terça-feira, 18 de novembro de 2008

[Às Escuras]

- Eu só vim porque preciso dizer duas coisas - Luísa disparou enquanto olhava fixamente aquele par de olhos castanhos à sua frente.

Pensou em dar tempo para que uma nuvem de interrogação surgisse na sua frente. Pensou também em não dar chance para que ele esboçasse qualquer reação. Pensou que devia pensar com calma o próximo passo. Pensava atropelando o próprio raciocínio e acabou por ser interrompida em seu devaneio solitário:

- Considerando que já me disse uma frase, estou esperando a segunda coisa. Diga.

Por que ele tem que ser assim?, ela pensou. Mas se estava achando que sairia ileso, estava enganado. Luísa ajeitou o vestido enquanto via folhas caídas dançarem um balé descompassado aos seus pés e procurava perdida por entre papéis de bala e cuspes alheios no chão onde pisava a resposta ideal, a que ele merecia, a que não deixaria vão para réplicas. Dona das últimas palavras. Assim era ela.

Fred parecia impaciente, mas com paciência suficiente para assistir àquele precipitar de mãos, lábios e pensamentos. Gostava de provocar contrações sentimentais naquela que havia sido, até então, seu único ponto fraco em meio a uma coleção de quadris, coxas e sussurros. E Luísa nem sequer sabia desta sua fraqueza, ocupada demais que estava com seus brios, suas erupções escandalosas em vermelho sangue e seu caderno desbotado de versos e historinhas pueris. Por que ele tem que ser assim?, repetia a si mesma.

- E então? - ele insistiu.

Enxugou o excesso de furor das palavras decoradas na noite anterior. Aboliu as observações inúteis sobre o caráter daquele homem à sua frente. Encurtou o discurso melodramático a ponto de considerá-lo desnecessário naquele momento. De pé na frente de Fred e olhando bem no fundo dos seus olhos, ela disse apenas:

- Me coma.

Dona das últimas insinuações. Assim Luísa fazia questão de ser. Pensou em ajeitar o cabelo num coque parecido com o da fotografia desbotada da avó, já que ventava demais àquela hora da noite. Achou melhor abandonar os fios à própria sorte, pois viu que suas mãos seriam mais úteis segurando o vestido para que ele não descobrisse a nudez úmida do meio das suas pernas. Luísa era contraditoriamente recatada. Mesmo que o muro da igreja às escuras gritasse o contrário e mesmo que se visse obrigada a deixar Fred parado com seu desejo nas mãos, sozinho, sem olhar para trás.

Se fosse viva, talvez a avó pensasse ela tinha esquecido de notar que Fred não estava saciado. Esquecida, Luísa era. Mas, desta vez, ela só estava fazendo questão de ser inesquecível, a pobre.

7 comentários:

  1. Luiza. A deixou como você [P], que és inesquecível e contagiante.

    Teu jeito de escrever deixa marcas. Marcas que acabam seguidas por essas mãos que lhe escreve. Marcas que transformam uma personagem sem roupa intima em alguém recatada e sem pudores. Marcas que lhe moldam a forma, sem preencher as cores e que lhe dão conteúdo, sem bordas para se fixarem.

    Continua com a Luiza [P].
    Vai ao lado dela pois ela precisa de você.
    (Se pudesse usar uma tag sua: "Entrelinhas")

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  2. O nome do local muda e o teor se acentua :)
    Bjo!

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  3. Isso daria um bom roteiro de série da HBO... consegue ouvir os cifrões? Isso vale ouro... melhor ainda, vale Luísa. :Y

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  4. Bruno, deve ser porque Luísa é muito mais Bem Intencionada do que a Dona do falecido "Segundas Intenções".

    :)

    Welker, isto é uma profecia?

    Já estou até me vendo tendo ataques de estrelismo descontrolados...

    :)

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  5. Ahh, mas sei não... Luisa foi sim inesquecível.

    Ninguém que diz "me coma" passa sem deixar marcas na vida de um homem... mesmo que ele não a coma, mesmo que ele fique na mão...

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