quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

["Do Meu Português Ruim"]

Descobri algo inusitado sobre minha própria pessoa nos últimos dias. É o seguinte: utilizo um dialeto aborígene que, provavelmente, é uma mistura surreal de cada língua falada pelas minhas gerações antepassadas, para me comunicar com as pessoas com as quais sou obrigada a trabalhar. Por conseguinte, sou uma mulher absurdamente incompreendida no meio do qual tiro meu sustento. A conclusão óbvia a qual chego depois disto tudo é a de que só me resta utilizar uma linguagem alternativa para ser compreendida nas horas em que mais preciso.

O engraçado é que descobri tudo por acaso, sabe? Pediram a minha disponibilidade, como fazem todos os anos, e eu estipulei os dias em que poderia estar trabalhando ali e acolá. Expliquei que estaria disponível para uma conversa sobre alternativas àquelas que eu havia sugerido, desde que a conversa não precisasse envolver arranhões, hematomas e cabelos embaraçados. Como você pode ver, sou uma pessoa altamente sociável e consciente dos meus destemperos. Jurava que tinha explicado tudo em português inteligível e que meus desenhos tinham sido claros o suficiente para que não me importunassem durante as férias. E ninguém me importunou.

Então, eis que voltei ao trabalho, recebi um documento com meus horários e, depois de conferir meu nome, meu cargo, meu horóscopo do dia e afins, fui perguntar por que é que tinham me colocado no dia tal se o dia tal era um dos que eu havia assinalado como "este daqui não pode, nunca, jamais, de forma nenhuma, já que estou em outro lugar e não posso estar lá e cá ao mesmo tempo". Questionei se tinham lido direito as minhas observações e se conheciam aquela lei da Física que diz que uma [P] não pode estar em dois lugares [muito, muito distantes um do outro] ao mesmo tempo. Ah, não existe esta lei? Acabei de criar, pronto. Ainda ponderei calmamente que havia me colocado à disposição para que me procurassem durante as férias caso precisassem mudar alguma coisa, porque haveria tempo para isto, se estavam lembrados das minhas palavras e tal. Após receber "sim", "sim, [P], eu lembrei disso, sim", "claro, [P], eu me lembro do que você disse" e respostas similares, já com o sangue borbulhando em minhas veias, indaguei por que então tinham feito aquilo comigo, sem que tivesse sido consultada.

Juro que pensei nas respostas que eu perdoaria, naquele lapso de tempo em que todos me olhavam à espera de um rompante. Perdoaria se me dissessem que, como sou a mais sublime das pessoas que trabalham lá, eu teria a superioridade de me adequar seja lá de que maneira fosse aos novos dias e horários. Também perdoaria se respondessem que, oh, como sou a mais bela das mulheres naquele meio de mal comidas, talvez eu conseguisse dar um jeito de modificar t.o.d.a a minha vida já mais ou menos organizada em termos de trabalho somente para continuar levitando faceiramente e me destacando do bando de mal comidas. Aceitaria até se me convencessem de que acham, do fundo daqueles corações vazios, que tenho, sim, meus poderes sobrenaturais, de modo que tinham certeza que eu conseguiria burlar minha recém criada lei da Física e estar lá e cá, aqui, acolá e em todas as partes, ao mesmo tempo.

- Não estou entendendo, [P]. Não te consultamos, quando você tinha pedido que fizéssemos isto e tendo se colocado à nossa disposição. Erramos nisso, sim. Mas também você faz uma tempestade, não acha? Você sabe como é isto de montar os horários, nunca conseguimos agradar a todos e blábláblá. Além do mais, o que é que você tem para fazer de tão importante em outro lugar que não pode dar um jeito de resolver tudo em paz?

Foi o que me responderam. Aí não, né? Foi quando descobri que vinha falando no tal dialeto aborígene e percebi que só seria entendida quando soletrasse na língua daquelas pessoas.

- Sabe o que é? Lá no outro lugar, como o público é maior, preciso me desdobrar para dar conta de todos. Posso até fazer as contas para dar a dimensão exata do quanto sou essencial por lá. É muita felação por dia, tudo cronometrado em suas devidas horas. Fico cansada. E vocês hão de concordar comigo que chegar aqui com minha língua danificada atrapalharia demais o meu desempenho enquanto profissional. Assim sendo, como não estou pedindo para trabalhar menos do que ninguém, mas somente para trabalhar nos dias que eu havia cedido EM DEZEMBRO do ano passado e dos quais NINGUÉM reclamou antes, TENHO CERTEZA que todas vocês, mulheres super bem resolvidas e nem um pouco invejosas, farão de tudo, modificarão os horários de quem for preciso, para que possam me atender, sem que tenhamos que levar isto a alguma INSTÂNCIA SUPERIOR, certo?

Precisava ver o bando de mal comidas e seus olhinhos brilhando diante da simples menção de uma felação! Sim, porque de nada adiantaria tentar explicar que lá no outro lugar exerço a mesma função, porém, trabalho em dobro e com pessoas muito mais acessíveis do que aquelas que estavam embasbacadas na minha frente.

Agora, o mais importante: o negócio é dizer tudo, contar até dez mentalmente, só para me certificar de que fui BEM compreendida, dar as costas e bater a porta, se possível sem arrancar a maçaneta. Não dou dois dias para que tudo esteja resolvido. Aposto que agora me entenderam...

5 comentários:

  1. É...
    Fazer-se entender é um dom de poucas, doida!
    E argumentos existem para serem usados. Nem que seja o excesso de felação, ora pois! hahahaha...
    Beijos.

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  2. Tive que procurar num dicionário o significado de felação. E depois, quando achei, fechei o dicionário e procurei de novo, mas o resultado foi o mesmo.

    Poxa, a sala dos professores parece tão inofensiva... o que será que põe no café?

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  3. Welker, espero não ter causado nenhum transtorno para você, lhe apresentando um termo desconhecido :)

    A sala é inofensiva. Os papéis. Os quadros de avisos. E até o café é inofensivo! O perigo está nas pessoas que transitam por ela. Eu, por exemplo, sou perigosíssima. Arranho a porta, estrago a maçaneta e deixo queixos caídos, mas somente quando me tiram do sério a ponto de eu ter que abusar de ironia para me fazer entender. E depois ainda me chamam de "menina debochada"...

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  4. [P], acho que pior do que não ser entendida, é ser entendida e não ser levada a sério. E acho que vc não corre esse risco, vc faz eles correrem (risos!!) beijos da janela

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  5. Ah querida, entendo bem esse dialeto paralelo...Inclusive montei um dicionário se quiser posso te emprestar.rs
    Saudade bela, estou de volta à cidade maravilhosa!
    Bjks

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