terça-feira, 9 de abril de 2013

[O Berço]

Ontem eu pensei em desistir. Das outras vezes, pensava numa desistência que nunca era, de fato, real. Eram apenas reclamações de uma pessoa cansada. Da correria. Da gritaria. Da má vontade. Dos excessos. Excesso de cansaço, correria, gritaria e má vontade. Ontem, porém, pensei verdadeiramente em desistir, pela primeira vez em todos esses anos.

Não pensei em desistir porque um adolescente maior do que eu se recusava a dizer a verdade. Não pensei em desistir porque havia ficado claro, diante de toda a situação que criou, que ele não gosta de mim. Não pensei em desistir porque ele fez com que uma mãe toda trabalhada no destempero, na falta de educação e no excesso de gritos, de ofensas e de atitudes preconceituosas aparecesse para, supostamente, conversar comigo. Não pensei em desistir porque vi que ela não sabia o que significa conversar.

Pensei em desistir por causa do berço. Porque o adolescente que não honrou com a palavra dada anteriormente e que criou uma situação constrangedora para todos os presentes é, sobretudo, uma vítima do seu berço. O que ele recebeu, o que ele recebe, o que ele repassa, quem ele aprendeu a ser e como ele é, tudo veio do berço. Pensei em desistir ao me dar conta de que há mais berços problemáticos por aí do que minha capacidade de raciocínio é capaz de supor. Pensei em desistir porque, pela primeira vez, me senti discriminada, quase a ponto de me desculpar por ser branca e ter cabelo liso. Quase a ponto de sugerir que, sim, precisávamos todos ir até a delegacia mais próxima mesmo, porque quem não aguentava mais aquilo tudo era eu.

E eu chorei. Não na hora do embate - afinal, anos de sessões me ensinaram a manter o equilíbrio diante da inimiga -, mas antes e depois. Chorei muito, chorei tanto, chorei convulsivamente como jamais havia acontecido, em todos esses anos. Enquanto chorava, pensava "eu desisto".

Sabe por que não desisti? Porque havia se formado um paredão humano de colegas, uns trazendo água com açúcar, outros falando coisas para que me acalmasse e, por fim, outros estando comigo, temendo que eu pudesse ser agredida pela personificação do absurdo em forma de mulher. E, se não vou desistir, é porque me senti acolhida, me senti querida e senti que a justiça estava sendo feita. Não posso desistir enquanto houver seres humanos dispostos a comprar a minha briga - que, no fim das contas, é uma briga de todos nós.

[Uma briga contra os berços mal acabados e repletos de conceitos deturpados que, infelizmente, um adolescente ainda não tem forças para jogar fora, pela janela da sua prisão...]

3 comentários:

  1. Do berço
    Mas tem também um terço
    Que vem do ato
    E outro tanto de desacato
    Que veio da vida
    Quando exposta a ferida
    Tudo se torna destrambelhado
    O ocaso da família
    É tanta ilha
    Mas a tal da criação é uma benção
    E um fardo
    Caminho árduo
    Pois educação está em tudo que é dado
    Em cada gesto
    Cada momento
    Por mais delicado
    Ou menor
    Ensina
    A respeitar a menina
    A jogar o lixo no lixo
    A fugir dessa sina
    De ser bicho
    Só agir por instinto
    De só pensar no seu nicho
    Quando o infinito tá aqui do lado
    Pra que faças do teu brado
    Coro
    Contra o sistema
    Ou qualquer outro teorema
    Que se inventar
    E estaremos nós lá
    A questionar
    Instigar a pensar
    Mesmo que a duras penas
    Nós temos berços por embalar...

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    Respostas
    1. "E estaremos nós lá
      A questionar
      Instigar a pensar
      Mesmo que a duras penas
      Nós temos berços por embalar..."

      LINDO isso! Muito, muito lindo...

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    2. Hoje em dia há mais professor em mim para palavrear com vossa excelência...

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