as coisas no plural, para evitar que ela se condene mais ainda, falando sinuosamente o que ele pode muito bem dizer em linhas retas. Do tamanho da metade da dele. E ela nem sabia que, sendo uma metade, sentiria aquilo tudo, por inteiro. Deve ser assim, quando se está anestesiada.

2 comentários:

  1. Ela sentiria tudo aquilo que deveria sentir por inteiro, e não do tamanho da metade da ele. Sentiria, se não estivesse anestesiada.

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    1. Se estiver anestesiada, não sentirá tanto a dor do machucado - ela pensou. Era isso, a anestesia era o seu escudo.

      ;)

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[Suas Pegadas]