domingo, 24 de outubro de 2010

[Ilusão]

[Olha só. Lá vem ela outra vez, se insinuando entre nicotina e vodka, desengonçada em seu salto quebrado. Ilusão está achando que será como das outras vezes, tenho certeza. Tonta o suficiente para usar as mesmas armas na esperança que eu me desarme e abra minhas pernas na parede escura da noite nua como da última vez. Ilusão é uma vadia velha de maquiagem borrada que carrega uma bolsa de tecido sujo a tiracolo, onde guarda minhas fodas misturadas aos meus rabiscos. De tanto ler minhas memórias e gozar sozinha, Ilusão decorou meus textos e a posição em que melhor me encaixo e agora vem de novo, insistente, me oferecer companhia para as noites quentes que curo dormindo sem roupa e com a janela aberta, na esperança que um vento gelado me jogue na parede e me penetre com a indecisão dos suicidas. Ilusão está aqui, posso sentir, cheirando na minha nuca o perfume que agora comecei a beber a goles gigantescos. Quero me livrar desse cheiro, presta atenção. Perfume de lençol amarrotado e gozo e gemidos e eu te amo baratos. Quer para você, invejosa? Ilusão é uma puta invejosa me oferecendo o sexo que não consegue ter e, quando se esforça, embrulha num pacote de laços mal feitos não só o sexo selgavem que me causa vertigem, mas uma pitada de palavras bonitas e umas mentiras disfarçadas de quase verdades nas quais, que merda, eu acabo acreditando. Só que eu aprendi, entendeu? Uma hora a gente aprende a escrever em linhas tortas porque tortos são os sentimentos. Uma hora eu ia aprender, Ilusão, que você gosta de me ver de quatro, soltando palavrões pela boca e queimando em brasa nas mãos que batem, que mordem, que apertam, que fodem meu corpo como você gosta de foder minha vida. Quer me ver de quatro outra vez? Hein, Ilusão? Eu queria esperma de gosto diferente, você tem para me oferecer? Ah, não? Olhe direito o cardápio, incompetente. Um gosto diferente, não sei bem qual. Gosto de céu, talvez. Isso. Gosto de céu, para que eu possa engolir um pau duro e vomitar estrelas. Tem aí? Estou esperando, Ilusão, encostada naquela porra de muro onde já cravei minhas digitais e arranhei minhas costas. Não demora, sua vaca inútil. Estou esperando há muito, há tanto tempo...]

7 comentários:

  1. "Ilusão é uma vadia velha de maquiagem borrada."

    Como vc mesma disse, uma vaca inútil e incompetente.

    O que dizer? Só me pergunto pq Ilusão não faz as malas e pega um rumo sem volta, para bem longe da gente. Ilusão sempre volta e traz consigo uma carta extra na manga.

    bjs!!!

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  2. Ilusão não é inútil, vê, ela sempre volta...porque sem ela a espera seria insuportável...

    Praxer imenso em conhecer teus textos.

    Um beijo,

    Raquel

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  3. Ilusão já foi jovem e bonita, e como todas, queria encontrar um Amor, casar e ter filhos, afinal, fora criada com histórias de Cinderelas, princesas, castelos e muitos ForamFelizesParaSempre.
    Mas o Amor, ah o Amor não se acha assim, num estalo de dedos, em um beijo roubado, ou namoro de quartas e fins de semana.
    E Ilusão viu o tempo passar, e viu que Amor era algo tão...tão... escorregadio, indelével, volátil e
    inconsequente, com pitadas de imaturidade.
    Ilusão, melancólica e já cansada, foi viver sua vida, e começou a beber, fumar, pintar-se exageradamente, e a passar de cama em cama, onde aprendeu que o sexo também é bom, e pensou que, sei lá, através dele poderia achar o Amor. E foi fundo, desceu aos porões da lascívia, e chegou aos limites da devassidão. Hoje, velha, puta, devassa e rancorosa, vive à espreita, aspirando cheiros e gemidos, vendendo a preço vil promessas de prazer, com recheios de palavras obscenas em quartos sujos. Ilusão perdeu a... ilusão, e sexo e prazeres inconfessáveis foi o que sobrou. Jovens, onde ela se enxerga em um passado recente, são suas clientes, pois sabe que também estão à procura do tal Amor, e, possivelmente, serão suas sucessoras. E entre risos debochados de uma boca rebocada com baton barato, ela vive às custa do prazer travestido de Amor de cada uma delas.

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  4. Pensando, por onde você andou todo esse tempo? Escrever qualquer coisa a quatro mãos um dia desses faria parte dos seus planos?

    =****

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  5. vomitar estrelas é bonito, sabia?

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  6. Matheus, eu também acho! Aliás, esta é uma das poucas frases minhas que, se eu lesse por aí, partindo de outra pessoa, diria: "puxa, eu queria ter escrito isso".

    :)

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